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Isto Posto…Professor Universitário: que ética adotar?
Recentemente a comunidade acadêmica da FACAPE tomou conhecimento de publicação feita no blog de Carlos Britto, onde o Diretório Central Estudantil – DCE e o Diretório Acadêmico do Curso de Direito – DA repudiavam a atitude de determinado professor, através de nota pública, reputada por eles de antiética devido aos comentários maldosos tecidos em grupos de WhatsApp sobre de erros gráficos – e de observância das regras gramaticais – encontrados quando da correção de provas de seus alunos.
O primeiro ponto é definir se o comportamento do referido professor é de fato antiético, uma vez que as maledicências foram externadas em grupos privados da Rede Social WhatsApp. Mas, para isso precisamos entender o que vem a ser Ética. E, primordialmente, qual o comportamento ético esperado de um professor, já que pela diversidade de interações sociais entre indivíduos diversos, a Ética tende a se apresentar múltipla, em conformidade com os interesses em jogo.
Num sentido puramente denotativo, consoante encontrado em qualquer dicionário, temos que Ética é a parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social, ou seja, o conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.
Doutro modo, tomando-se o sentido mais acadêmico desta disciplina – aquela à qual estaria atrelado à observância o doutor – poder-se-ia, a priori, dizer como o faz Marilena Chauí em seu livro Convite à Filosofia (2008), que a ética é resultante da educação da vontade, ou seja, nasceria quando se passa a indagar o que são, de onde vêm e o que valem os costumes, como senso moral e consciência moral individual que contribuirá para compreensão do caráter de cada pessoa.
Quer isto dizer, segundo Chauí, que nos cabe fazer avaliações da conduta que empreenderemos, pois responderemos por elas perante os outros.
Por fim, temos que nossas vontades e nossos desejos, de acordo com a Filosofia, não podem ser barcos à deriva, flutuando perdidos no mar e produzindo um caráter de inconstância, porque tornariam a vida social impossível.
Nesta esteira, retornando ao professor, fácil é perceber que o limite ético do seu comportamento é definido pela instituição onde leciona, cuja missão inclui no Regimento Interno, art. 3º[1], como valores institucionais, dentre outros não menos importantes, a ética como norteadora do seu comportamento nas interações com alunos e colegas de trabalho.
Logo, como não observou os valores que permitem nossa vida em comum, nosso caro doutor demonstra não ter ainda educado sua vontade.
Assim sendo, segundo a Ética adotada pela FACAPE, o referido professor, ao invés de menosprezar seus discípulos ao perceber certa deficiência instrutiva deles, demonstrada pelo atropelo às normas gramaticais, bem poderia levar a situação à instâncias internas responsáveis pela avaliação do ensino-aprendizagem, e propor programas destinados ao aprimoramento da escrita dos bacharelandos da instituição, se fosse ele imbuído dessa boa-fé pela leitura do Regimento Interno.
Não o fez, Preferiu tripudiar das falhas dos alunos.
Isto posto, eu mesmo fui aluno do doutor e poderia, agindo sem a devida postura ética, dizer que a maioria dos textos de sua autoria aos quais tive acesso são de uma profunda infantilidade intelectual, mas não direi. Digo apenas que são dignos de um típico doutor brasileiro. E o blog está à disposição para constatarmos isso.
Por: Adão Lima de Souza
[1] Art. 3º. São valores institucionais na AEVSF/FACAPE:
- a) ética – como norteadora do comportamento humano;
- b) pluralidade de ideias – como meio de valorizar pela educação o respeito à liberdade, à conscientização dos valores humanos e a responsabilidade social;
- c) criatividade – como meio de permitir ao ser humano, de forma única e original, Expressar-se e encontrar soluções;
- d) consciência – como fator fundamental na preparação integral do cidadão, estimulando-o à reflexão sobre os valores humanos e sobre seu papel social;
- e) cooperação – como base para a integração de esforços e objetivos, mediante um trabalho conjunto e harmônico;
- f) participação – crença firme de que a democracia é o melhor caminho para uma instituição em que, por sua natureza, a opinião é quase sempre produto da reflexão;
- g) sensibilidade – como dimensão significativa do processo de desenvolvimento do homem.
