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Isto Posto…Tiradentes: o heroísmo terceirizado!

TIRADENTESPensando na importância do dia de hoje, 21 de abril, dia de Tiradentes, o herói nacional, e considerando que o país vive envolto na discussão se afazeres empresariais devem ou não ser entregues a terceiras pessoas, dei-me conta de que, no Brasil, há muito terceirizamos nossas responsabilidades sobre os destinos dessa nação desnuda de roupas, pudores e inteligência.

Basta estarmos atentos às conversas despretensiosas, travadas nas filas de ônibus e mesas de bares para logo percebermos quão difícil é assumimos nossa parcela de culpa em tudo de ruim por que passa este povo de “índole pacífica e ordeira”, a quem quis o destino alcunhar de brasileiros em virtude não de precedentes históricos, mas pelo fenômeno pouco nobre do tráfico de certa planta nativa com a qual fizeram fortuna nossos inexcedíveis colonizadores.

Nestes momentos, distraidamente reflexivos, entre uma cerveja gelada e outra; ou em meio a indisfarçável vontade de proferir os mais indizíveis palavrões contra as companhias de transportes coletivos, quando nos entretêm as piadas a cerca da frágil moralidade dos nossos políticos, fazemos sempre um inventário de todas as mazelas que nos assolam a mais de quinhentos anos, maldizendo os homens públicos, porém, eximindo-nos da culpa pela crença inabalável de que, ainda hoje, o grande algoz do povo brasileiro é e sempre será o náufrago Pedro Álvares Cabral.

E, assim, com o jeitinho brasileiro que nos é peculiar, transferimos, ou melhor, terceirizamos responsabilidades que sempre foram de nossa conta, ao escolhermos outros como causa de todo infortúnio que se abate sobre tão divina terra.

Com o Tiradentes não fora diferente. Por isso, comemoramos neste dia seu heroísmo. Naqueles idos, em que a Coroa Portuguesa fazia a derrama com o ouro brasileiro, alguém precisava insurgir-se contra a voracidade com que reis gorduchos e bonachões, gulosamente, devoravam as riquezas da Terra de Vera Cruz, deixando à míngua os nativos, mão-de-obra terceirizada à disposição da Corte Lusitana. E quem encamparia tal desiderato senão um herói tupiniquim, forjado no labor e nas letras como  o insigne Joaquim José da Silva Xavier, alçado a patente de salvador da pátria em virtude da subserviência e velhacaria de outros patrícios mais condecorados.

E lá se foi o destemido “Dentista Prático” fazer tremular a bandeira da independência aos moldes Norte-americanos, reclamando para o bem geral os postulados do incipiente sistema republicano que eclodiriam na Revolução Francesa. Resultado: a Realeza decidiu ir à forra e o que era para ser uma luta pela independência se transformou, pela delação premiada de seus conterrâneos, num ato dito Inconfidência Mineira, na mais exemplar das punições, tendo o herói patrício o corpo esquartejado e posto à mostra em praça pública como símbolo real de intolerância aos atos de traição contra a Coroa Portuguesa.

Sendo a sentença nos seguintes termos:

JUSTIÇA que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame Réu Joaquim José da Silva Xavier pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe, e cabeça na Capitania de Minas Gerais, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberana e Suprema Autoridade da mesma Senhora, que Deus guarde.

MANDA que com baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas desta Cidade ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre e que separada a cabeça do corpo seja levada a Vila Rica, donde será conservada em poste alto junto ao lugar da sua habitação, até que o tempo a consuma; que seu corpo seja dividido em quartos e pregados em iguais postes pela estrada de Minas nos lugares mais públicos, principalmente no da Varginha e Sebollas; que a casa da sua habitação seja arrasada, e salgada e no meio de suas ruínas levantado um padrão em que se conserve para a posteridade a memória de tão abominável Réu, e delito e que ficando infame para seus filhos, e netos lhe sejam confiscados seus bens para a Coroa e Câmara Real. Rio de Janeiro, 21 de abril de 1792.

Daí, durante todo período colonial o alferes passou a simbolizar o anti-herói até ser resgatado pelos movimentos republicanos que, a cada nova investida ditatorial, lançava-o ora no Livro dos Heróis Pátrios, ora na mais ignominiosa das desonras, conforme a responsabilidade que se quisesse terceirizar.

Por fim, ante nosso gosto por terceirizar as responsabilidades que temos com nosso próprio destino, sempre nos furtando do dever de lutar pelo país que almejamos, ao invés de ficarmos sonhando com heróis facilmente matáveis, que tal nos perguntarmos, em coro Raul Seixas, “que culpa tem Cabral?”. E pararmos de culpar os outros.

Por: Adão Lima de Souza.