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Míriam Leitão: Risco Venezuela não tem ideologia

A reação à declaração do deputado Eduardo Bolsonaro foi forte, pela grande probabilidade de eleição do seu pai, mas também porque o candidato sempre foi associado ao pouco apreço pelas instituições democráticas. O temor é de que a ida do seu grupo ao poder signifique o início de um processo de cerco à democracia, que na Venezuela do coronel Hugo Chávez começou pelo enfraquecimento do Judiciário. O risco Venezuela sempre esteve associado ao PT, e o partido fez por merecer, mas na verdade o perigo não é de direita nem de esquerda. É do autoritarismo.

A ameaça sobre a democracia atualmente não é a de um assalto. É a de ver seus pilares minados por atos de um governante populista e autoritário como foi Chávez. O ataque se dá por aproximações sucessivas e não mais como vimos nos anos 1960 no Brasil. Hugo Chávez tentou um golpe no estilo clássico, em fevereiro de 1992. Alegava ser contra a corrupção. Conseguiu o apoio de uma parte das Forças Armadas, mas fracassou. E esse Chávez é que recebeu elogios de Jair Bolsonaro. O coronel foi preso, indultado, mas, em 1998, chegou ao Miraflores pelo voto, dizendo que faria uma revolução socialista. E foi esse Chávez que recebeu o apoio do PT.

Ao contrário do que acha o PT, não existe ditadura do bem. É o que o chavismo mostrou. Fui à Venezuela em 2003. Havia uma greve geral no país, comandada por empresários, contra o governo. Eu o entrevistei no Miraflores. Era uma presidência militar. Ele vivia cercado de militares de alta patente em seu gabinete e ministério. O ambiente no Palácio me lembrou o clima do Planalto na ditadura brasileira. Chávez brandia a Constituição que acabara de aprovar. E depois mudou várias vezes. Ele já havia alterado a composição do Conselho Nacional Eleitoral. Depois fez o mesmo com a Suprema Corte. Perseguiu e fechou órgãos de imprensa. Sua escalada sobre a ordem constitucional se deu por mecanismos que pareciam democráticos: quando a economia melhorava, as benesses com o dinheiro do petróleo aumentavam, ele convocava um plebiscito. Os que perdia, não respeitava. Os que ganhava, aumentavam seus poderes e enfraqueciam um pouco mais a democracia venezuelana, até que nada restou dela. Mas o ex-presidente Lula chegou a dizer que havia “excesso” de democracia na Venezuela. O PT apoiou o regime venezuelano de diversas formas, fingindo não ver seu caráter cada vez mais autoritário. Jair Bolsonaro, que se identificara com aquele coronel impulsivo, passou a criticá-lo quando ele se definiu como socialista, mas nunca reprovou seus métodos antidemocráticos.

A inaceitável fala do deputado Eduardo Bolsonaro não surge do nada. Ela reflete o ambiente político no qual seu pai sempre esteve imerso, de defesa do regime militar. Era ele atrás do pai, repetindo em mímica, o nome do torturador homenageado durante o voto do impeachment. Essa é a sua formação. Quando ele diz “a gente até brinca lá…” Lá onde? Antes de dizer que “sem desmerecer” o cabo e o soldado, bastava mandar os dois para fechar o Supremo. No meio do caminho do cabo e do soldado tem a Constituição que completa 30 anos, que nos custou uma luta de décadas, mas o deputado Eduardo Bolsonaro sequer entende que é essa a força moral que impede dois militares sem patente de fechar o órgão máximo da magistratura. Por isso, o ministro Celso de Mello chamou-o de golpista — aqui sim a palavra faz sentido — e o ministro Dias Toffoli afirmou que atacar o Judiciário é atacar a democracia. Alias, petistas também falaram em reduzir poderes do STF.

Quando estive na Venezuela, falei com os dois lados em conflito, visitando inclusive famílias divididas. Os que se opunham ao chavismo alertavam que havia o risco de o Brasil virar uma Venezuela. As instituições brasileiras foram fortes o suficiente e impediram o primeiro movimento, quando o ex-ministro José Dirceu quis instaurar um órgão de controle da mídia. O PT permanece com esse item na agenda. Por outro lado, os métodos de Bolsonaro de defender a relação direta com o eleitor são os mesmos do chavismo. O populismo, de esquerda e de direita, sempre desmerece as instituições. Por isso é que o pai Jair Bolsonaro acha que basta “advertir o garoto”. Na fala do deputado Eduardo Bolsonaro há uma ameaça gravíssima. Foi um alento a reação forte do STF.