Curso de Direito da Uneb de Juazeiro está entre os melhores do País
O curso de Direito da Universidade do Estado da Bahia, Campus III, em Juazeiro (BA), foi bem avaliado pelo Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) de 2015, obtendo Conceito Preliminar de Curso (CPC) mais alto que instituições particulares e outras públicas do país.
Os resultados foram divulgados este mês pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anízio Teixeira (Inep). O curso conseguiu nota 4,0616. Além de outros cursos da Uneb em outras cidades, outras universidades estaduais da Bahia também foram bem avaliadas pelo Enade, exame que todo estudante concluinte precisa fazer para obter o diploma.
Luís Eduardo: Prolegômenos para uma hermenêutica analógica
Em artigo publicado no site Justificando, o professor da UNEB Luís Eduardo Gomes do Nascimento, apresenta-nos noções prefaciais de uma hermenêutica a ser acolhida pela filosofia moderna como compreensão interpretativa consistente na revivescência psicológica dos processos de pensamento capazes de transpor certo saber necessário para imergir-se numa comunhão de almas.
Assim, negando a assertiva de que a escritura se desvela ainda presa à dicotomia epistemológica explicação/compreensão, onde natureza se explica e história se compreende, o insigne professor preleciona, em seu texto introdutório, que a hermenêutica seria a indicação do a priori intersubjetivo sobre a mera descrição dos fatos.
Destarte, por sua vez, a hermenêutica analógica apresentar-se-ia como uma saída para a celeuma entre univocidade e equivocidade. E uma vez que não há como apartar a analogia da interpretação do direito penal, o qual é informado pelo princípio da legalidade, restaria tão somente encontrar, dentre as múltiplas significações do ser, uma filiação que, sem proceder de uma divisão de gênero em espécie, constituisse ainda assim uma ordem.
Leia o texto Prolegômenos para uma hermenêutica analógica, em:
http://justificando.cartacapital.com.br/2017/01/16/prolegomenos-para-uma-hermeneutica-analogica/
Comentários: Adão Lima de Souza
Supereu: a inquebrantável (?) cultura jurídica
“(…) Mas do silêncio em que está encerrado é como se dissesse: ouve-me.” (Avalovara, Osman Lins)
Que personagem, o jurista! Dentre todos, o mais ingênuo – quando da exclusão da faceta assaz esperta, por suposto. Não afirmo tal em desamparo. Muitos me servem de arrimo. Warat e Osman, por exemplo.
O ingênuo não tem clareza a respeito de si mesmo. Pensa-se além da própria insignificância. Seguro – falsamente – de si, acredita deliberar a propósito dos seus atos. O que, sabemos, não parece verossímil. Ao revés, toda a sua prática está condicionada, adstrita a um espaço de há muito construído. Um títere, valha-me Deus!, a delirar com o manejo dos cordéis.
Em “O futuro de uma ilusão”, Freud esclarece: “(…) Faz parte do curso de nosso desenvolvimento que a coerção externa seja gradativamente interiorizada na medida em que uma instância psíquica especial, o supereu do homem, a inclui entre seus mandamentos”. No caso do jurista, tal se vê recrudescido. O nosso personagem, mais do qualquer outro, detém grande capacidade de interiorizar a coerção externa. Isto, está visto, desde o período universitário, em que o impedimento é tomado por norte pedagógico. Cá, o círculo vicioso de tolhimento dos impulsos. Castrá-lo implica em ausência de perturbação ante os alicerces.
O jurista é, antes de tudo, um crédulo. Disparate? Recordemos o já citado Warat. Em seu “A ciência jurídica e seus dois maridos”, o argentino fala-nos numa “cultura-detergente”. Precisamente, o maior cometimento cultural do jurista. Tal, diz-nos o jusfilósofo, representa piamente um pensamento sem sujeira. Crente, o nosso personagem julga toda a construção jurídica algo cristalino, translúcido. Ora, um advogado dissera-me pensar o direito como instrumento de pacificação social. Quanta candura!
