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Ardências indolores
“E tu, por que tornar da dor ao meio?”
(Alighieri, Dante. A divina comédia)
Ao longe, avisto um homem. Talvez não um homem espesso, solidamente homem. Miragem é que não há de ser. No deserto, vê-se, imaginativamente, poças d’água. Faz calor. Não tremeluz a minha vista, conquanto. Um copo, violentamente abastecido, impossibilita o embaciamento do que se me apresenta. O homem, ei-lo.
Neste instante, ele vaga pelos bares. Escolhe um e entra. Há barulho, algazarra, arrastar de cadeiras. Não obstante, posso ouvi-lo: fala sobre os livros que leu. Cita um autor, página 231, parágrafo terceiro. De chofre. É ele o homem que, durante o dia, encafua-se atrás de uma mesa, refrigério absoluto, a imprimir ordens via telefone. Posso reconhecê-lo, protocolar, quando do ocaso do sol – e aos finais de semana -, vai ao bar e, entre um gole e outro de cerveja, derrama-se em canto: E no escritório, em que eu trabalho, e fico rico, quanto mais eu multiplico, diminui o meu amor… Artifícios enevoados, devaneios que não resistem ao esvaecer do álcool. O homem cujos pés jamais percorreram um quarteirão, ante o frenesi de ouvidos atentos, conta causos, malandaças, desventuras… Extraídos de livros múltiplos, assina-lhes com nome próprio. Delira com delírios alheios.
Há momentos em que homem e personagem confundem-se. Deliberadamente, por suposto. Durante o dia, o homem é sempre pragmático, corriqueiro, calculadora itinerante, preocupado com outros dias – inexistentes. À noite, Gregor Samsa o inveja a metamorfose: és hora de perfumaria, desprendimento manufaturado. Há homens que são muitos. O poeta Manoel de Barros dizia-se muitas pessoas destroçadas. Nosso personagem, porém: dois em um, por ocasião. Mesmo o conforto sufoca e, sem abdicar de tal, ele engendra ardências que não tocam a pele. Sofre, confortavelmente. E tudo é dor e beleza, aos finais de semana.
Breno S. Amorim
Professor: aviltamento do gosto
Seu moço me dê licença
de vir arejar um pouco:
Estou com a cabeça quente
de tantas aulas que dei.
O POETA:
Muito obrigado ao senhor,
não me ensinou coisa alguma.
Sendo assim caí no mundo,
aprendi foi por mim mesmo
sem o método Declory.
Louvada seja a burrice,
não tentou meu professor
a me ensinar coisa errada
no deserto do colégio,
coisa alguma me ensinou.”
(Murilo Mendes, “Bumba-meu-poeta” in O menino experimental)
A personagem do professor me intriga. Observo-a com certa atenção há alguns anos. Necessário fazer suposições. Talvez devido ao fato de guardar-lhe interesse, pensar em tornar-me, transvestir-me com suas indumentárias. Talvez por reservar-lhe aversão, recrudescida nos últimos tempos. Todavia, acaso as nossas aversões não se nos apresentam como desvios da aversão que temos a nós mesmos? Cioran que o diga. Abujamra, professor, desejava o fim de tal ser. Outro, amigo meu, num primeiro dia de aula, dissera-nos: “Meu objetivo é tornar-me desnecessário”. Ainda alguma lição a ser passada? Raul pensava que não.
Atentai: cá, falo do arquétipo do professor. Ou melhor, da forma que eu vejo tal arquétipo. Ora, nunca lidamos com o real. As narrativas reverberam, multiplicam-se – eis a minha. Aqui, como na “Khora” de Platão, o sensível se instala para ser cópia do inteligível. Não deve assaltar, aos dois ou três que me leem, o rótulo da generalização.