Um ataque a jornalistas no Wikipedia gera nova crise no Governo Dilma

DILMAA campanha à reeleição da presidenta Dilma Rousseff (PT) se vê diante de uma nova crise: desta vez, com a imprensa. A rede de internet do Palácio do Planalto foi usada, segundo uma reportagem publicada pelo jornal O Globo, para alterar perfis na Wikipédia de jornalistas críticos aos rumos da economia brasileira. Os ataques vindos da sede do Governo Federal questionam a ética e as notícias veiculadas pelos repórteres e colunistas da área econômica Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg. Ambos trabalham para as Organizações Globo, maior grupo de mídia do país.

Graças ao endereço IP, um identificador digital, foi possível detectar que as alterações dos perfis dos jornalistas na enciclopédia virtual partiram do Palácio do Planalto. A primeira mudança ocorreu no dia 10 de maio do ano passado. Nela, foi incluída que a jornalista Míriam Leitão fazia “análises desastrosas” da economia.

Já, no dia 13, acrescentou-se que Leitão “fez a mais corajosa e apaixonada defesa de Daniel Dantas, ex-banqueiro condenado por corrupção entre outros crimes contra o patrimônio público. A forma como Míriam Leitão se envolveu na defesa de Dantas chamou a atenção de Carlos Alberto Sardenberg, seu companheiro na CBN, para quem a jornalista estava diferente naqueles dias. Para Miriam Leitão, apesar do vídeo que flagrava o suborno a um delegado da Polícia Federal, a prisão de Dantas não se justificava, posto que se tratava de coisas do passado.”

Daniel Dantas, controlador do grupo financeiro Opportunity, chegou a ser preso em duas ocasiões, por suspeitas de corrupção para se manter no controle de empresas privatizadas do setor de telefonia, espionagem de concorrentes e evasão de divisas.

Ainda no mesmo dia, um computador do Planalto acrescentou na Wikipédia que “um dos maiores erros de previsão da jornalista ocorreu durante a crise financeira internacional. Em 29/06/2009, Míriam Leitão escreveu o seguinte sobre a previsão de crescimento do Ministro Guido Mantega de 4,5% do PIB de 2010: ‘Ele fez uma afirmação de que em 2010 o Brasil está preparado para crescer 4,5%. É temerário dizer isso’. Contrariando o pessimismo de Míriam Leitão, o Brasil cresceu 7,5% naquele ano.”

Vencedora do último prêmio Esso de jornalismo no ano passado, Leitão classificou, em entrevista à Globonews, como injúria o conteúdo postado. A jornalista também denuncia o uso da estrutura física e profissional por parte do Planalto, paga com recursos dos contribuintes, para atacar representantes da imprensa.

Ao colunista Carlos Alberto Sardenberg, os trechos acrescentados pelo usuário do Palácio do Planalto na Wikipédia não foram menos críticos. Além de questionar supostas análises dele, foi feita uma ilação de que “é irmão de Rubens Sardenberg, economista-chefe da FEBRABAN  [Federação Brasileira de Bancos], instituição que tem grande interesse na manutenção de juros altos no Brasil, uma medida geralmente defendida também por Carlos Alberto Sardenberg em suas colunas”.

Ao jornal O Globo e a Globonews, o jornalista afirmou ser um crítico dos rumos da economia brasileira e diz defender que o governo o critique. Mas, neste caso, para ele, o que ocorreu foi difamação e não debate de ideias. “Dizer que, porque meu irmão trabalha na Febraban, sou lacaio dos bancos, é uma canalhice, uma baixaria.”

Alterar a Wikipédia parece uma estratégia padrão de um ou mais funcionário do Palácio do Planalto. Da sede do Governo Federal partiram mais de 150 edições de conteúdo. Segundo reportagem do jornal Folha de São Paulo, foram acrescentados, por exemplo, elogios ao petista Alexandre Padilha, ex-ministro de Dilma e candidato do PT ao governo do Estado de São Paulo. Também foram postadas críticas ao tucano José Serra e ao Movimento Passe Livre, que liderou a onda de manifestações pelo País.

Para acompanhar as mudanças feitas anonimamente por qualquer computador do Palácio, um programador brasileiro criou um Twitter público, que monitora automaticamente as alterações na Wikipedia.

O chefe do Ministério Público Federal, Rodrigo Janot, declarou que o órgão irá investigar o uso da máquina pública. A Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) condenaram o ataque aos jornalistas ainda mais por meio da estrutura pública.

Em nota, o Governo Federal diz que “é lamentável que o endereço IP do Palácio do Planalto tenha sido usado para modificar os perfis do Wikipédia dos jornalistas”. Segundo a presidência da República, é tecnicamente impossível identificar os responsáveis pelas modificações nos perfis dos jornalistas.

Isso porque os conteúdos da rede de internet de computadores do Planalto, até julho deste ano, eram arquivados por no máximo seis meses. “As alterações nos perfis dos jornalistas”, complementa o Planalto, “foram feitas em maio de 2013”.

Certo, no entanto, é que o episódio dos ataques a jornalistas acaba de fornecer mais munição à oposição em meio à batalha eleitoral.

Fonte: EL País.