Falta, ao direito, certo pirronismo. Justamente por não ousar a dúvida é que o jurista abisma-se nas significações instituídas. Ora, Jakobson nos ensinara que um idioma se define menos pelo que ele permite dizer, do que por aquilo que ele obriga a dizer. O nosso personagem, porque ingênuo, toma emprestado, abruptamente, certo arcabouço linguístico. Em pouco tempo, vocábulos ressonam, reverberam – e nada dizem. O jurista, assim, ainda no período de formação, é, sem o notar, coagido à repetição de palavras cujas acepções desconhecem. Diz-se, portanto, “garantia da ordem pública”, “sujeito de direito”, “homem médio” etc. A vaguidão, como se vê, reclama certa estultice bucólica.
Em leitura livre de Freud, aventuro-me à determinada aproximação. Tomemos o direito por religião. Dessarte, estabeleçamos o jurista e o direito como uma “relação com o pai”. Isto, claro, no plano social, não-metafísico. De tal modo, chegamos na ambivalência, tratada por Freud. Eis o temor e a admiração, em convivência plena. O jurista raciocina (com raciocínio autorizado), conclui que será sempre uma criança. Necessita, pois, proteção contra poderes desconhecidos – ou não. A estes, enfim, empresta-lhes a figura paterna – aqui, o direito.
Inevitável, como já se vê, pelejar com a linguagem. Trapacear a língua, como nos ensinara Barthes. Para tanto, a compreensão não-oficial dos sentidos, entonada por Warat, cai-nos como exigência inadiável. O jurista, ao saber do sentido comum teórico, obterá o clarão necessário para operar internamente, lá onde são inoculados os discursos, as palavras permitidas, os valores-ídolos.
Por derradeiro, a sempre pertinente lição da literatura. Desta vez, Osman Lins, em “Avalovara”: “- A palavra sagra os reis, exorciza os possessos, efetiva os encantamentos. Capaz de muitos usos, também é a bala dos desarmados e o bicho que descobre as carcaças podres”.
Por: Breno S. Amorim
Já ninguém mais nos oprime: pastor, pai, lei, algoz?
“E então? Vencemos o crime? Já ninguém mais nos oprime: pastor, pai, lei, algoz?”.(Belchior)
Numa sala fechada, com ar insalubre, donos do mundo e de nossas vidas discutem o “nosso” futuro – sem a nossa presença. Generais, altas patentes, sempre bem intencionados, direcionam os nossos passos para solos confortáveis e seguros. Preocupados, pois, sugerem uma ideia: a pulverização dos homens e de suas ideologias. Reconhecem a pureza do homem e a vê se esvair logo formem grupos, desenvolvam pensamentos e percam o medo de usar a voz. Bem por isso – e para o nosso bem, por óbvio -, sabem que se deve operar desde logo. Desde a mais tenra idade, nos bancos escolares, deve-se apontar a direção correta – e única – às crianças, aproveitando da ainda pureza genuína de seus corações. Ensina-se que dois e dois são quatro, que a história é linear e ordeira, que se deve amar a pátria e acreditar, acima de tudo, em suas instituições: justiça é o que o juiz diz, a melhor forma de governo é a já adotada etc. Destarte, ao chegarem à universidade, nada de crítica ou suspeita impertinentes: todos castrados e felizes.
Poderia ser o começo de um romance ou o roteiro de um filme – e o é deveras. No entanto, ainda assim, o romancista e o diretor não podem olvidar da “realidade”; bem por isso, não o fazem. Identificando o objeto, demo-lo nome: Z – A orgia do poder. Filme baseado no romance homônimo de Vassilis Vassilikos e dirigido por Costa-Gavras. Nas linhas que se seguem, procuramos discorrer sobre o filme fazendo aproximações com o Direito.