Péssimo aluno crônico, restou-me alguma sorte. Conheci excelentes professores. Poucos, expletivo dizer. Por estes, a minha primeira suposição. Devotei-lhes admiração sincera. Eles, precisamente os que não conheciam as famigeradas ementas. Tecnicamente, ou melhor, da cartilha, nada me ensinaram. Sabiam dos livros, porque leitores ávidos. E por tal, não nos subestimavam, evitavam o desrespeito profundo: a lição corriqueira, ordinária, nas prateleiras, ao alcance de todos. Falaram-me da vida, narrativas que nunca me faziam estafar, aborrecido. Se fracassar na vida, Cioran, é ter acesso à poesia, todos eles eram fracassados exuberantes. Suas aulas, como queria Warat, eram concertos de jazz. Uma maravilha. Devido a eles, o meu gosto pela leitura. Através deles, este rompante de pensar em imitá-los na escolha da profissão. Tudo incerto, duvidoso, porém.
Há ainda a minha segunda prognose. Fora ela quem me trouxera a antipatia, a ojeriza que conflita com o lado mirífico sobredito. Aqui, onde o poder é inoculado no discurso. Os inseridos nesta suspeita, para que não sejam particularizados, podem ser identificados como “vozes autorizadas”, a lembrar Barthes. Borrando o quadro pintado no parágrafo anterior, eles nos retiram todo o espaço de liberdade: a sala, ante as suas gerências, é espaço circunscrito, delimitado, local de hierarquias.
Barthes, em 1977, pronunciara a sua aula inaugural da cadeira de semiologia literária. Lá, no Colégio de França, pontuara: “Chamo discurso de poder todo discurso que engendra o erro e, por conseguinte, a culpabilidade que o recebe”. Certeiro. As vozes autorizadas, dentro da relação professor-aluno, têm, como norte, o incutimento do erro. Tal, antes de conhecer Barthes, aprendi no cotidiano da sala de aula. O erro infundido, parece-me claro, é condição necessária para a permanência desta relação. É ele quem possibilita a eterna dependência entre o que ilumina e a sombra. E aquele professor, citado no início, a clamar por sua desnecessidade…
Se o erro, pois, possibilita esta relação, a culpabilidade, enfim, a efetiva plenamente. A culpa, sabemos, pede uma punição. Nossas vozes autorizadas – ora essa! – refestelam-se. Lembremos a prova, esta camisa de força da educação, como chamara Werneck. É ela o nosso maior exemplo do que estamos a falar. Primeiro, projeta o erro; Após, a culpa que pede castigo – a nota. Em “Idade da razão”, de Sartre, a personagem Boris, circunvalada pela figura do mestre, achava indecente um rapaz de sua idade pensar por si. Eis o martírio: o erro e a culpa, que engendram o medo, criam duas figuras (mestre e discípulo), de sorte a efetivar as hierarquias universitárias.
Necessário citar Foucault. O ingênuo precisa deixar de sê-lo. Principalmente, o esperto carece saber a propósito dos atentos. Nem todos dormem, apesar. Citemo-lo, enfim. Em “A ordem do discurso”, página 44, diz-nos o autor: “Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo”.
Ao que parece, sobrara-nos dois lados. Entre professores que se pretendem desnecessários e professores afanados por olhar ínfero, resta-me, portanto, optar pelo clarão de Cioran: “Matar o discípulo que havia em mim”.
Breno S. Amorim
Sensaborias literárias
“Computadores fazem arte, artistas fazem dinheiro”. Salta-me, do músico pernambucano, esta frase ante a leitura de certo suplemento literário. Linhas a traçarem perfis de escritores badalados, virtuoses de uma arte que, como alertara Graciliano, inviabiliza a existência de tais senhores.
Por falar no velho Graça, lembro-me de sua obra miúda – e maravilhosa. Tal lembrança, tenha em conta, decorre da leitura que estou a fazer. Aqui, nesta página defronte aos meus olhos, escritores demonstram certa empáfia ante o número grandioso de folhas e obras acabadas, diagramadas e, principalmente, colocadas à disposição do grande mercado. Digo, em todas as acepções. Artistas fazem dinheiro, ora.
