Carro: por que você em breve não terá mais um

carrosNão tenha dúvida: você vai ter que, cedo ou tarde, deixar o seu carro em casa. Pode ser por ideologia, bom senso, solidariedade, opção política… Mas, se não for por nenhum destes motivos, será por necessidade.

Isso se aplica a todos os moradores das grandes cidades, brasileiras ou não, e muito provavelmente à grande maioria das cidades médias.

Para começar, circular com o carro será cada vez mais uma atividade cara. Muitas cidades do mundo, como Londres e Singapura, praticam há muito tempo o pedágio urbano — uma taxa para circular nos centros mais frequentados da cidade. Além disso, é bastante provável a implantação de uma espécie de “imposto de privilégio” — dinheiro pago por quem tem carro para financiar o transporte público. “Se você quer ter privilégios, tem que pagar”, diz Ailton Brasiliense, presidente da Associação Nacional de Transporte Público, citando cidades européias que já praticam esse conceito.

Outro motivo é tão óbvio quanto lógico: simplesmente não há e não haverá mais espaço para continuar circulando com carros nas ruas dos centros urbanos. Em São Paulo, há 6 milhões de carros, aos quais se somam, todos os dias, mais 900 carros. Para onde vão todos eles? O fato é que o tempo médio mundial de deslocamento para o trabalho é de uma hora.

Em São Paulo é 2h46min e 30% dos trabalhadores perdem 3 a 4 horas por dia nos congestionamentos de São Paulo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) fez um estudo do trânsito nas grandes cidades e constatou que os problemas enfrentados na locomoção afetam a produtividade no trabalho e no estudo. Deixa-se de faturar R$ 5,2 bilhões por ano na cidade de São Paulo em decorrência do trânsito que não anda. E já não há como melhorá-lo: não adianta gastar bilhões construindo pontes, viadutos e novas avenidas. Esse modelo está falido.

Em junho deste ano, a Tom Tom, empresa holandesa de localização automotiva, publicou um ranking da qualidade de trânsito, baseado na comparação entre os tempos de deslocamento do horário livre e do rush no mesmo percurso e essa relação é expressa em porcentagem — quanto maior, pior o trânsito. O Brasil tem duas cidades no ranking das cinco primeiras: 1º Moscou (Rússia) – 76%, 2º Istanbul (Turquia) – 62%, 3º Rio de Janeiro – 55%, 4º Cidade do México (México) – 54% e 5º São Paulo – 46%

A revolução que o prefeito Haddad prometeu fazer em São Paulo é ainda apenas uma ameaça. Os 250 km de faixas exclusivas para ônibus e 400 km de ciclofaixas prometidas fazem parte de um processo inevitável de segregação do carro. “São medidas que deveriam começar a ser implantadas há 50 anos”, diz Brasiliense. Há um consenso internacional entre especialistas de destinar a cidade às pessoas e não mais aos veículos. O carro já não pode ser usado para o transporte individual diário e rotineiro — deve usado para situações especiais e lazer.

Se os motivos ainda não são suficientes, que tal este: o trânsito mata, a cada ano, cerca de 1,3 milhão de pessoas no mundo todo. É muito mais do que a soma das vítimas de todas as guerras e práticas de terrorismo que ocorrem no planeta. Por esse motivo, a ONU iniciou a campanha “Década de ações para a segurança no trânsito” cujo objetivo é promover entre 2011 e 2020 uma redução de 50% das fatalidades ocorridas nas ruas e estradas do mundo todo.

No Brasil, em 2013, 54 mil pessoas morreram no trânsito no Brasil e 444 mil ficaram com sequelas permanentes devido a acidentes. “O trânsito brasileiro é uma verdadeira guerrilha”, diz Silvio Médici, presidente da Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Trânsito. O que provoca um prejuízo, segundo pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 30 bilhões de reais por ano em indenizações, diminuição da produtividade das vítimas, despesas hospitalares e outras causas.

A adesão ao transporte público é inevitável para todos. “É um processo lento. No carro você tem privacidade e mobilidade. No ônibus, tudo é desconfortável. A começar pelas calçadas indecentes, pelo trânsito que não respeita o pedestre, pelo ponto de ônibus, que é um pedaço de pau na calçada, pela falta de informação dos trajetos e horários, pelo desconforto da espera, normalmente feita em pé e sujeita ao tempo”, diz Ailton Brasiliense. Ainda assim, as faixas exclusivas já estão permitindo que os ônibus se desloquem com mais rapidez que os carros, estimulando seu uso. E as ciclovias, ainda vazias, serão, certamente, ocupadas por um número crescente de pessoas.

O melhor de tudo é que andar pela cidade, a pé, de ônibus ou bicicleta é a melhor maneira de realmente conhecê-la. Já estava mesmo na hora de sairmos dessa armadura de lata e voltar a dominar as ruas. Afinal, a praça é do povo.

Por: Roberto Amado, Diário do Centro do Mundo

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