No limiar do filme, quando os militares discutem sobre a necessidade de pulverização dos homens e de suas ideologias, um ponto importante nos salta aos olhos, qual seja: a universidade como local para aplicar tal pulverização. Destarte, importante lembrar do que nos diz Luís Alberto Warat: o ensino (jurídico) é a fonte do Direito [1]. É através do ensino que se impõe determinado conhecimento, fazendo com que os futuros juristas tomem suas ações com base no que fora apreendido em sala de aula. Diz-nos Warat que ensinar é impor, é invadir, doutrinar, disciplinar, controlar, desumanizar. Ou seguindo Marcuse, ensinar é formar um homem unidimensional. E no Direito, esse caráter unidimensional é tão patente quanto latente; como se, para agir dentro das “possibilidades jurídicas”, tivéssemos que adotar sempre a mesma postura, transformando-nos em “juristas robotizados” [2].
Ivan Illich [3], ao sugerir uma sociedade sem escolas, chamou-nos a atenção para o antagonismo entre escolarizar e humanizar, ou seja, escolariza-se para desumanizar-se. Quiçá, no Direito, mais do que em qualquer outra área, o que encontramos são seres escolarizados, “desumanizados” e disciplinados para agir conforme os interesses do Estado, possibilitando a perpetuação desses valores impostos pelos donos do poder. Quando, no filme, os militares vaticinam sobre a importância de começar a controlar desde a escola e universidade, é para não dar margem à discussão e a criação de novos valores. Daí que alguém sentencia: “vivemos num país em que a imaginação é suspeita”. Decerto, não se pode pensar sob pena de questionar o já estabelecido; por isso então a escolarização, a doutrinação. “E se eles escolherem ser livres, aqui?” – perguntam ao general. É a liberdade dos contestadores que o Império (Warat) teme!
Importante dizer, já que estamos a falar de Direito a partir do filme, a importância do ventre mágico engendrado nas salas de aula universitárias. Seguindo as lições do mestre Warat, ventre este que possibilita a suspensão da “realidade” e dos conflitos que integram o nosso meio. Dessarte, resguarda-se os futuros juristas desse ambiente, colocando-os num mundo de faz de conta, onde reina a paz e felicidade cabal. Qual no filme, tudo vai se arrumando sem transparecer, de tal maneira que os conflitos passem a ser ocultados. O controle produzido pela escola de Direito faz com que vejamos o mundo tal qual os funcionalistas: um lugar onde a ordem é a paz e a inércia e que “toda mudança social radical é uma disfunção, uma falha no sistema, que não consegue mais integrar as pessoas em suas finalidades e valores” [4]. Assim, passamos a olhar o conflito como manifestação de patologia social.
Sendo, pois, o ensino jurídico a principal fonte do Direito, ela se manifesta ao produzir o que o Warat chama de sentido comum teórico dos juristas [5]. Sentido este que o próprio autor define como “um conjunto de representações, imagens, noções baseadas em costumes, metáfora e preconceitos valorativos e teóricos, que governam seus atos (dos juristas), suas decisões e suas atividades”. Desse modo, é a partir de sentido comum que as lições, vomitadas pelos professores, desempenham um grande papel dentro da eficácia controladora, elaborando uma espécie de concepção única do Direito. Daí em diante, todos os valores-ídolos são adotados pelos bacharéis que, ao saírem da universidade, propalarão, aos quatro cantos, a igualdade, a liberdade, a fraternidade, a uniformidade, a segurança etc.
Só há revolução com riscos. No filme, o deputado diz conhecer todos eles. Em sendo assim, no que concerne ao Direito, uma pergunta insiste em pulular: não será esses riscos que extingue o número de combatentes? Seguindo a lição do mestre Luís Eduardo, chega uma hora em que devemos escolher um lado, eleger uma posição. E essa escolha acontece todos os dias: o juiz que tem de sentenciar para um dos dois lados; o advogado que segue seus valores para tentar o “impossível” etc. Lembrando Sartre, temos de reconhecer as nossas limitações para não nos socorrermos do “benefício da dúvida” [6]. Até porque é a escolha entre lutar, mesmo em meio a todos os riscos, e não lutar que revela o homem cuja ideia não aderira ao corpo. É, pois, necessário aderir a um lado e saber que, a partir daí, um rochedo cairá atrás de nós na estrada e a destruirá; não poderemos mais voltar [7].
