Tag Archives: Planalto
A DEMOCRACIA DE ALTA ENERGIA DO MINISTRO MANGABEIRA UNGER
Na elucubração do que viria a ser uma democracia de alta energia, o professor Mangabeira Unger a define como sendo um modelo de democracia em que as mudanças se processariam sem a necessidade de crise do sistema vigente, permitindo mudança estrutural sem sucumbir ao dogmatismo e, ainda, preservando-se um ambiente de pensamento jurídico reorientado para ordenar o experimentalismo democrático que comporte a singularidade em contraponto ao desejo de universalidade hoje reinante nas decisões judiciais, nas quais é permitido, tão somente, ao Estado impor uma solução genérica para todos ou não propor solução.
Aí, reside a primeira contradição do sistema proposto: negar a necessidade de crises conjunturais e estruturais como elementos transformadores da sociedade, uma vez que nenhuma organização social é capaz de permanecer em constante mudança sem que formas testadas se mostrem anacrônicas e, portanto, inservíveis ao agregado social, principalmente quando se diversificam os espaços de poder como pretende a presente proposição.
Ademais, a solução para os conflitos geradores de crises de representatividade não reside em formas simplistas como dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. Tal medida tem se demonstrado inócuas em países que adotam o Parlamentarismo como forma de governo, já que as crises estruturais persistem nos futuros gabinetes governamentais. O que eleições antecipadas podem fazer é somente afastar temporariamente uma margem maior de aprofundamento desta crise nos sistemas ditos de coalizão quando prontamente não são instalados os balcões de negociatas. O Brasil, mais que qualquer outro país é exemplo de que se podem arrefecer as crises institucionais apenas pelo loteamento das instâncias administrativas. Vide os doze anos de tranquilidade dos governos petistas.
A segunda contradição diz respeito ao desenho proposto para a cooperação federativa, seja ela horizontal ou vertical. Não se trata aqui apenas de regulamentar o dispositivo constitucional que o comporta, mas, sim, de repactuar as competências constitucionais de modo inverso ao instituído, ou seja, dos municípios, onde se aglomeram os cidadãos, já que a cidade é o único ente federativo que realmente possui substancialidade concreta, pois é onde se mora, aonde se vai à escola e onde estão construídos os hospitais. Dos Municípios, deve-se seguir ao redesenho das competências dos Estados-Federados e da União, atribuindo-lhes de forma solidária a responsabilidade pela provisão dos serviços públicos locais e responsabilidade objetiva pelo desenvolvimento regional, financiando e fiscalizando a concreção dos interesses da comunidade, podendo o hierarquicamente superior avocar provisoriamente a competência dos entes inferiores se estes se mostrarem incapazes de concretizar o interesse coletivo.
Deste modo, partindo das premissas atuais, o desenho institucional adotado para a saúde, consubstanciado no Sistema Único de Saúde (SUS), é sob muitos aspectos, um projeto fadado ao insucesso, pois acolhe um modelo de cooperação federativa baseado nas competências desenhadas na constituição vigente. Competências estas mediantes as quais Estados e Municípios partilham do financiamento do sistema público de saúde mediante receita tributária vinculada, porém, são alijados da gestão das políticas públicas de saúde, erroneamente centralizadas no governo central.
E, por tais razões, poder-se-ia apontar, não como uma terceira contradição no projeto de Brasil idealizado pelo professor Mangabeira Unger, mas, simplesmente, como equívoco pontual a escolha do SUS enquanto desenho de cooperação federativa adaptável à educação. O FUNDEB em muito se assemelha ao SUS. Comporta os mesmos equívocos constitucionais ao monopolizar os centros decisórios da política educacional, inviabilizando uma melhor redistribuição dos recursos e impossibilita a realocação dos quadros mais qualificados na educação para os locais mais carentes. O resultado disso tudo são os sistemas de educação e saúde caóticos, ineficazes, inoperantes e insuficientes postos a disposição dos habitantes das cidades.
Por fim, para não tecer apenas críticas ao ilustre Ministro de Assuntos Estratégicos do Governo Federal, elevo as diretrizes traçadas por ele para a tal de democracia de alta energia como salutares ao fortalecimento de um republicanismo desejável, embora tais proposições tenham sido frequentes já há algum tempo no discurso reticente do Partido dos Trabalhadores. Contudo são elas que salvam este esboço de país da distopia que persegue, por serem, num país de republicanismo tão primitivo, necessárias ainda.
