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EQUADOR INSURGENTE
A Aleida Guevara
“Art. 98.- Los individuos y los colectivos podrán ejercer el derecho a la resistencia frente a acciones u omisiones del poder público o de las personas naturales o jurídicas no estatales que vulneren o puedan vulnerar sus derechos constitucionales, y demandar el reconocimiento de nuevos derechos.”
Constituição do Equador de Outubro de 2008
Quando a multidão tomava as ruas na França para reivindicar contra as reformas trabalhista e previdenciária, François Hollande afirmava, no uso do lugar formal de poder, que o local para o debate político era o parlamento e tão-somente o parlamento. Na verdade, é uma tendência das classes dominantes reduzir à política as regras formais de deliberação para provocar o olvido de que o poder é uma relação em que os efeitos de dominação dependem da cumplicidade dos que lhe são afetados e que há um excedente democrático que, a qualquer tempo, pode se revelar no desvelamento de que toda forma de poder tem base comunitária. Uma opressão só instala quando se erige um mito fundador que subtrai o passado das contradições para instaurar a narrativa de um poder cuja fonte se torna imemorial justamente para produzir efeito de dominação na medida em que promove a justificação de hierarquias. Mais ainda: as classes dominantes tem sido um fator de anarquia e de desordem, corroendo de forma contínua o devido processo legal substancial, promovendo rupturas da ordem constitucional mediante o uso da força ou pelo poder suave da apropriação privada da linguagem. A apropriação privada da linguagem permite o monopólio dos sentidos pelos que representam a colonialidade do poder e a instauração de formas de opressão que são mais sutis e, por isso, de difícil identificação. Por isso, necessitamos de uma nova teoria da violência.
De Platão a Rousseau, a democracia significa a rivalidade das pretensões e a possibilidade de expô-las no debate público. Por isso, a democracia é o alargamento da esfera pública para que as pretensões dos pobres entrem em cena e possam revelar as limitações de um poder que se instaura e se mantém pela constrição dos espaços de liberdade. Quando em Roma os plebeus se rebelaram, Agripa Menênio teve que entrar numa grande encruzilhada: pressupondo que os plebeus não eram dotados de logos teve que se dirigir a eles por meio da palavra. Como usar da palavra em direção àqueles que não são dotados de palavra? É essa a encruzilhada da política e nela que se instaura a sua possibilidade: quando os que são considerados privados dos logos reivindicam de alguma forma a palavra e protesto para assinalar o direito à vida.
É por isso que, no Equador, passa algum fundamental para a América Latina de forma que a democracia, seguindo Mao Tsé-Tung, tem que ver com a exigência de que economia não pode significar a privação dos povos dos meios de existência e que a vida não poder ser monopólio dos centros de decisão da burguesia. Nesse sentido, a política significa encontra os meios de poder para resgatar as condições de produção da vida.
Que a multidão, no Equador, colhendo a constituição pela palavra, reivindique o sentido talhado pelo poder constituinte de que os bens comuns não podem ser apropriados privadamente e que o direito a não ser excluído do direito de lutar pelos seus direitos se converte no dínamo da própria constituição. Trata-se de uma constituição que, no art. 98, consagra a ideia de que o poder constituinte não se encerra na feitura do documento constitucional e nunca se aliena numa representação que não agasalha as pretensões do povo. O sentido do artigo 98 é de que o poder constituinte é permanente e, sendo de titularidade exclusiva do povo, quer queira ou não os que ocupam um lugar formal de poder, expressa o direito do povo a exigir e postular novos direitos. É uma constituição que não aliena o poder constituinte ao poder reificado e consagra o direito de resistência à opressão.
Há um mito do liberalismo pelo qual o indivíduo precede à sociedade e detém um conjunto de direitos de natureza individual que lhe confere uma esfera de liberdade intangível à ação estatal. Trata-se, para lembrar Marx, de um mito. Indivíduo e sociedade se constituem mutuamente numa espécie de ação de contragolpe, para citar Piaget. E isso tem consequências teóricas e políticas cruciais. A teoria é um dispositivo político e se engaja no cruzamento que anula qualquer pretensão de neutralidade axiológica ou de exterioridade às refregas políticas. Toda teoria é interna à luta política. Nesse contexto, Hegel, partindo da co-originariedade entre indivíduo e sociedade, afirma:
“A sociedade tem sobre o indivíduo o direito de que este seja formado com vista a um estado determinado e seja atribuído a esse estado; enquanto que ele, como integrante nativo dessa sociedade, tem sobre ela o direito à sua subsistência e à proteção contra as contingências que a ameaçam.”
Mesmo Hegel admitindo que uma singularidade possa questionar um determinado estado, o mais importante é que foi um dos primeiros a superar a problemática liberal e de ter articulado que uma formação social que não garanta a todos o direito de manter-se em vida faz da liberdade um valor-ídolo sem qualquer efetividade. Não há liberdade sem a concretização dos direitos materiais.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.