Em tais suplementos, pouco ou nada se diz acerca da obra. Importante, diante dos reclames consumeristas, falar sobre o autor. Colocá-lo em evidência. Necessitamos, parece-me, saber a propósito da sua comida predileta, se é o jazz ou o blues que mais apraz-lhe. E no cinema, Woody Allen ou Truffaut? Caminha antes de escrever? Suponho que se coloca sempre em completa solitude… Importante ouvir sempre as próprias vozes interiores, não? Sempre as mesmas perguntas – para respostas repisadas, inalteráveis. E a obra, o último livro publicado? Ah, o senhor já está terminando outro, mesmo hoje, dia de lançamento do último? Trabalha em série? Ah, genial, és um operário da literatura!
Raduan Nassar, Dalton Trevisan… Onde vocês? Por que não ensinam, aos seus colegas, a propósito da importância do silêncio do autor, da necessidade de deixar a obra falar? Não somos ingênuos. Talvez não saibam eles. Esse afã de criar o autor, a personalidade que dá entrevista qualquer, tem objetivo determinado. Age deliberadamente. As grandes editoras lucram com a figura do autor, que é, também, sejamos francos, personagem. Impresso na capa, o nome do autor, por si só, viabiliza a comercialização, o destaque nos ‘rankings’ de livros mais vendidos. Quem, para dar um exemplo, não quer um tal Chico Buarque para publicar em sua editora? Se “O irmão alemão” é bom, literariamente falando, lá isto não interessa. Vende? – esta, sim, é a pergunta precípua.
Graciliano, em carta a Portinari, recordo-me, perguntara se eles, artistas, não representam o papel de exploradores da miséria. O que intrigava o literato alagoano era a impossibilidade de se fazer arte contundente num mundo “cor de rosa”, onde tudo fosse belo e justo. Ora, e quanto à “literatura do autor”, o que pode ser extraído? Claro está que tal sequer explora a miséria no sentido questionado por Graciliano. O que se tem, ao revés, é uma exploração da miséria, ao visar a sua permanência, através de uma escrita que nada discute. Não temos, aqui, a “literatura da ausência”, da qual Vintila Horia, em entrevista a Osman Lins, falara? Além: de tal modo, contribui-se para a miséria da própria literatura – coitada, tão fustigada em nosso país. Um amigo, grande leitor, acredita, inclusive, que músicos, como o Caetano, são superestimados justamente por nos faltar, no presente momento, literatura de grande vulto. Eu, por mim, não duvido. Tenho em conta os excelentes literatos, ainda atuantes em nosso país. Impraticável discordar, porém.
Parece-me, portanto, imperioso lembrar Abel, personagem de Osman, de modo a perguntar-se: “(…) Planejo escrever. Para quê?”. Debalde, qualquer tentativa de ludibriar o leitor atento: as palavras, lembremos Kafka, qual machado, devem rachar!
Breno S. Amorim
Não entendo, não engulo este latim *
Li há uns dois anos, um livro intitulado “Prova, provão, camisa de força da educação”. Eu, que durante o tempo de escola, não devotava minha atenção para o que transcorria em sala de aula, ao chegar à universidade e observar o “modus operandi” do nosso sistema educacional, não julguei pertinente uma “autoreprimenda”.
A escola – quem haverá de desdizer? – é absolutamente prejudicial, erva daninha vendida como maçã sem veneno. Sim, o livro supramencionado. Com as lacunas da memória, recordo-me do autor sustentar uma total ruptura com o que aí está, interior à nossa educação. Tal me veio à memória, quando eu rabiscava uma prova – infantil, como quase todas. O professor queria saber se eu era capaz de repetir o que ele dissera, em meio aos nossos cochilos, em sala de aula. “O que é isso?” – perguntava o maestro. “Isso é isto” – respondo, a um passo da genialidade.
Que (não) me perdoem os mestres, mas não há como levá-los a sério. Caso o ato de apreender e repetir fosse pertinente, o Abujamra, ator que tanto gosto, teria criado algo. Mas, não. Nietzsche, para refletir como convém, teve de abandonar a “universidade”, o idealismo alemão. Cioran, outrossim, descobriu os ludíbrios da filosofia e encetou caminhada por outras veredas. Na literatura, Graciliano, como diz o professor Luis Eduardo, foi brindado com a sorte de frequentar minimamente a escola.
