PT: o custo da rendição
OPINIÃO – Militantes e blogs ligados ao PT redobraram seus ataques sistemáticos a Ciro Gomes depois de respostas que ele deu a perguntas sobre a delação de Palocci. Nestas ele simplesmente repete uma avaliação objetiva (compartilhada por muitos petistas) de que a delação do colaborador próximo de Lula compromete sua narrativa política de defesa.
O interesse da mídia corporativa em promover manchetes sensacionalistas descontextualizando as declarações de Ciro é paradoxalmente o mesmo do PT: dividir a esquerda. Sim, porque o PT quer uma narrativa que justifique o dano que causará ao país lançando um candidato fraco e investigado quando da impugnação da candidatura de Lula.
É direito do PT querer um candidato que defenda seu legado de 13 anos à frente do executivo federal, assim como é direito de Ciro e do PDT não estarem interessados na tarefa.
Isso deveria encerrar o assunto, mas os petistas estão indignados com a rejeição: alternando acusações incompatíveis de suicídio político e oportunismo, repetem para Ciro o mantra da “traição” com o qual marcam todos os aliados que buscam em algum momento um projeto político que ameace sua hegemonia progressista (antes real, hoje imaginária).
Esse mantra aplicado a Ciro é particularmente ridículo, pois, ao contrário de Marina e Marta, ele nunca foi filiado ao PT, não se vendeu ao neoliberalismo ou ao rentismo, nunca deveu nada de seu capital político ao partido e não recebeu deste senão seguidas traições, das quais a maior foi a operação de Lula dentro do PSB em 2010 para impedir sua candidatura à presidência, mesmo depois de seu apoio no segundo turno de 2002 e oito anos de lealdade.
Como resposta, aquele que a máquina virtual do PT chama hoje de “traidor” apoiou a candidatura de Dilma. E mesmo depois da inominável traição eleitoral dela ao aplicar medidas neoliberais no segundo mandato, foi uma das únicas vozes políticas de peso de fora do PT a denunciar o golpe em curso contra a democracia.
Acusam Ciro também de “hipocrisia” mesmo tendo ele denunciado desde 2007 publicamente os rumos dos governos petistas, os acordos com grupos parlamentares criminosos e a servidão ao rentismo, mesmo tendo ele recusado todos os convites para ser ministro depois de 2006 e tendo sido o PT que praticou por mais de vinte anos o discurso moralista hipócrita antes de chegar ao poder para sucumbir ao “pragmatismo” sem resultados.
O artigo “Ciro Gomes: o preço da traição” republicado por alguns meios eletrônicos segue essa linha absolutamente incoerente: defende Lula da acusação da Globo de mudar de opinião sobre Palocci, mas ataca a suposta (e inexistente) mudança de opinião de Ciro sobre Lula; acusa Ciro de oportunismo e ao mesmo tempo de loucura por abandonar o que seriam quase um terço dos votos (!) nacionais; defende a aliança tática com os articuladores do golpe por carguinhos de mesa diretora; acusa um político de sofrer de desejo de exercer o poder, quando o PT sempre esteve disposto a mantê-lo a qualquer custo; acusa Ciro de acreditar que tem um destino heroico de se tornar presidente da república e salvar o país.
Eu de minha parte agradeço profundamente a crença e determinação heroica de Ciro em se arriscar aos quase sessenta anos de idade a enfrentar sem dinheiro a mídia, a banca nacional e internacional, os maiores inimigos externos e internos do país, o sindicato parlamentar dos ladrões e as máquinas artificiais e virtuais que infestam essa eleição. Sabemos que algumas delas, as mesmas que se movem contra Lula, não estão somente sempre prontas a assassinar reputações (como está o PT), mas também a assassinar pessoas, se necessário.
Ciro não mudou suas posições em relação à Lula. Continua como sempre reconhecendo que ele fez um bom governo, que ele está sendo vítima de perseguição por parte de Moro, que o Brasil foi desestabilizado por forças internacionais, que há uma assimetria de tratamento da justiça. Mas, objetivamente, acha que a delação de Palocci é um rombo no casco de Lula. Ora, francamente, quem não acha? Ninguém ignora que o conteúdo e as provas da delação, não só de Palocci, mas dos oito executivos da OAS, ainda não vieram a público.
É por coerência (mesmo a custo dos votos petistas) e não por oportunismo, que ele manterá seu discurso agora. Criticou as alianças de Lula desde 2007, e continuará criticando. Criticou a condução da política de juros desde que rompeu com FHC em seu primeiro ano de mandato, e continuará criticando. Criticou a parcialidade de setores do judiciário na condução da lava-jato, e continuará criticando. Foi um dos maiores nomes políticos brasileiros a se levantar contra o golpe, e continuará se levantando, sem se abraçar com o PMDB.
De minha parte lamento profundamente tudo o que está acontecendo ao Brasil, ao PT e a Lula, mas essas três coisas são bem diferentes. O Brasil está acima da sobrevivência de qualquer um de nós, Lula é muito maior que o PT, e este partido tem, no máximo, a preferência de 15% do eleitorado que, no entanto, não o segue necessariamente como vimos nas últimas eleições municipais.
Tenho convicção que Lula não se apropriou indebitamente de nenhum recurso público e que está sendo perseguido por uma aliança de interesses antinacionais. O que ele sofre hoje não difere substancialmente do que sofreu Getúlio, JK e Jango. Ele paga não por seus erros estratégicos e arrogância política, mas por seus acertos e principalmente pela ameaça que sua força popular ainda representa a esses interesses.
Mas infelizmente o custo pela rendição sem luta ao sistema financeiro, ao fisiologismo despudorado, pelas muitas traições a aliados, pelo hegemonismo, pelas contradições do exercício do poder e pelas eternas conciliações e acordos com os diabos internos e externos chegou para o PT. E é ele quem tem que pagar essa conta.
Só resta a todos nós, cidadãos democratas e de esquerda, exigir que Lula não seja julgado por processos de exceção como foi até agora, que as delações arrancadas contra ele gerem provas ou sejam anuladas, que a absurda condenação no caso do “triplex” seja revertida e que o judiciário deixe de ser instrumento de agentes políticos para a eliminação de um partido, destruição da economia nacional e entrega do país. Defender Lula de arbitrariedades é defender a democracia e o estado de direito.
Mas defenderemos Lula da injustiça, não da verdade.
Não estamos aqui para nos enterrarmos como parte do exército do imperador chinês ou nos atirarmos na pira funerária de ninguém, pois não só somos contra esse antigo e demencial costume indiano como não somos casados com o PT. Nem os cães morrem com seus donos.
Ao PT devemos lealdade, mas fidelidade só devemos ao Brasil. E nosso dever agora é oferecer uma alternativa para seu futuro.
Então já está na hora de abandonarmos essa política rasteira e personalista de discutirmos o que disse ou não disse Ciro sobre Lula ou quem é mais fiel a Lula, e passarmos – como abnegadamente tem feito Ciro – ao debate e à construção de um novo projeto para o país. Pois o do petismo, se é que ele um dia teve algum, fracassou política e economicamente, o da direita é pura destruição e entrega do país, e todos sabemos que “mais carinho com o povo” e Meirelles no comando da economia não resolverão nossos problemas.
Por: Gustavo Castañon, professor do departamento de Filosofia da Universidade Federal de Juiz de Fora
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