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Qui iure vindicet? – O Problema da Interpretação conforme Kelsen.

LuisKelsen, no seu clássico “Teoria Pura do Direito”, apresenta a famosa metáfora de que o direito a aplicar é uma moldura em que várias interpretações são possíveis. Acrescenta que o ato de aplicar o direito é sempre um ato de vontade e que a questão de saber qual é, dentre as várias possibilidades que se apresentam dentro da moldura, a escolha correta não concerne à ‘ciência jurídica’, mas à política do direito.

Como Kelsen postula o critério metodológico da pureza que implica na exclusão dos dados políticos da ciência do direito, incumbe a esta simplesmente reconhecer a plurivocidade da norma e que a tentativa de encontrar uma única resposta justa é vã e é expressão da ideologia da segurança jurídica.

Com tais assertivas Kelsen nomeou o problema sem resolvê-lo. Afirmar que interpretar é um ato de vontade (“Eu quero”) e não um ato de cognição (”Eu Penso”), significa reconhecer que interpretar é um ato arbitrário e, por isso, insuscetível de controle racional.

Aqui kelsen rende-se a Hobbes que, no Leviatã, deu expressão jurídico-política ao brocardo latino “auctoritas non veritas facit legem” (A autoridade, não a verdade, faz a lei).

Certa vez fiz um exame e perguntei o que garantia a legitimidade das decisões judiciais. Um aluno me surpreendeu ao responder que era a assinatura do juiz.  Quando fui entregar o resultado, fiz-lhe algumas indagações e ele, peremptório, disparou: como interpretar é uma questão de poder e não de saber, o juiz ,investido da jurisdição, ao assinar impõe a sua vontade travestida de vontade estatal. No fundo, a posição do aluno nada mais era de que o desenvolvimento da teoria de Kelsen que se coloca no extremo oposto da concepção tradicional da intepretação.

Se a hermenêutica tradicional via o juiz como boca da lei cuja atividade se limitava a encontrar o pensamento do legislador, a concepção kelseniana, reconhecendo a plurivocidade da norma, implica um voluntarismo irracionalista sem qualquer controle. É nesta encruzilhada que nos cabe pensar a hermenêutica jurídica e resolver este espinhoso problema.

Luís Eduardo Gomes do Nascimento
Advogado e Professor da FACAPE E UNEB