Tag Archives: Xico Sá
Questões que deveriam cair no Enem
1) Que assunto mereceu mais consideração do ministro da Educação do governo Temer até o momento:
a ( ) O projeto “Escola sem partido”, pauta de audiência especial com o ator Alexandre Frota em Brasília.
b ( ) Ouvir e debater sobre o plano do ensino médio com os estudantes que ocupam escolas contra a PEC 241 em todo o país.
c ( ) O episódio dos alunos algemados e tratados como bandidos nas ocupações.
d ( ) NDA, nenhuma das anteriores.
2) Quais foram as técnicas de tortura recomendadas por um juiz de Brasília para minar a força dos estudantes nas ocupações das escolas:
a ( ) Cortes de água, luz, gás e privação de sono por meio de barulho produzido pela PM.
b) ( ) Um sarau apenas com poemas dos livros “Anônima Intimidade”, antologia do presidente Michel Temer, e “Marimbondos de Fogo”, obra do acadêmico imortal José Sarney.
c) ( ) Um bate-papo descontraído com Kim Kataguiri, líder do MBL, linha auxiliar do governo.
d) ( ) Todas as anteriores.
3) A Patafísica, criação genial do dramaturgo e ciclista pioneiro Alfred Jarry, corresponde a:
a ( ) Possibilidade de ter havido a prática de “caixa 2” por parte de quem pagou o pato da Fiesp, ave-símbolo da campanha contra a corrupção.
b ( ) A Patafísica é a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções.
c ( ) Trata-se de um impeachment em busca de um crime de responsabilidade, como no teatro de Pirandello.
d ( ) Todas as opções anteriores.
4) Como você resumiria a PEC 241 do governo Temer:
a) Conjunto de medidas salvadoras que levará a classe operária ao paraíso.
b) Tão romântica e poética que também pode ser chamada de a “Lira dos vinte anos”, homenagem à obra homônima de Álvares de Azevedo.
c) Está mais para “Vidas Secas” (Graciliano Ramos).
d) Um arrochinho econômico de nada. O que são cinco Copas do Mundo? Passa já, você nem sente no bolso.
5) Qual das frases com mesóclise foi dita por Michel Temer para tratar dos rumos e tormentas da economia.
a ( ) Fi-lo porque qui-lo.
B ( ) Procurarei não errar, mas, se o fizer, consertá-lo-ei.
c) ( ) Bebo porque líquido, se sólido, comê-lo-ia.
d) ( ) Ter-te-ei esta noite, não é verdade, Terta?
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de “Big Jato” (Companhia das Letras), entre outros livros. Na televisão, participa dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
Os corruptos também amam?
Sexo, mentiras e videotape, como no filmaço de Steven Soderbergh, fita de 1989, o ano em que recomeçamos a votar para presidente da República…
Sexo, propina e um amorzinho gostoso para completar a pornochanchada cordial brasileira.
Não, não creio que dinheiro compre até amor verdadeiro; tampouco sei se essa frase é mesmo de Nelson Rodrigues ou de Millôr Fernandes. Só sei que a minha veia de novelista pulsa mais comovida, nas suas sístoles e diástoles, quando os escândalos nacionais nos brindam com algum capítulo de amor, sexo ou sacanagem propriamente dita.
Do pompoarismo imperial da Marquesa de Santos, que tanto pirava d. Pedro I, ao romantismo popular de Nelma Kodama, que sempre soube fazer subir a cotação do doleiro Alberto Youssef , um dos personagens centrais de tenebrosas transações pelo menos desde o caso Banestado –bilionária mutreta tupiniquim safra 2004. Quem ainda se lembra desse verbete no dicionário da corrupção brasuca? Panela velha na corrupção não provoca batuque novo, mas sempre dá um bom barreado paranaense em um fogo brando e histórico.
Em outras palavras, Nelma, muito romântica, cantarolou, em plena CPI do Petrolão, um clássico do cancioneiro de Roberto Carlos, “Amada, amante” . Foi lindo, não nego, suspirei como em uma noitada dos “Trovadores do Miocárdio”. Os doleiros também amam.
Na história privada, Youssef é tido como um cidadão cortês, cavalheiro à moda antiga, do tipo que ainda manda flores e acredita que o dinheiro pode ser até um afrodisíaco, mas não o suficiente para derreter o coração de uma fêmea. É preciso sempre fazer mais e mais.