Outrossim, superado o reconhecimento dos riscos, necessário, também, transpor os limites da ingenuidade. “Agir legalmente”, eis o discurso dos incautos. Como “agir legalmente” contra os inescrupulosos? Obediência no desobedecer? Conduzir-nos adstritos à legalidade criada pelo nosso próprio inimigo? Não sendo o Estado o povo, há se lutar com as próprias armas e criando outra “legalidade”.
A partir do filme, façamos a seguinte pergunta: para que e quem o Direito? Na cena em que os organizadores do comício vão à sala dos militares em busca de autorização para realizar o evento, o coronel lhes diz: “minha decisão se baseia em relatórios competente”, acrescentando, “sou neutro”. Ora, não são esses, dentre outros, os valores-ídolos do Direito: a verdade e a neutralidade? A imagem de uma justiça neutra e justa. Por isso – mais uma vez – para quem? Encontramos, quiçá, na pergunta do deputado, uma resposta para tal pergunta: “por que são sempre os nossos que são mortos?”. Em outra cena, o general fala em “valor jurídico”. Mas o que é que tem tal valor senão o que eles próprios dizem haver?
Por outro lado, olhando o Direito através da personagem do magistrado, vislumbramos o combate entre a oportunidade de “sucesso” pela subserviência e a oportunidade de “trapacear os próprios trapaceadores”, como diria o mestre Luís. Em meio a esse conflito, o general pergunta ao juiz: “vai desacreditar a polícia e a justiça?”. Vê-se, nesse jogo entre Direito e Política, a preocupação com a vil aparência responsável por manter erigidas e intactas as colunas da ordem. No entanto, há se perguntar: ainda são elas credíveis? Quanto à Justiça, se quisermos responder a esta pergunta, perguntemos a resposta ao morador de rua, ao presidiário e a todos os pobres coitados entregues a sorte da caridade.
Já no final do filme, é dito ao magistrado: “é o único responsável por sua consciência”. E, talvez, seja esse o papel do juiz: responsabilizar-se pelas suas ações. Por que não? Por que eximir o sentenciador de sua sentença? Qual no filme, os juristas devem ter plena consciência que não prestam nenhum favor à sociedade senão que cumprem com o papel de transformador, dentro de suas limitações, para com o seio social. Os juristas não tem compromisso com a lei exceto quando esta estiver compromissada com a liberdade.
De acordo com o que fora suso escandido, restar-nos-á, apoiado no poeta Leminski, errar o alvo. Errar o alvo que nos prepararam para atingir. Agir, qual Bartleby [8], preferindo não fazer o que já fora predeterminado. Substituir o controle pela poesia e a verdade pela estilística da existência [9]. Enquanto juristas, há que se pensar, despido de toda essa roupagem imposta, qual o nosso papel. Como o juiz do filme, devemos lutar pelo o que acreditamos, ainda que o fim já esteja decidido, ainda que estejamos fadados ao insucesso. Por que não, como Galeano, abrirmos as veias dessa “sociedade mascarada”? Por que não esquecer o funcionalismo e optar por tratar os conflitos abertamente?
Precisamos, portanto, reconhecer que até na ordem há desordem; aprender com Edgar Morin que aquela pede esta que, por sua vez, culmina na organização – não esquecendo que essa relação é cíclica. Passemos, pois, de seres ancilosados, exangues para seres militantes, irrequietos e violentos, posto que ser violento é romper com o que está estabelecido. Assim sendo – só assim -, poderemos ouvir o mesmo que foi dito, pelo advogado – no filme -, sobre o magistrado: “o juiz não se amedrontou”. Ou isso, ou ficaremos com a sentença do poeta Belchior: era uma vez todos nós!