Além: não bastasse a parvoíce perpetuada através da dinâmica aula-prova, ainda somos agraciados com os “professores carrascos”, anunciados por Werneck. São eles que, dentro da estrutura do ensino privado, representam os “mimos” das faculdades, engordando os cofres destas com meta pré-fixada: 70% de reprovação de cada turma. No fim das contas, os “julgadores” exercem suas vaidades, com arrimo no regimento, muito embora possuam certa insuficiência intelectiva.
Ora, conto-lhes, enfim, uma “fofoca acadêmica”. Numa dessas seleções para professor, depois de uma aula brilhante, profunda, um dos avaliadores sentenciou: nota quatro. Interrogado, ante a surpresa dos demais, o primeiro respondeu: “achei muito chata”. Se não compreendo, pois, não acho que devo estudar mais. Já que tenho poder de decisão, nota quatro. Se o relato é verídico? Como você, eu também preferia que não fosse.
“Emergimos do mar para indagar, Abel.”
* Verso retirado do poema “Recusa”, Drummond in Boitempo II.
Breno S. Amorim, estudante de Direito.
PAULO COELHO: antes de Compostela, o caminho apontado por Raul Seixas.
Na esteira da crescente produção cinematográfica brasileira, o gênero biografia tem se avolumado. As películas abordam desde as histórias de vida de irrelevantes cantores até a saga de pretensos líderes religiosos, com seus processos de curas milagrosas, desencadeados pela fé e a força da “grana que ergue e destrói coisas belas”.
Um dos mais recentes desses filmes é o longa metragem “Não pare na pista” que retrata a vida de Paulo Coelho, desde os dissabores do cotidiano de tédio e inquietude ao estrelato como escritor de espiritualidades, tão reiteradamente traduzido em línguas diversas quanto o velho bardo inglês.
Na história do velho Mago, contada com a mesma costumeira falta de traquejo cinematográfico na construção de roteiros e enredos e tramas e na frágil dramatização dos episódios reais vividos pelo homenageado, vê-se um Paulo Coelho atormentado pelo desejo de tornar-se um grande escritor. A história passa pela sua mocidade ao mesmo tempo em que é retrata a experiência espiritual vivida no caminho de São Tiago de Compostela, na Espanha, que lhe daria o subsídio para construir seus famosos livros, consagrando-se como um dos mais bem sucedidos escritores da atualidade.
A saga de Dom Paulo Coelho se processa de modo enfadonho, calcada nas divergências ideológicas com seu pai, expressas pela rebeldia juvenil, até a entrada em cena de Raul Seixas. O velho Raul resgata o personagem do caminho do ostracismo através de parcerias em sucessos inesquecíveis como as músicas “AL Capone, Meu Amigo Pedro, Sociedade Alternativa” e, dentre outras, a que dá nome ao filme: Não Pare na Pista.
A partir desse momento, o que se observa com a entrada em cena do velho Raul, é a salvação primeira de Paulo Coelho, compreendendo pelas palavras do roqueiro que as grandes coisas devem ser ditas de modo simples. Depois disso, juntos compuseram músicas que tocam a alma das pessoas há décadas, como Tente Outra Vez. Logo, pode-se afirmar que o primeiro dos caminhos foi indicado ao mago pelo Raul Seixas, muito antes daquele percorrido pelo autor de o Alquimista, em busca de espiritualidade e entendimento de si mesmo.
Por: Adão Lima de Souza
Gênesis
Antes tudo era indizível. E os gestos não traduziam nada além das mais urgentes necessidades cotidianas. Enquanto os olhares, distantes, concentravam-se em desvelar a paisagem inocente. Nenhum movimento corporal expressava senão os limites do desconhecido, porém, secretamente desejado. Assim, passavam-se os dias enfadonhos!
Um dia, os olhos se encontraram; e, refletiram-se um no outro como dois espelhos postos frente a frente, em que as imagens se multiplicam indefinidamente. Daí em diante, a incompreensão se estabeleceu entre eles, ocupando o desvão das palavras até então nunca ditas.
