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Observatório da Imprensa: Ministério Público inicia o desmonte do “coronelismo eletrônico”

TVA manchete dominical da “Folha” (22/11) vai entrar para a história da moralização da mídia brasileira: “Ação quer cassar rádios e TVs de parlamentares”.

Iniciativa inédita tem o aval (e talvez mais do que isso) do Procurador Geral, Rodrigo Janot, e compreende medidas contra 32 deputados federais, oito senadores e o cancelamento das respectivas concessões no setor audiovisual, contrárias ao disposto pela Constituição.

Dos senadores, dois são do PSDB (Aécio Neves e Tasso Jereissati), dois do PMDB (Edison Lobão e Jader Barbalho), um do PSB (Roberto Rocha) e um do PTB (Collor de Melo).

Estritamente factual, a matéria é injusta com a própria “Folha” que denunciou corajosamente não apenas o conflito de interesse dos parlamentares-concessionários, também a predominância da bancada evangélica neste desonroso toma-lá-dá-cá e, como se não bastasse, aberração ainda maior – a participação formal de deputados-infratores no órgão concedente e fiscalizador, a CCTCI, Comissão de Ciência,, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados.

Grande parte das investigações da “Folha” ao longo das duas últimas décadas foi executada pela repórter Elvira Lobato (hoje fora do quadro de funcionários) que chegou a ser processada simultaneamente por filiais da Igreja Universal do Reino de Deus em diferentes estados, numa jogada mafiosa para constranger e impedir seu comparecimento perante a justiça.

Se a iniciativa saneadora do MPF é inédita (o adjetivo foi pinçado do próprio texto da “Folha”), em respeito aos leitores o jornal não poderia negar-lhes informações sobre os antecedentes do caso. Ao menos para caracterizar a complacência dos demais grupos jornalísticos.

Acostumado com a habitual má vontade da grande mídia com aqueles que ousam questioná-la, este observador não estranha que também tenha sido esquecido o grande número de denúncias aqui veiculadas como também em nossa versão televisiva.

Criado em Abril de 1996, o Observatório da Imprensa tratou do coronelismo eletrônico – ou midiático — já na edição de 20/8/97. A partir de 2002 se avolumaram as denúncias configurando grave e acintosa deformação no Legislativo.

Em Outubro de 2005 – há uma década! — o Instituto Projor, entidade mantenedora deste Observatório, através do seu então presidente, o jornalista Mauro Malin, protocolou na Procuradoria Geral da República em Brasília pormenorizado dossiê com todas as irregularidades de modo a permitir que o órgão adotasse as medidas que entendesse de direito.

A PGR agradeceu e engavetou. Agora, devidamente atualizadas e confirmadas, as transgressões entrarão na fase das sanções e punições cabíveis.

Com ou sem o reconhecimento ao trabalho dos precursores desta moralização na mídia eletrônica, o que importa é a drástica reversão no status quo. Muito mais pode ser alcançado – basta cumprir a Constituição.

Por: Alberto Dines,  jornalista, escritor e fundador do Observatório da Imprensa.

‘Governos tiveram pouco ou nenhum êxito em democratizar comunicação’, diz relator da OEA em evento da ONU

“Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.”

MídiaFoi dessa forma – lembrando a centralidade da comunicação para a democracia ao citar o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) – que o diretor do Centro de Informação da ONU para o Brasil (UNIC Rio), Giancarlo Summa, abriu um evento realizado nesta quinta-feira (6) no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. O objetivo foi debater a regulação da mídia e a liberdade de expressão no Brasil, traçando um paralelo com a situação nas Américas.

A mesa-redonda, “O papel da regulação da mídia na liberdade de expressão”, contou com a participação do relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), Edison Lanza, e da professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos. O evento foi promovido pelo UNIC Rio, pelo Coletivo Intervozes e pelo Instituto de Estudos Socais e Políticos (IESP) da UERJ, com apoio do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro.

A presidente do Sindicato, Paula Máiran, deu início ao evento e destacou a necessidade de continuar o debate nos diversos desafios que se colocam para a categoria de jornalistas, como o oligopólio da mídia, as pressões econômicas contra os profissionais e as práticas antissindicais das empresas. “Ao avançar neste tema, precisamos nos perguntar: qual liberdade de expressão?”, questionou Máiran.

Segundo Summa, não existe atualmente no Brasil uma democracia ampla no que diz respeito à liberdade de expressão: “A liberdade de expressão é um direito humano e não significa somente ausência de censura, mas também a diversidade de ideias e jornalistas trabalhando sem ameaças econômicas ou, até mesmo, contra sua integridade física”. Ele lembrou também sobre as crescentes ameaças de violência policial contra jornalistas e outros comunicadores, conforme destacado em relatórios do governo e de organizações não governamentais como a “Artigo 19”.

Para conter o problema, Summa lembrou que a ONU participou de uma iniciativa conjunta com o governo federal e com a sociedade civil brasileira para criar o Observatório da Violência contra Comunicadores. A criação do Observatório foi uma das propostas apresentadas por um Grupo de Trabalho criado no âmbito do Conselho Nacional de Direitos Humanos para discutir a violência contra jornalistas e demais comunicadores. O Grupo encerrou seus trabalhos em 2014, mas até o momento o Observatório ainda não havia sido criado.

Processo de formação de sistemas de comunicação explicam quadro atual, diz relator da OEA

O relator da OEA fez um paralelo entre os processos de criação de sistemas de comunicação na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina. Segundo Lanza, o sistema europeu foi caracterizado por um setor público forte, com credibilidade e relativamente “blindado” da ação dos governos. Como exemplo, citou o caso da TV pública sueca, que segundo ele é a instituição com a maior credibilidade nacional, superando o próprio Parlamento.