Por: Breno S. Amorim
[1] WARAT, Luís Alberto. Sobre a impossibilidade de ensinar o Direito – Notas polêmicas para a desescolarização do Direito, p. 432.
[2] AMORIM, Breno S. Juristas robotizados. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/24313/juristas-robotizados.
[3] ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas: trad. de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis, Vozes, 1985.
[4] SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica. 5ª ed. Editora Rt, 2010, p. 84.
[5] WARAT, Luís Alberto. Epistemologia e ensino do Direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
[6] SARTRE, Jean-Paul. Sursis, p. 134.
[7] Paráfrase a Sartre, Sursis, p. 149.
[8] MELVILLE, Herman. Bartleby, o escriturário. Trad. por Cássia Zanon. Porto alegre: L&PM, 2008.
[9] WARAT, Luís Alberto. Idem.
Prática Jurídica: júri simulado absolve personagem de filme argentino
Os estudantes do curso de Direito da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (Facape) tiveram uma experiência diferente do cotidiano da sala de aula. Na última semana, eles participaram de um júri simulado em que o réu foi o personagem de um filme argentino. A iniciativa teve como proposta possibilitar o desenvolvimento e a capacidade de apreensão e argumentação dos alunos, além do debate de temas relevantes.
Organizado pelo professor da Facape, Nadielson França, o júri aconteceu baseado em fatos fictícios do filme argentino ‘O segredo dos seus olhos’, dirigido por Juan José Campanella. A atividade integra a disciplina Teoria Geral do Direito, com alunos do 2º período – turmas tarde e noite.
“O evento proposto aos alunos foi um trabalho independente de nota, sem caráter avaliativo, em que os estudantes se dedicaram e o resultado foi excelente, presenciados por todos aqueles que compareceram ao júri”, comentou.
O personagem fictício Ricardo Morales foi absolvido. O júri simulado aconteceu no Fórum Conselheiro Luiz Viana, em Juazeiro. Além dos discentes da Facape, estudantes da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) também prestigiaram o evento.
Por: Brenda Marques, Ascom Facape.
PS: Atitudes como esta do professor Nadielson desmontam o discurso incrível de que a efetiva prática jurídica só seria eficaz se tivéssemos um suntuoso prédio chamado de “Núcleo de Práticas Jurídicas” como se tem apregoado em troca de votos.
Adão Lima de Souza
Agonizar sem doutrina
“Sob cada fórmula jaz um cadáver: o ser ou o objeto morrem sob o pretexto ao qual deram lugar.”(Cioran, Breviário de decomposição)
Ao escrever “O mito de Sísifo”, em 1943, Camus foi criticado por Sartre. Tal crítica, como se sabe, denunciava a má compreensão de algumas lições filosóficas citadas no livro em questão. Para este último, Camus parece não ter compreendido bem Kierkegaard, Jaspers ou Heidegger.
O que escapava a Sartre, porém, é que Camus não se deixava fustigar por essas questões. Como relata Horacio González, em “Albert Camus: a libertinagem do sol” (1982:52-53), essa suposta “não compreensão” dos filósofos da existência ou dos fenomenólogos é decorrente da sua intenção de “literaturizá-los”, de fazê-los colaborar numa outra montagem comandada pela ideia de absurdo retirada de seu exercício da mediterraneidade.
A partir dessa celeuma entre os dois autores, pensemos a nossa academia. Com franqueza. Sabemos, aos que se arvoram à escrita, necessário determinada adaptação aos padrões estabelecidos. É dizer, ou se lê os anais acadêmicos – e os seguem, por óbvio -, ou a obra estará, “ab ovo” (latim, aqui, como ‘carícia acadêmica’), fadada ao insucesso. Isto, claro, dentro dos limites da própria academia. Também nós temos o nosso Índex – ainda que o civilista Caio Mário continue a nos dizer, mesmo depois de morto, que a história não se repete!
