Qui iure vindicet? – ONDE ESTÁ A ESQUERDA?
“Dedico este pequeno texto a minha filha Luiza Manhã de três anos”
A nossa época pode ser representada como a de uma neutralização de toda saída emancipadora. A sua ‘tolerância’ lacrimosa é erigida para evitar o escândalo que toda política implica. Só há política quando uma situação nos coloca diante de uma forte oposição em que os termos são incomensuráveis. Podemos exemplificar com a oposição entre os plebeus insurretos e os patrícios ciosos do conformismo. Entre eles não havia elemento comum a não ser a luta. Por isso, a política emerge quando se instaura a comunidade do litígio (Ranciére) e não a comunidade do consenso (Habermas).
Enquanto uma relação paradoxal nos coloca diante de uma escolha radical, a relação ‘tolerante’ nos coloca ante uma falsa oposição em que os próprios termos são falsos. Slavoj Zizek, no seu livro “Em defesa das causas perdidas”, lembra que a oposição atual entre democracia e fundamentalismo existe para foracluir a hipótese emancipadora.
A oposição entre a direita e a esquerda é uma típica situação de falsa oposição, pois entre estes termos se visualiza uma elemento comum que indica consenso. Que consenso unifica a direita e a esquerda? O consenso do capital-parlamentarismo. Para ser mais direto, o elemento comum é o capitalismo.
Direita e esquerda são Fukuyamistas, pois enxergam no capital-parlamentarismo o fim da história, partilhando, portanto, da mesma concepção de que a única forma do Bem é o menos pior. Quando isto acontece, a política deixa de existir. É preciso lembrar Jacques Ranciére quando afirma que uma sequência política é rara e só ocorre quando a ordem natural da dominação é interrompida por uma oposição incomensurável. Se esquerda e direita são comensuráveis na medida em que se verifica um elemento comum qual seja a aceitação da economia de mercado como necessária, é sinal de que não existe política e, portanto, vivemos em um tempo modesto e falso.
Somente um ingênuo ou um imbecil (ou os dois) acha que entre Dilma e Aécio há antagonismo. Como salienta Ernesto Laclau, o mecanismo básico da ideologia e, podemos aditar, da política contemporânea, é transformar um antagonismo em simples diferença. Entre Dilma e Aécio o que há é simples diferença porque, quanto ao essencial, concordam: na aceitação da necessidade intransponível do capital-parlamentarismo.
Quando a esquerda deixa de representar, se é que em algum momento representou, uma verdadeira oposição à direita, é porque chegou o momento de ter a coragem de dizer que esta esquerda faliu e deixou-se absorver pelo ideário direitista que é o conformismo e a aceitação da dominação como o único horizonte politico. Então, com esta esquerda, quem precisa de direita?
Quando Espártacus deflagrou a insurreição dos escravos, abriu com seu agir um possível cuja afirmação já perfurava a naturalidade da dominação. No momento mesmo da declaração da revolta já deixou de ser escravo porque se alinhava à divisa do possível/impossível que implica no engajamento: podemos logo; devemos.
A esquerda, sobre ser medíocre e confortada, não pode instaurar uma verdadeira política já que, refestelando-se na cadeira macia dos palácios e paços, renuncia, se é que já teve este ideal, a paixão pela igualdade.
Alain Badiou ressalta que o primeiro grito xenófobo na França não adveio de Le Pen, mas de um ministro de esquerda, demonstrando que há, nas questões centrais, uma cumplicidade entre a esquerda e a direita. Lula não foi o maior continuador de Fernando Henrique?
Diante desse cenário, não devemos ceder à conclusão de que devemos reinventar a esquerda, mas sim encontrar novas formas de organização que escapem a forma-partido com o fito de salvar o povo dos seus supostos salvadores, isto é, libertar o povo da tentação do esquerdismo. É preciso reinventar a política que se dá sempre no confronto e não no consenso enfadonho de nossa época.
Ao entabular esta crítica, não estou fazendo apologia da direita. Ao revés, estou denunciando a fraqueza da esquerda. Mas como os esquerdistas são péssimos dialéticos, irão afirmar que estou fazendo o jogo da direita. É que eles só entendem a lógica do ”isto ou aquilo” e não percebem que o pensamento radical cria, como diria o meu mestre Alain Badiou, um regime diagonal. Entre a direita e a esquerda, resta a diagonal da emancipação humana.
Quando irromperam várias manifestações em julho do ano passado, ficou evidente que a oposição PT x PSDB era uma mera diferença e não um antagonismo. Por isso, os manifestantes se declaram contra os partidos. Não demorou muito para que a medíocre dialética ressurgisse na boca de alguns que apresentaram o argumento tipicamente autoritário: partidos políticos ou ditadura. A forma deste argumento não é idêntica àquele de dolorosa lembrança “Brasil, ame-o ou deixou-o”.
É preciso romper com esta pobre dialética e esta gente que se coloca como redentora de nosso povo. Eles fazem o jogo do capital. Como diria Albert Camus precisamos de homens de Prometeu que, mesmo na densa escuridão, mantem o coração ligado às primaveras do mundo. Precisamos ser os guardiões do futuro da Ideia da Igualdade e da Justiça e não esquerdistas deslumbrados com o consumo.
Luís Eduardo Gomes do Nascimento Advogado e Professor da FACAPE e UNEB
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