O modelo dos EUA, por outro lado, foi constituído por um sistema público também forte, embora com menos força que o europeu, e um sistema privado com maior presença que o público. Lanza destacou, no entanto, a importância do órgão regulador norte-americano – a Comissão Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês) –, que segundo o relator é um órgão independente e com uma regulação muito forte. “É o que mantém o contínuo apoio à produção nacional para a televisão, e não é à toa que as séries norte-americanas são tão difundidas no mundo todo”, apontou.

Já na América Latina, disse o relator da OEA, os sistemas de comunicação foram formados por famílias e, posteriormente, partilhados entre aliados políticos dos distintos governos ao longo dos anos. “Esses são os casos das grandes redes privadas no Brasil, no México e no Uruguai”, exemplificou. “Os governos tiveram, em geral, muito pouco êxito em desmontar essa situação”, completou. Segundo Lanza, esse processo explica um pouco o quadro atual das comunicações na região.

Para Lanza, foram três os principais posicionamentos dos governos mais recentemente diante do tema, com variações entre eles. O primeiro posicionamento foi o de conformação. “Alguns governos pensaram: já estamos no poder e os meios sempre foram oficialistas, desde sua gênese, passando pelas ditaduras até hoje. Logo, eles continuarão oficialistas”, disse o relator.

Na segunda reação, argumentou, governos como Equador e Venezuela decidiram partir para o enfrentamento – por vezes, disse, adotando instrumentos que violaram a liberdade de expressão. Na terceira hipótese, casos em parte do Uruguai e da Argentina, os Estados aplicaram uma variedade de instrumentos para abordar o tema e dar uma outra perspectiva para as comunicações nas Américas, com experiências interessantes que devem ser avaliadas.

“Em geral, os governos tiveram pouco ou nenhum êxito”, completou Lanza, apontando a necessidade de a sociedade civil se organizar para impulsionar o processo de democratização das comunicações no continente. Ele exemplificou o caso das tentativas de regulação das comunicações na Argentina e no Uruguai, em que todos os campos da sociedade civil – como os movimentos de mulheres, o sindical e LGBT, por exemplo – se uniram para abordar a questão. “A questão dos meios é uma questão de representação de todos os grupos”, lembrou Lanza.

O relator da OEA lembrou que a Organização possui uma série de instrumentos que podem ser utilizados. “Sucessivas decisões da OEA atestam que o monopólio ou oligopólio das comunicações afeta a liberdade de expressão e, portanto, os Estados têm que garantir o pluralismo e a diversidade dos meios. E isso implica em ter regulação, em impor limites”, lembrou Lanza.

Um dos exemplos é a transição do sistema analógico para o digital, que segundo a OEA não pode concentrar mais o setor de comunicações e precisa incluir mais setores da sociedade civil e do poder público. Um dos problemas em relação às decisões já tomadas no âmbito da OEA, lembrou, é que muitas delas não são cumpridas pelos Estados. “Há espaço para que a sociedade civil brasileira e o Estado brasileiro se reúnam na OEA para debater o tema”, acrescentou. “Vamos seguir trabalhando no tema da concentração de meios, com o objetivo de ampliar o pluralismo e garantir a liberdade de expressão. A porta da relatoria [especial de Liberdade de Expressão] está aberta.”

 ‘Coronelismo eletrônico’ impede democratização da mídia no Brasil, diz professora

A professora da Escola de Comunicação da UFRJ, Suzy dos Santos, apresentou as bases que formam o que classificou de “coronelismo eletrônico”. O coronelismo é uma estrutura complexa de poder que tem como figura central o “coronel”, envolvendo práticas corruptas clientelistas e assistencialistas. Santos explicou que o coronelismo eletrônico, por sua vez, é uma forma de governança, em que o sistema brasileiro de comunicações, baseado no compromisso recíproco entre o poder nacional e os poderes locais, forma uma rede de influências entre o poder público e o poder privado dos chefes locais, entre os quais se destacam os proprietários dos meios de comunicação.

No início da formação deste sistema, explicou Santos, as outorgas de rádio e TV foram distribuídas entre aliados do governo e empresários simpatizantes ao poder, numa prática de clientelismo que, segundo ela, permanece até hoje em todas as regiões do país – e não apenas nas regiões Norte e Nordeste, como se costuma pensar. Ela destacou, por exemplo, que há um “equilíbrio” nacional em relação à distribuição de deputados federais proprietários de rádios e TVs pelo Brasil.

Apesar de a Bahia concentrar a maior quantidade deles, os estados do Sudeste também possuem, destacou Santos, uma quantidade considerável de repetidoras de TV e rádio e de deputados detentores de meios de comunicação. “A mídia é um instrumento de uso privado de quem está no poder”, acrescentou a professora da UFRJ. “O modelo de coronelismo eletrônico é uma barreira para a democratização da mídia no Brasil.”

Santos explicou que, neste sistema, a televisão ainda possui um papel central, com estrutura verticalizada das redes de TV que se estendem aos jornais e rádios estaduais e municipais. “A TV aberta é um espaço privilegiado de representação dos demais espaços, estigmatizando por exemplo a mulher e apresentando a violência como solução, inclusive a violência contra crianças”, lembrou, após mostrar alguns exemplos em vídeo. “Nessa representação, o coronel nunca é um vilão”, destacou. “Não adianta discutir apenas quanto poder tem uma rede de TV, mas também as representações que ela promove.”

Fonte: ONU/BR