Cá, nesta nossa terra depressiva, os setores de pós-graduação ditam o que deve ser escrito e, ato contínuo, lido. Aqui, penso nos doutores universitários, sentados em suas salas climatizadas, em bloco separado do restante da universidade. Penso neles e em seus carimbos – no jogo mansueto e silente de apadrinhamento.
Em conversa com um professor, falávamos sobre um importante jurista nacional. Muito embora tenhamos certo respeito e admiração por tal, o professor Luis Eduardo, ao falar sobre a “dialética negativa”, disse-nos que o excelente Lyra Filho caiu no conto do vigário, ao achar que, em se tratando deste processo dialético, o fim deve ser, necessariamente, “bom”, “glorioso”, “feliz” – Warat, no entanto, ensinara-nos: o final feliz é mentiroso. Vejam, a ingenuidade ataca indiscriminadamente! Mesmo o Lyra Filho viu-se imerso nessa circunferência (acadêmica) que limita as possibilidades interpretativas. Para este, que vos escreve, esta interpretação (de Lyra), que recende a riso de criança, é produto de nossa academia, de seu caráter hermético, para ser mais preciso.
Enfim, qual Camus, é preciso, pois, usar a literatura como instrumento de dinamitação dos espaços resolutos e herméticos da academia. A literatura, dizia-nos o filósofo e literato, é filosofia por imagens. De tal modo, não devemos nos deixar aferrolhados pelas metáforas já bem pobres da universidade. Urge criar novas possibilidades interpretativas, estabelecer o “senso do fracasso”, prelecionado por Bachelard (1996:24), como princípio basilar – e dinamitar as definições fáceis e vetustas. Afinal, como sustenta Cioran, em seu “Breviário de decomposição” (1949:32), a definição é a mentira do espírito abstrato; a fórmula inspirada, (…): uma definição encontra-se sempre na origem de um templo; uma fórmula reúne inelutavelmente os fiéis. Assim começam todos os ensinamentos.
Breno S. Amorim
Mais benefícios para magistrados só em 2016
O projeto de nova Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), que prevê o aumento de prerrogativas e benefícios dos magistrados, não deve ser aprovado até o final deste ano, conforme inicialmente previsto pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. Os integrantes da corte fizeram, pelo menos, cinco reuniões sobre o tema no segundo semestre, mas nenhuma das medidas mais polêmicas entrou em pauta.
O novo texto, elaborado e apresentado no final de 2014 pelo ministro Ricardo Lewandowski a partir de proposta do ministro Luiz Fux, é polêmico ao ampliar gastos do Judiciário, polemizar com o Conselho Nacional de Justiça e com os juízes de primeira instância por não incluí-los em votações para presidentes de tribunais.
Outro ponto de discordância considerado reflexo da ampliação de benefícios da magistratura é um a proposta de emenda à Constituição apresentada pelo senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que estende a influência do Legislativo sobre o Judiciário.
Por um direito que não veste toga
“Meu bem não pense em paz, que deixa a alma antiga.” (Belchior, Voz da América)
Alain Badiou [1], ao analisar o anúncio do evangelho, feito por Paulo, mostra-nos que, diante da categoria acontecimento (como ponto real), a língua é colocada num impasse. Dito de outro modo, como Paulo deveria abandonar, ao mesmo tempo, o “discurso da razão” (dos gregos) e o “discurso do poder” (dos judeus), restou-lhe imperioso o rompimento com os discursos existentes “a fim de que a palavra do Cristo não se torne vã”.
Neste sentido – acreditamos -, caso queiramos anunciar um novo discurso, dentro do direito, é necessário romper com o “discurso da razão” (dogmática jurídica) e com o discurso do poder (lei). Destarte, ao anunciarmos o direito com um outro discurso, comprovaremos que ele não é o “direito da razão dogmática”, tampouco o “direito da lei/poder”. Aqui, pois, exsurge a imprescindibilidade em narrar um direito sem latim e toga, tomados, respectivamente, como símbolos dos dois tipos acima descritos.