Tais diretrizes são:
1- Elevar o nível de participação popular organizada na política;
2- Criar mecanismos para resolução pronta de impasses;
3- Estabelecer no Estado um poder e uma prática destinada a emancipar – e não simplesmente resgatar – grupos que se encontram em situações de subjugação ou exclusão — e que não conseguem escapar por seus próprios meios;
5- Enriquecer a democracia representativa com elementos de democracia direta ou participativa.
Sem querer ser minimalista diante da questão proposta, estes são os pontos cruciais para a reforma do Estado Brasileiro.
Por: Adão Lima de Souza
O meteoro Eduardo Cunha
Bastaram duas semanas de atuação para que o novo presidente da Câmara dos Deputados exibisse o seu arsenal de atributos como caudilho, oligarca e cacique. Junto, mostrou como funciona uma blitzkrieg política em ambientes dominados pela inércia. Exemplo perfeito das virtudes do voluntarismo onde campeia a apatia. A supremacia da onipotência sobre a impotência, do mandonismo escancarado sobre desmandos sussurrados.
Führer típico, determinado, ídolo dos medíocres, aliado predileto dos pusilânimes. No mostruário de lideranças fornecido pela Revolução Francesa, situa-se entre Georges Danton, o demagogo audacioso e Joseph Fouché, o conspirador-manipulador, eterno sobrevivente, sacerdote capaz de fingir-se ateu para ganhar mais poder. Comparado com antigos parceiros como Collor e Garotinho, é um profissional padrão “Intocável”, tal como Daniel Dantas e outros ex-associados.
Eduardo Cunha é, neste exato momento, o político mais poderoso do país. Muito mais eficaz do que o partido que elegeu e reelegeu os dois últimos presidentes, mais safo e esperto do que o presidente honorário da sua agremiação e vice-presidente da República — com uma só cartada converteu Michel Temer em volume-morto e a presidente reeleita, a durona Dilma Rousseff, em figura decorativa.
Quando operava na esfera estadual metia-se em constantes trapalhadas, chegou a sofrer um atentado e foi acusado de fazer negócios com famoso narcotraficante. Carioca que joga pesado, não brinca em serviço, foi quem descobriu um erro na documentação eleitoral do animador Sílvio Santos e assim tirou-o da corrida presidencial.
Ao ingressar na esfera federal (2003), percebeu o alcance dos novos holofotes, mudou o estilo, guardou a metralhadora, passou a servir-se de fuzis de precisão — não errou um tiro. Em apenas 12 anos, foi alçado ao Olimpo. O ex-presidente Lula não ousa desafiá-lo: recomendou publicamente à sucessora uma reconciliação.
Forte candidato a converter-se no primeiro déspota parlamentar, símbolo das deformadas democracias representativas do século XXI que fundiram o corporativismo de Mussolini com um bolchevismo de direita, messiânico. Preside a Casa do Povo, mas não consegue esconder a forte vocação autoritária e o gosto pelo exercício do poder absoluto. Já passou por três partidos — PRN, PPB-PP e PMDB, este o mais “progressista”. Na verdade é um espécime legítimo da era pós-ideológica, conservador, populista que poderá até proclamar-se parlamentarista para mais rapidamente tomar o poder.
Sua adesão ao ideário evangélico e a obsessão em implementa-lo a qualquer preço, faz dele um exemplar calvinista. Como operador, porém, prefere a lógica do capitalismo.
A promessa de impedir qualquer tentativa de regulação da mídia (como deseja parte do PT), nada tem de devoção à liberdade de imprensa. Qualquer projeto que corrija distorções no sistema midiático, por mais leve que seja, passaria obrigatoriamente pela anulação de concessões de rádio e TV a parlamentares e pela proibição de cultos religiosos nas emissoras de TV aberta – largamente utilizados por confissões religiosas, especialmente evangélicas. Na última semana criou um comissariado para unificar a orientação dos diversos veículos da Câmara (jornal diário, rádio, portal e TV).
Além das obsessões e preparo físico, ostenta um desembaraço verbal de radialista, suficiente para não cometer gafes grosseiras. Engravatado, certinho, sem barba nem bigode, óculos leves, passa a imagem de confiável, protetor, bom vizinho, bom burguês, capaz de sonhar com rupturas, mas não com o caos. Numa coleção de dez fotos tomadas já na presidência da Câmara, cinco delas mostravam-no com a mão na boca, truque que até jogar de futebol apreendeu para não ser surpreendido por experts em linguagem labial.
Meteoro fascinante para acompanhar, preocupante como dono do poder.
Por: Aberto Dines, Colunista do EL País.