Caixinhas de surpresas

dinesClichê, lugar-comum, platitude: ainda não se encontrou expressão melhor para caracterizar as incertezas e as espantosas possibilidades de um torneio ou match de futebol.

Inacreditável: chilenos cortaram a orelha do touro espanhol, costarricenses humilharam a arrogante azurra italiana, inspirados pelo presidente “Pepe” Mujica uruguaios mandam os inventores do futebol para o jardim-de-infância e o bravo México, pátria das revoluções, obriga o gigante adormecido, rei do futebol-improviso a tentar o que faz de melhor –improvisar.

A Copa das Copas, a esta altura, já consolidou um saldo concreto, visível: o continente das banana-republic entrou em campo repaginado, com um uniforme de seriedade, convicção e, sobretudo, gana. O substantivo tem em português uma conotação algo negativa, mas o filósofo-viajante alemão, Hermann Keyserling, no início do século 20 descobriu que este é o continente da vontade superior, imponderável, impulso firme, ímpeto sereno.

Aqui e agora, a palavra de ordem é re-invenção. Pronunciou-a o goleiro Júlio Cesar, evocou-a o sósia de Scolari numa entrevista que o verdadeiro seria incapaz de enunciar, antecipou-a Tarso Genro em 2005 quando clamou pela re-fundação do PT.

Reinventar-se independe de investimento, recursos e discursos. A re-invenção é um estalo – como o do padre Vieira – uma dor, clarão e o pavor de bater com a cara na parede. Re-invenções decorrem de situações-limite: sem aquela angustiazinha persistente, chata, sem comichão na alma, atolados na perplexidade não “cai a ficha”.

O triunfal “eureca” (encontrei!) berrado por Arquimedes na banheira levou-o a sair pelado pelas ruas de Siracusa entusiasmado com a solução do problema da medição do volume de um corpo.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, teve um destes estalos quando a Câmara Municipal recusou seu pedido para feriar a próxima segunda, 23, quando o Brasil joga em Brasília e no Itaquerão enfrentam-se chilenos e holandeses. Diante do inevitável entupimento das vias, colapso, desdobramentos impensáveis, o prefeito deixou-se empurrar para a opção restante – atenuar o rush, escalonar o horário de saída dos diferentes segmentos, desconcentrar o movimento das massas, adotar outra pulsação para a cidade.

A caixinha de surpresas aberta pelo mega-torneio de futebol levou um prefeito legitimamente assustado a ensaiar um experimento testado em todas as megalópoles do planeta. Se adotado depois das jornadas de junho do ano passado teria evitado a implantação de medidas drásticas que penalizam uma parte da população. Em emergências deve aliviar e, se institucionalizada, alongará o período em que a cidade está mais viva.

Re-inventar a mobilidade urbana sem recorrer a obras faraônicas ou de science-fiction pode ser a solução mágica, o ovo de Colombo inspirador para uma virada tática da seleção. A caixinha de surpresas contém sempre algo extremamente simples e universal -o meio de campo faz milagres.

Alberto Dines é colunista do EL País.

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