Ao destacar o enunciado, tido como mais radical por Badiou – “Deus escolheu as coisas que não são para abolir aquelas que são” -, o filósofo nos diz que é, na invenção de uma língua em que a loucura, escândalo e fraqueza suplantam a razão do conhecimento, a ordem e o poder, onde o não ser é a única afirmação validável do ser articulado pelo discurso cristão. [2] De tal modo, como o apóstulo Paulo, caso intentemos criar uma nova perspectiva dentro do direito, será necessário evidenciar a incompatibilidade entre direito, lei e dogmática (dentro dos termos supramencionados, bem entendido). Neste ponto, a propósito da elisão encetada pelo apóstolo, Paulo se faz incompreensível ao próprio Pascal, outro grande “antifilósofo”. Outrossim, não se nos apresentará como novidade aquele que, mesmo em busca de um“novo direito”, não alcance o entendimento do que, aqui, vai formulado como proposta.
Dentro desta perspectiva, importante salientar uma interessante divergência entre Paulo e Pascal, explicitadas por Badiou. O primeiro rejeita qualquer hipótese de “mediação” entre o acontecimento Jesus Cristo e o próprio Deus de outrora. Para este, tal acontecimento aparece como completa supressão com os discursos anteriores, portanto, exclui-se toda e qualquer forma de continuidade. Permitir, pois, na ótica do apóstulo, que exista determinada“mediação” é o mesmo que reconhecer a “legalidade do pai”, ou, como preleciona Badiou, uma surda negação da radicalidade pertinente ao acontecimento. Trazendo para o direito, o que podemos considerar? Ora, na tentativa de erigir o “novo”, não nos parece concebível a introdução do “velho”. De outro modo, esbarraremos no que o Maffesoli chama de“novidades que já nascem velhas”. No entanto, é preciso atenção, para nós, enquanto militantes de uma “nova ideia de direito”, não é velho o que, embora com o seu “acontecimento” no passado, apresenta-se com vida, pulsante. Assim, é-nos novo a Nova Escola Jurídica, do excelente Roberto Lyra Filho, o qual deixou uma frase a ecoar, a saber: direito nunca ‘é’, definitivamente, e sim ‘vir a ser’, na prática evolutiva. Ao revés, é-nos retrógrada toda essa ladainha verborrágica que, ao tempo em que anuncia uma suposta postura crítica, um senso incomum, tem como porto o ludíbrio dos ingênuos e alimentação da própria fatuidade.
Só assim, libertando o direito das amarras que o prende em discursos já consagrados, possibilitaremos um grande encontro entre este e a linguagem das ruas (já iniciado pelo “direito achado na rua”). Sem brocardos jurídicos, enquanto representação do poder, faremos com que o direito alcance“meninos”, como os da obra de Graciliano Ramos [3], detentores de um léxico tão escasso quanto a comida que lhes alimenta.
Por último, uma nova visão do direito (repetição kafkiana da palavra) reclama, desespera por uma negação à dogmática senil na tenção de erigir uma nova construção sobre (no sentido de destruir) o que representa o“discurso da razão”. O jurista, enfim, haverá de ouvir o poeta Manoel de Barros: “Aprendo com abelhas do que com aeroplanos./ É um olhar para baixo que eu nasci tendo. / É um olhar para o ser menor, para o/ insignificante que eu me criei tendo./ O ser que na sociedade é chutado como uma/ barata – cresce de importância para o meu olho./ Ainda não entendi por que herdei esse olhar/ para baixo./ Sempre imagino que venha de ancestralidades/ machucadas./ Fui criado no mato e aprendi a gostar das/ coisinhas do chão -/ Antes que das coisas celestiais./ Pessoas pertencidas de abandono me comovem:/ tanto quanto as soberbas coisas ínfimas.”. [3]
Breno S. Amorim é estudante de Direito da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina.
Fonte: http://justificando.com/2015/08/17/por-um-direito-que-nao-veste-toga/