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Não entendo, não engulo este latim *

BRENOLi há uns dois anos, um livro intitulado “Prova, provão, camisa de força da educação”. Eu, que durante o tempo de escola, não devotava minha atenção para o que transcorria em sala de aula, ao chegar à universidade e observar o “modus operandi” do nosso sistema educacional, não julguei pertinente uma “autoreprimenda”.

A escola – quem haverá de desdizer? – é absolutamente prejudicial, erva daninha vendida como maçã sem veneno. Sim, o livro supramencionado. Com as lacunas da memória, recordo-me do autor sustentar uma total ruptura com o que aí está, interior à nossa educação. Tal me veio à memória, quando eu rabiscava uma prova – infantil, como quase todas. O professor queria saber se eu era capaz de repetir o que ele dissera, em meio aos nossos cochilos, em sala de aula. “O que é isso?” – perguntava o maestro. “Isso é isto” – respondo, a um passo da genialidade.

Que (não) me perdoem os mestres, mas não há como levá-los a sério. Caso o ato de apreender e repetir fosse pertinente, o Abujamra, ator que tanto gosto, teria criado algo. Mas, não. Nietzsche, para refletir como convém, teve de abandonar a “universidade”, o idealismo alemão. Cioran, outrossim, descobriu os ludíbrios da filosofia e encetou caminhada por outras veredas. Na literatura, Graciliano, como diz o professor Luis Eduardo, foi brindado com a sorte de frequentar minimamente a escola.

Além: não bastasse a parvoíce perpetuada através da dinâmica aula-prova, ainda somos agraciados com os “professores carrascos”, anunciados por Werneck. São eles que, dentro da estrutura do ensino privado, representam os “mimos” das faculdades, engordando os cofres destas com meta pré-fixada: 70% de reprovação de cada turma. No fim das contas, os “julgadores” exercem suas vaidades, com arrimo no regimento, muito embora possuam certa insuficiência intelectiva.

Ora, conto-lhes, enfim, uma “fofoca acadêmica”. Numa dessas seleções para professor, depois de uma aula brilhante, profunda, um dos avaliadores sentenciou: nota quatro. Interrogado, ante a surpresa dos demais, o primeiro respondeu: “achei muito chata”. Se não compreendo, pois, não acho que devo estudar mais. Já que tenho poder de decisão, nota quatro. Se o relato é verídico? Como você, eu também preferia que não fosse.

“Emergimos do mar para indagar, Abel.”

* Verso retirado do poema “Recusa”, Drummond in Boitempo II.

Breno S. Amorim, estudante de Direito.

O discurso feito homem – ou de como transformar-se no próprio discurso

BRENODrummond, em seu conto “O discurso vivo”, fala-nos de um orador, cujo discurso se prestava a qualquer serviço. Assim, pois, é que ele, ao mesmo tempo em que saudava os aniversariantes, enaltecia os defuntos de toda a cidade. Por ser essa figura de “natureza híbrida”, tudo o que era por ele propalado repercutia menos pelo conteúdo do que pela vociferação do discurso. Portador exímio de notabilizada dicção, diferenciava-se dos demais pela capacidade de, falando muito, nada dizer.

Aqui, exterior ao texto, no que alguns chamam “real”, também nós somos agraciados com os nossos “discursos vivos”. São eles expertises em notabilidade – nada mais. É, porém, tudo quanta basta para ver-se capaz de falar sobre todo e qualquer assunto – sem nada saber.

Ora, aí estão os nossos artistas, pessoas sobrelevadas intelectualmente. Do alto de suas torres – e por que não tronos? – ditam, benfazejos que são, as “regras comportamentais”: “vocês devem ler isso!”; “ouçam isso!” etc. São pessoas que, qual o orador da ficção, têm seus egos insuflados, pensam-se absolutos e, mesmo quando falta-lhes solenidade, discursam sozinhas apenas para satisfazerem o prazer de ouvir as próprias vozes. Representam, outrossim, os jornalistas de “O sol também se levanta”: não perguntam para obter resposta; ao revés, interrogam tão somente para escutar o eco dos próprios urros. Querem falar – eis tudo.

“Falar é muito perigoso”, alerta determinado historiador. Malgrado o aviso, o “homem discurso” não tem apreensão: fala o que lhe der na veneta, numa coluna jornalística ou na tevê – todo espaço é-lhe propício. Juremir Machado, um intelectual contemporâneo que merece a nossa atenção, fala-nos em uma “rede” responsável por veicular tudo o que o “discurso vivo” tem a dizer. Contudo, assinala Juremir, não se trata, como somos levados a pensar, de uma rede de informação (“parte da mitologia do jornalismo”), mas de uma “rede de favores trocados”. Destarte, os “homens discursos”, coniventes e solícitos, trocam mesuras, enquanto caem na graça da “opinião pública”. De tal modo, um abre espaço para o outro ao ponto de permitir certa “aristocracia da visibilidade” – ou, em tom jocoso, um monopólio amigável, não?

A partir da rede supramencionada, estabelece-se, deliberadamente, determinada imunidade crítica “para os notáveis entre os notáveis”. O que Juremir Machado chama de “clube de amigos vigilantes”, o qual, ao eliminar parâmetros plausíveis para a avaliação, permite que uma obra (ou mesmo discurso) possa ser considerada “boa” não pelo que diz – ou como o fala -, mas por consideração à pessoa que a forjou. Daí o acerto de Juremir, ao afirmar que a nova genialidade consiste em estar sempre em exposição. Ora, temos, aqui, o “nobre arranjado à pressa” – observado por Graciliano Ramos -, que, ao brilhar em um “campo” da arte, vê todo o “horizonte artístico” aberto para si. Assim, o músico que deu certo não precisa ter dúvida. Caso queira escrever romances ou pintar quadros, o sucesso já lhe estará previamente garantido.

Há, no entanto, o momento em que o “homem discurso” perde a fala. Foi assim na ficção drummondeana. Pode que, entre tanto discurso, em meio a tanta visibilidade, a claridade do holofote, por “distúrbios sensoriais” – prelecionados por Manoel de Barros -, acabe por tornar o “discurso vivo” um mudo, um sem voz. Ainda assim, caros opositores ressentidos, não se animem, não ousem ensaiar comemoração. Já é tarde, nada mudará. O discurso feito homem, mesmo sem voz, posto que já em consagração plena, falará por gestos. Ou nem falará. Afinal, meus amigos, que diferença faz? Os nossos falastrões, ainda que silentes, já são “o discurso em si” – qual Tomé.

Por: Breno S. Amorim

Foi-se a Copa? – Carlos Drummond de Andrade

foi-se a copa Carlos Drummond de Andrade

Singela Homenagem do Cidadania Ativa a todos os Trabalhadores desse Brasil Injusto.

“O trabalhador só se sente a vontade no seu tempo de folga, porque o seu trabalho não é voluntário, é imposto, é trabalho forçado.” Karl Marx

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Elegia 1938

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.
Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.
Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.
Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.
Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

Carlos Drummond de Andrade