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A cidade dos analfabetos

Piaui

A cidade de Alagoinha do Piauí, no semiárido nordestino, de 7.341 habitantes, é a que concentra o maior número de analfabetos do país: 44% de seus cidadãos maiores de 15 anos, idade correta para a conclusão do ensino fundamental, não sabem ler e escrever. Taxa muito acima da do país (8,7%) e pior que a de nações pobres, como Madagascar (36%), Ruanda (29%) ou Camboja (26%).

O município conta com o programa Brasil Alfabetizado, criado em 2003, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), filho do semiárido nordestino com pouca escolaridade (estudou até o fundamental), com o objetivo de acelerar a alfabetização de jovens e adultos, em cursos livres, de menos de um ano, dados por alfabetizadores leigos – pessoas que tenham o ensino médio completo sem serem, obrigatoriamente.

Mas, dentre os alunos de 6 a 14 anos que frequentam o ensino fundamental em Alagoinha, 33% estão até dois anos atrasados; apenas 21% dos jovens entre 18 e 20 anos concluíram o ensino médio; e só 6% dos jovens de 18 a 24 anos fazem faculdade.

Pelas regras do programa, cada educador recebe uma bolsa de 400 reais e deve formar uma turma com 14 alunos, em áreas urbanas, e sete, em áreas rurais. “Cada professor arranjava seus alunos e alfabetizava. Mas nesses programas às vezes existem algumas distorções”, ressalta o prefeito. A prática fazia com que os verdadeiros analfabetos muitas vezes ficassem sem acessar o programa, já que nem chegavam a ser procurados pelos supostos educadores.

A procura pela educação tem crescido. A maior demanda de crianças pelas aulas, no entanto, não foi acompanhada de investimentos nas estruturas de ensino. Pois, das treze escolas municipais de Alagoinha, dez têm classes multisseriadas – onde alunos de séries diferentes ficam na mesma sala, com uma professora que se divide para lecionar conteúdos diferentes.

“Tem vezes que a professora bota a gente para ler algum texto enquanto ensina a outra série”, conta Maria Eduarda de Carvalho, 10 anos, estudante do quinto ano, que divide a professora com os alunos do quarto ano.

Uma realidade causada por anos de descaso com a educação e materializada em um cenário de salas de aula insuficientes, escolas sem instalações adequadas, falta de transporte escolar e até fraudes em projetos que buscavam desmanchar esse exército de analfabetos.

Por: Adão Lima de Souza

 

Parque do Piauí: um gigante para a ciência, invisível para o Brasil

piauiA pesquisadora franco-brasileira, Niéde Guidon, de 81 anos, participava de uma exposição sobre pinturas rupestres no Museu do Ipiranga (em São Paulo) no início da década de 1970, quando um homem se aproximou e disse:

– Lá na minha cidade tem um monte desses desenhos

Guidon, na época professora da École des Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, montou então uma missão de pesquisadores rumo a São Raimundo Nonato, um município do no Polígono das Secas no Piauí, um dos Estados mais pobres do Brasil.

Chegando lá, foi levada por moradores locais a um abrigo de pedra (similar a uma caverna, mas menos profundo) em cujas paredes estavam gravadas em vermelho imagens de animais e cenas de dança, sexo e caça. Ela decidiu, então, se dedicar à pesquisa no local e nunca mais foi embora.

Os achados, 113 artefatos de pedras lascadas ou polidas, são elementos que fortalecem os indícios contrários à teoria de Clóvis e dão força para a briga que Guidon iniciou ainda na década de 1970, com as primeiras escavações na Serra da Capivara. Para ela, o local foi povoado na verdade há mais de 100.000 anos, uma data considerada “absurda” pelos discípulos de Clóvis.

A análise deles mostrou que os mais antigos haviam sido usados há pelo menos 22.000 anos.

A teoria de Clóvis First foi proposta por arqueólogos norte-americanos na década de 1930, após a descoberta de pontas de lança feitas com ossos de mamute na cidade de Clóvis, Novo México (EUA). Assim, os pesquisadores norte-americanos afirmam que o homem chegou há 11.500 anos pela Ásia, a pé, durante o Pleistoceno (a Era do Gelo). Só depois de se espalharem pela América do Norte povoaram a do Sul.

 A teoria da pesquisadora é de que o homem teria chegado diretamente à América do Sul, vindo da África, na época de uma grande seca no continente africano.

A querela científica, no entanto, perdurou devido ao que alguns pesquisadores chamam de “imperialismo acadêmico” norte-americano. Só que evidências achadas justamente em solo norte-americano passaram a demonstrar nos últimos anos que a teoria de Clovis não se sustentava mais.

Em 2008, em Oregon, pesquisadores descobriram por meio de análises de DNA em ossadas humanas que a ocupação já havia acontecido há 14.000 anos. No Texas, em 2011, descobriram 15.528 artefatos no chamado complexo Buttermilk Creek, datados de um período entre 13.200 a 15.500 anos.

E um pesquisador norte-americano chamadoTom Dillehay, na década anterior, já havia conseguido reconhecimento acadêmico para suas descobertas no sítio arqueológico Monte Verde, no Chile, onde objetos encontrados remontavam a 12.500 anos.

Hoje, em uma visita ao parque, são claras as consequências da falta de verba. Em algumas pedras há, muito perto das pinturas rupestres, montes de fezes de mocó, um roedor que lembra um esquilo. Também há casas de vespas sobre alguns desenhos. “Estamos com apenas dois técnicos para realizar esse trabalho de manutenção”, afirma a arqueóloga Tânia Maria de Castro Santana, da equipe de Guidon.

O parque, declarado patrimônio mundial da humanidade pela Unesco, em 1991, também sofre com a falta de turistas, talvez um dos motivos que levam os patrocínios a minguarem. No dia em que a reportagem esteve no local, não encontrou ninguém nos principais sítios arqueológicos. Em 2013, apenas 19.998 pessoas visitaram o local, segundo dados do ICMBio.

Apesar da estrutura impecável, igual a dos sítios arqueológicos mais importantes do exterior, não há incentivo para o turismo na região. Em São Raimundo Nonato, maior cidade do entorno do parque, não há hotéis de alta qualidade, e, para chegar, é necessária uma viagem de cerca de 5 horas por estrada desde Petrolina (Pernambuco), onde fica o aeroporto mais próximo. Um aeroporto que está sendo construído em São Raimundo Nonato há 10 anos prometia melhorar o fluxo de turistas na região, mas ele ainda não foi entregue. Está prometido para esse semestre.

“É o que a professora [Niède Guidon] sempre diz: se um lugar como esse fosse na França, estaria repleto de turistas. Mas como é aqui, no interior do Piauí, está assim, abandonado”, desabafa a pesquisadora Tânia, nascida e criada na Serra da Capivara.

Fonte: EL País.