Enquanto o tempo fluía como as águas mansas de um rio, a estranheza se apoderava dos corpos, trazendo à superfície da pele descobertas sobre os sentidos refreados pela incipiência da imaginação. Nunca mais os dias foram os mesmos. Agora, as coisas pareciam ter cheiro e sabor que penetravam agudamente nos poros. A respiração em descompasso, prenunciava a proximidade das transgressões que se sentia fincar na vontade, cavando sucos profundos na carne com a faca afiada dos desejos contidos. À noite, as estrelas adquiriam formas e nomes; e o frio se intensificava, confirmando o absurdo da existência intransponível do muro imaginário erguido pelo distanciamento dos corpos que se queriam.
Naquele instante, em que revelações pululavam ante os olhos atônitos, porém, irresistivelmente atraídos pela incontrolável carência de se lançar ao desconhecido, toda existência ganhava a tonalidade das cores por eles inventadas, ao mesmo tempo em que os corpos, agora nus, eram emoldurados pela confabulação. E de repente, os dias pareciam se deixar envolver pela lentidão, assumindo ares de eternos como se fosse um deus caprichoso que se recusasse a seguir sua infinitude. Todavia, eram dias prazerosos, de calmaria e de uma apetecível angústia que os envolvia e os embalava na rede intangível do querer.
E, assim, aos poucos, na esteira inarredável dos acontecimentos, foram ruindo as fronteiras invisíveis, que outrora mantinha na ignorância seus corpos moldados para a entrega incondicional ao prazer, retendo-os à beira do abismo desse estranho sentimento que nos faz desafiar os deuses. Então, sem se aperceberem do pecado que cometiam, folgaram as amarras que os sufocavam, desatando às pressas os nós da proibição, para que os corpos sedentos pudessem, suavemente, percorrer as formas sinuosas da estrada que levava a macieira condenada pela maldição da culpa. Ao tempo em que as bocas se colavam, mãos ágeis percorriam as curvas perigosas, um do corpo do outro, como se o destino dependesse daquele beijo para selar a sina dos futuros amantes. Enquanto isso, na macieira frondosa, a mesma que daria origem também a mecânica fria dos homens sérios, os frutos se multiplicavam, abençoando a fluidez com que os corpos, metamorfoseados, misturavam-se até fundir-se em um só.
Desse dia para cá, passou-se a chamar mundo a nossa casa! Pois que Deus disse: haja humanidade! E o homem e a mulher; fizeram-se em gestos ternos e hostilidades!
Por: Autran Lima
O discurso feito homem – ou de como transformar-se no próprio discurso
Drummond, em seu conto “O discurso vivo”, fala-nos de um orador, cujo discurso se prestava a qualquer serviço. Assim, pois, é que ele, ao mesmo tempo em que saudava os aniversariantes, enaltecia os defuntos de toda a cidade. Por ser essa figura de “natureza híbrida”, tudo o que era por ele propalado repercutia menos pelo conteúdo do que pela vociferação do discurso. Portador exímio de notabilizada dicção, diferenciava-se dos demais pela capacidade de, falando muito, nada dizer.
Aqui, exterior ao texto, no que alguns chamam “real”, também nós somos agraciados com os nossos “discursos vivos”. São eles expertises em notabilidade – nada mais. É, porém, tudo quanta basta para ver-se capaz de falar sobre todo e qualquer assunto – sem nada saber.
Ora, aí estão os nossos artistas, pessoas sobrelevadas intelectualmente. Do alto de suas torres – e por que não tronos? – ditam, benfazejos que são, as “regras comportamentais”: “vocês devem ler isso!”; “ouçam isso!” etc. São pessoas que, qual o orador da ficção, têm seus egos insuflados, pensam-se absolutos e, mesmo quando falta-lhes solenidade, discursam sozinhas apenas para satisfazerem o prazer de ouvir as próprias vozes. Representam, outrossim, os jornalistas de “O sol também se levanta”: não perguntam para obter resposta; ao revés, interrogam tão somente para escutar o eco dos próprios urros. Querem falar – eis tudo.
