HEGEL

Em que infância adormece teu vigor de filósofo
Abraçando, voraz, a nado, todas as contradições
Que pululam neste vergel
Nesses sonhos que pervagam sobre extensões ínvias e ignotas

Pude um dia saber-te
E me vi no aberto, para o aberto
E lanças lancinantes
Golpes pérfidos
Abraços delicados
Sonhos de pureza golpearam-me
E desconfie de sublimações
Quis mesmo foi o corpo no solene de se esprair sobre o infinito

O teu espírito em movimento saindo das épocas distantes
Juntando-se aos mais próximos acontecimentos
Jornais, livros e tua fome de tudo abarcar
Desde a chama do cigarro à elipse dos planetas
Em que infância adquiriu tanta coragem
Tanta vulnerabilidade
Para poder provar da dor do saber
E do vinagre de, em plena revolução,
Ver que, na mais imperfeita das trajetórias,
Pode emergir uma grave manhã
Sem trombetas e sem alarde
Puro instrumento cortante
tropas calcando aos pés flores,
Derruindo sonhos pueris
Esgarçando esperanças vãs
Para poder fazer nuvem chuva densa
Compacta tempestade
Furações que fulminam os campos sem esperança
Para conferir-lhes o amanho do pastor
O sonho do profeta amante do silêncio
Em pleno deserto
Em peleja pelo equilíbrio
Pela justa medida
Nem pastor do ser, nem sentilena do vazio,
Mas aquele que, sob as mais prementes circunstâncias,
Tenta cingir as mais complexas constelações do presente
Júpiter, Netuno, riachos, cafezais,
Sonhando o deus do feldspato, ígneas possibilidade do sol
No meio-dia, na meia-noite, na meia-lua
Nos extremos das mil milhas, jardas, alqueires de solidão
Pousando na mão, na forma vã dos dias sem arautos
Não são os anos, os séculos dispersos?
Que fio os atravessa dando-lhes fibra e têmpera?
Que razão fulgura tecendo-os numa razão sempiterna?
Em que infância mora o teu dissabor
Por sensaborias e edificantes palavras
Quisera mesmo o profeta de verbo adunco, de intrincadas sentenças,
Emaranhados enunciados onde se possa refulgir as vastas manhãs dos descaminhos humanos transitando até a ágora universal onde bicho, planta, sargaço, limo,
Engenho, motor, ladrilhos, sobrados, trilhos e casas guardem um pouco do esplendor do sol
Foi auscultar e viu que só no fundo é possível brotar águas nuas
Quão estreita a via por onde a verdade aflora
Por isso, pergunto em que infância homizia-se teu vigor de filósofo?
Foste velho desde a infância mesmo jovem
Se tudo prorrompeu é porque te guardaste do riso fácil,
Dos arruídos solenes
Quão firme esteve em amar o difícil
Porque, se do átimo do agora, colhemos apenas o tropel inútil
A mim ensinou que é preciso amar o longe
na fenomenologia dos povos, no espírito encarnado
na via crucis,
na via de sempre renascer nas sublimes redenções dos povos em Cochabamba,
Em Pequim
Ou em um templo em Constantinopla ou transitar de novo qualquer embarcação fenícia
Em que velhice encontro a infância em que te torna mais do que um nome
Uma estrela, um amigo, um irmão, uma estrada
Em que cabe tudo quanto pude conceber, sentir, pensar
Em que rincão, em que revolução encontro o encontro
A enseada de tantas estações,
Pois melhor do que ter descoberto um outro planeta
Foi ter assentado o promontório de tanta comunhão

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.

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