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Crônicas Edmar …Prefiro as janelas

edmarHoje, pela manhã, encontrei um colega de trabalho entusiasmado com sua recente publicação no facebook, anunciando sua preferência pelas “portas”, sejam elas “largas, estreitas, grandes, pequenas, bonitas, feias, simples ou sofisticadas”, pois nelas encontrava uma “saída de forma digna, honrada, permissível, equilibrada, livre…”.

Aurélio Amorim Buriti é um apreciador de poesias e costuma ser admirado pelas frases curtas e poéticas postadas na sua rede de relacionamentos. Neste texto, ele confessa que sua inquietação não permite investir nas “janelas”, sempre o corrigindo, cobrando-o, mesmo quando se perde “na ilusão das mais belas vistas, dos janelões dos antigos casarões”.

Achei a postagem bem escrita, mas, de imediato, revelei minha preferência – as janelas. Estranhando minha “posição”, não quis ouvir minha contradita, exigindo que eu fizesse um texto defendendo as janelas. Porém, não vou fazer uma “defesa”, mas um breve apelo:

Buriti, não se acostume demais com as saídas honradas, permissivas. Ponha um pouco de meninice e mistério em teus passos, escape do equilíbrio e, se puder, escape de você mesmo. Só nas janelas se percebe horizontes; as portas são pragmáticas, podam nossas asas, não há leveza para quem se arrasta.

Evite a certeza das portas. É preciso às vezes escorregar na ilusão, acreditar no salto de quem não quer perder a eternidade dos próximos segundos. Precisamos também ser incorrigíveis, nem sempre se lançar é uma fuga – pode ser um encontro. As janelas são frestas que cabem nossos sonhos, esperas e prantos. Muitas vezes, as portas não nos cabem, nem mesmo a vigília do nosso choro.

Nas janelas se permitem sorver a brisa da lua e a saudade do mar; nas portas são proibidas as serenatas e as preces do povir.

Colega, perdoe minhas divagações. Acredito até que sequer divergirmos, talvez o mais importante nem seja o vão que escolhemos, mas, sim, pregar a urgência da travessia, querer ir a algum lugar, um abrigo que nos ultrapasse e mate nossa sede andarilha.

Por; Edmar Conceição, http://www.escritica.com/#!edmar-conceicao/c1edt

O violão de Dilermando Reis

disco Dilermando Reis

“Você gosta de ouvir violão? Seu Raulino gostava desse disco. Leve para você, é bom ouvi-lo tomando uma cervejinha”.

Foi com esses cuidados que tio Evandro presenteou-me este belo LP do violonista Dilermando Reis. Logo ele, cercado de tantos Chico Buarque, Caetano Veloso e Nelson Gonçalves, apresentou-me uma discografia desconhecida, ilustrando a capa do vinil “Gotas de Lágrimas” com uma bela mulher em pranto.

Tio, confesso que não estou bebendo aquela “cervejinha” que tanto gosto, cheguei a pouco da faculdade e a madrugada que se rompe pede doses fartas do melhor “amigo engarrafado do homem”, como bem recomendava Vinícius de Moraes com seus “uisquezinhos”.

Embora o ruído da antiga vitrola seja persistente, neste momento, além de um par de ouvidos enfeitiçados com a maestria de cada acorde, estou munido de uma caneta, papel e o entusiasmo de quem acredita na locomotiva da poesia, ainda que os trilhos sejam escorregadios e incertos.

Propositalmente, escolhi uma rapsódia infantil que, aos poucos, cantarola uma calmaria no vão que se abre dentro de mim, como se cada dedilhada do músico pudesse desatar os nós que prendem minhas raras meninices, abrindo, sem pressa, um quintal perdido e uma escrita sustentada de esperanças.

A próxima faixa musical, acertadamente, chama-se “Nossa Ternura”. Cativa-me essa bela valsa, trazendo uma leveza meiga nesta crônica, exigindo-me uma destreza em cada letra que me lanço, como se a poética dependesse de suas asas frágeis para que possa levitar um sonho perfeito.

Do outro lado do disco, há uma valsa chamada de “Eterna Saudade”, com tons mais melancólicos, quase nos arrancando a lona do tempo, como se saltitasse na minha pele o ardor de quem perdeu o equilíbrio no trapézio de suas promessas, de quem se esquiva entre uma estação em ruínas e ainda espera uma carruagem quimérica.

No entanto, é a primeira canção que me comove: “Gotas de Lágrima”. Mesmo com um canteiro de metáforas ao meu lado, já faz horas que tento descrever algo e não consigo, apenas sentindo um embalo inesperado, capaz de derramar o que resta de mim nesta lua de outono que, na ameaça do alvorecer, despede-se como uma rabiola prateada, talvez também emocionada com o orvalho que sai de minha vitrola.

Um brinde ao bom gosto de Seu Raulino. Obrigado pelo presente, tio. Bravo, Dilermando Reis, graças a você sinto-me como Maiakovski, confundindo a ciência da anatomia, pois sou todo coração.

 Edmar Conceição é cronista do site: http://www.escritica.com