“Falar é muito perigoso”, alerta determinado historiador. Malgrado o aviso, o “homem discurso” não tem apreensão: fala o que lhe der na veneta, numa coluna jornalística ou na tevê – todo espaço é-lhe propício. Juremir Machado, um intelectual contemporâneo que merece a nossa atenção, fala-nos em uma “rede” responsável por veicular tudo o que o “discurso vivo” tem a dizer. Contudo, assinala Juremir, não se trata, como somos levados a pensar, de uma rede de informação (“parte da mitologia do jornalismo”), mas de uma “rede de favores trocados”. Destarte, os “homens discursos”, coniventes e solícitos, trocam mesuras, enquanto caem na graça da “opinião pública”. De tal modo, um abre espaço para o outro ao ponto de permitir certa “aristocracia da visibilidade” – ou, em tom jocoso, um monopólio amigável, não?
A partir da rede supramencionada, estabelece-se, deliberadamente, determinada imunidade crítica “para os notáveis entre os notáveis”. O que Juremir Machado chama de “clube de amigos vigilantes”, o qual, ao eliminar parâmetros plausíveis para a avaliação, permite que uma obra (ou mesmo discurso) possa ser considerada “boa” não pelo que diz – ou como o fala -, mas por consideração à pessoa que a forjou. Daí o acerto de Juremir, ao afirmar que a nova genialidade consiste em estar sempre em exposição. Ora, temos, aqui, o “nobre arranjado à pressa” – observado por Graciliano Ramos -, que, ao brilhar em um “campo” da arte, vê todo o “horizonte artístico” aberto para si. Assim, o músico que deu certo não precisa ter dúvida. Caso queira escrever romances ou pintar quadros, o sucesso já lhe estará previamente garantido.
Há, no entanto, o momento em que o “homem discurso” perde a fala. Foi assim na ficção drummondeana. Pode que, entre tanto discurso, em meio a tanta visibilidade, a claridade do holofote, por “distúrbios sensoriais” – prelecionados por Manoel de Barros -, acabe por tornar o “discurso vivo” um mudo, um sem voz. Ainda assim, caros opositores ressentidos, não se animem, não ousem ensaiar comemoração. Já é tarde, nada mudará. O discurso feito homem, mesmo sem voz, posto que já em consagração plena, falará por gestos. Ou nem falará. Afinal, meus amigos, que diferença faz? Os nossos falastrões, ainda que silentes, já são “o discurso em si” – qual Tomé.
Por: Breno S. Amorim
Sartre pediu em carta que não lhe dessem o Nobel que ganhou em 1964
Jean-Paul Sartre enviou em 14 de outubro de 1964 uma carta à academia sueca que outorga o prêmio Nobel pedindo-lhe que não o incluísse entre os possíveis ganhadores, naquele ano nem nos seguintes.
O filósofo francês também avisava que, caso o premiassem, rejeitaria o reconhecimento. Mas sua missiva chegou com um mês de atraso. Em setembro a Academia já havia decidido quem seria o Nobel de Literatura de 1964: claro, o próprio Jean-Paul Sartre.
A carta foi publicada pelo jornal sueco Svenska Dagbladet e noticiada depois por jornais de metade do mundo. A origem é a abertura dos arquivos da Academia, depois de meio século: no final de 2014 foi possível o acesso aos documentos correspondentes a 1964.
Segundo o jornal britânico The Guardian, já se especulava havia anos que Sartre tinha remetido uma carta, e que ela tinha chegado quando já era tarde. Agora se sabe que foi isso mesmo, e que a academia respondeu ao filósofo que a decisão já tinha sido tomada. Tanto que o comitê da instituição se reuniu em 22 de outubro e ratificou a vitória de Sartre. Fiel a sua carta, o filósofo recusou o prêmio.
De nada adiantou que a academia ressaltasse os méritos do autor: “Sua obra, rica em ideias e repleta do espírito da liberdade e da busca pela verdade, teve influência de alcance muito grande sobre nossa era”. Pesou muito mais o desejo de Sartre de não se converter “em uma instituição” e de respeitar sua crença de que qualquer prêmio exporia seus leitores a uma “pressão nada desejável”.