Noves fora os escândalos tucanos, como a Privataria, por exemplo, a corrupção brasileira sempre expõe suas amadas e amantes. A turma do PSDB, mais refinada e discreta, gente “phyna” é outra coisa, sempre preferiu as ditas “casas de lobby” de Brasília, onde as empreiteiras mantinham seus bacanais de dar inveja no elenco de Oh! Rebuceteio (1984), genialíssima pornochanchada, sob a inspiração das obras Oh! Calcutta e A Chorus Line, dirigida por Cláudio Cunha.
É típico também do pequeno-burguês petista, com origem sobretudo trotskista, seja do Parlamento ou da máquina burocrática, preferir o pecado da luxúria profissional sem vínculos amorosos posteriores.
Nisso os mensalões do PT e do PSDB se igualam, nas farras sob a “curadoria” de Jeany Mary Corner, minha estimada conterrânea do Crato (CE), profissional na arte de organizar festinhas incríveis no Planalto Central do país. As fontes pagadoras também eram quase as mesmas. Afinal de contas, como diria o filósofo-empreiteiro, só o amor constrói. Com ou sem distanciamento odebrechtiano, que me permita o trocadilho, data vênia, o juiz Sergio Moro, o homem das mãos limpas.
Nada contra a diversão dos homens e das mulheres. Dentro ou de fora da real politik. Pulverizo aqui apenas o spray do veneno mínimo contra a dengue moralista.
Por: Xico Sá, colunista do EL País.
Sobre ratos e homens terceirizados
Quando certa manhã o trabalhador acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto terceirizado, mais para roedor de si mesmo – um metafísico tísico decadentista! – do que para uma romântica barata da literatura.
Acordou em cama de faquir, diga-se, o que indicava também a volta da inflação alimentícia, no que o sujeito refletiu friamente: agora sou um servidor de dois patrões, como na comédia picaresca italiana, sirvo à dupla patronal e recebo salário como meio homem, eis a real da matemática financeira da modernidade trabalhista.
“Getúlio, Brizola, Lulaaa!”, ele gritou, em um pesadelo sebastianista recorrente. “Acorda, amor”, seu benzinho o confortou com um terno, e sem tesão algum, beijo na testa. Programa Tesão Zero, fome idem, longo casamento… A gente vai levando, a gente vai levando…
“Seu terceirizado”, ele disse para si mesmo ao espelho do box do banheiro donde não havia sequer mais sombra de Narciso. “Seu terceirizado”, ele ouviu da sua própria mulher, que não havia dito nada, mas sabe aquela hora fragilizada que a gente escuta coisas da parede? “Terceirizado”, gritou o vizinho. “Terceirizado”, mexeram com ele na sinuca da esquina. O trabalho dignifica o homem, ele puxou essa do volume morto do cocoruto. A gente vai levando essa joça, viver é roça, ele se encorajou apesar de tudo e gastou o Bilhete Único como se fosse um luxo. O direito de ir e vir do nada para lugar nenhum. “O trabalho precário danifica o homem”, ele pensou direito, na volta para casa, mirando a rede que balançava sozinha na varanda nada-gourmet seu corpo de outrora, carteira assinada, rubrica decente, fundo de garantia, essas regalias que foram para as cucuias. “Que merda”, ele disse já pedindo desculpas à filhinha que não tinha nada a ver com seu infortúnio. Não tinha nada a ver, vírgula, o pai mirava a filhinha sob vergonha da sua trajetória, paranoia é paranoia, nada explica um surto psíquico de um terceirizado.
Onde ele passava, ouvia a ofensa. “Terceirizado”. “Melhor ser chamado de corno ou brocha”, ele sorria, elipsezinha no mar de verdades absolutas. Ele ia se conformando. O mundo de hoje em dia, dane-se. O café-com-pão-bolacha-não do trem suburbano era Bach para sua cabeça doida. Tentava. A gente vai levando…
“Se brincar vou na passeata de domingo acorrentado e puxado pelos meus dois patrões para gritar contra a corrupção”, meditou nosso amigo. Se brincar, refletiu mais adiante, eu colo no teflon da revolta dos que me lascam e bato panelas contra mim mesmo. “Não tenho mais nada a meu favor, só me resta o eco da desgraça”. Falou e disse.
É meu amigo, não se preocupem, bebi com ele até agora, estou próximo, não terceirizo amizade.
Xico Sá, jornalista e escritor, é autor de Big Jato (Ed. Companhia das Letras), entre outros dez livros. Na televisão, dá os seus pitacos nos programas Redação Sportv e Extra-Ordinários.