Embora os sim e os talvez não entrem para a história, o jornal Svenska Dagbladet especula que a carta teria mudado as coisas se tivesse chegado a tempo. O jornal sueco informa que vários membros do comitê não estavam particularmente convencidos a entregar o prêmio a Sartre e que provavelmente a missiva teria dado mais força a seus argumentos.
Fonte: EL País.
BRASIL… Três vezes menos culto.
A cultura brasileira, neste mês de julho, apequenou-se pela perda de três dos seus maiores expoentes nesse interminável deserto de novidades. Aqui registramos a homenagem do blog Cidadania Ativa pela contribuição desses intelectuais para o enriquecimento da cultura de nosso povo.
João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro (1941-2014)
Escritor, jornalista, roteirista e professor, formado em direito e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi ganhador do Prêmio Camões de 2008, maior premiação para autores de língua portuguesa.
Ubaldo Ribeiro teve algumas obras adaptadas para a televisão e para o cinema, além de ter sido distinguido em outros países, como a Alemanha. É autor de romances como Sargento Getúlio, O Sorriso do Lagarto, A Casa dos Budas Ditosos, que causou polêmica e ficou proibido em alguns estabelecimentos e Viva o Povo Brasileiro.
Principais Obras
Romances
- Setembro não tem sentido – 1968
- Sargento Getúlio – 1971
- Vila Real – 1979
- Viva o povo brasileiro – 1984
- O sorriso do lagarto – 1989
- O feitiço da Ilha do Pavão – 1997
- A Casa dos Budas Ditosos – 1999
- Miséria e grandeza do amor de Benedita – 2000
- Diário do Farol – 2002
- O Albatroz Azul – 2009
Escreveu ainda contos, crônicas e histórias infantis.
Psicanalista, educador, teólogo e escritor, é autor de livros e artigos abordando temas religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série de livros infantis.
Principais Obras
Teologia
Da Esperança
Creio na Ressurreição do corpo
Variações sobre a vida e a morte
Poesia, Profecia e Magia
Pai Nosso
O Poeta, o Guerreiro e o Profeta
Filosofia da religião
O Enigma da Religião
O que é Religião?
Protestantismo e Repressão
Dogmatismo e Tolerância
O Suspiro dos Oprimidos
Perguntaram-me se acredito em Deus
Filosofia da ciência e da educação
Conversas com quem gosta de ensinar
Histórias de quem gosta de ensinar
A alegria de ensinar
Por uma educação romântica
Entre a ciência e a sapiência
Filosofia da Ciência
Fomos maus alunos
A Pedagogia dos caracóis
A Escola com que Sempre Sonhei sem Imaginar que Pudesse Existir
O Livro sem Fim
Ariano Vilar Suassuna (1927 – 2014)
Dramaturgo, romancista, ensaísta e poeta. Idealizador do Movimento Armorial e autor de obras como Auto da Compadecida e O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, foi um preeminente defensor da cultura do Nordeste do Brasil.
Principais Obras
Teatro
- Uma mulher vestida de Sol, (1947);
- Cantam as harpas de Sião ou O desertor de Princesa, (1948);
- Os homens de barro, (1949);
- Auto de João da Cruz, (1950);
- Torturas de um coração, (1951);
- O arco desolado, (1952);
- O castigo da soberba, (1953);
- O Rico Avarento, (1954);
- Auto da Compadecida, (1955);
- O casamento suspeitoso, (1957);
- O santo e a porca, (1957);
- O homem da vaca e o poder da fortuna, (1958);
- A pena e a lei, (1959);
- Farsa da boa preguiça, (1960);
- A Caseira e a Catarina, (1962);
- As conchambranças de Quaderna, (1987);
- Fernando e Isaura, (1956)”inédito até 1994″.
Romance
- A História de amor de Fernando e Isaura, (1956);
- O Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, (1971);
- História d’O Rei Degolado nas caatingas do sertão /Ao sol da Onça Caetana, (1976)
Palestras
- Defesa contra a teoria da evolução.
Poesia
- O pasto incendiado, (1945-1970);
- Ode, (1955);
- Sonetos com mote alheio, (1980);
- Sonetos de Albano Cervonegro, (1985);
- Poemas (antologia), (1999).
Por: Adão Lima de Souza