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O violão de Dilermando Reis

disco Dilermando Reis

“Você gosta de ouvir violão? Seu Raulino gostava desse disco. Leve para você, é bom ouvi-lo tomando uma cervejinha”.

Foi com esses cuidados que tio Evandro presenteou-me este belo LP do violonista Dilermando Reis. Logo ele, cercado de tantos Chico Buarque, Caetano Veloso e Nelson Gonçalves, apresentou-me uma discografia desconhecida, ilustrando a capa do vinil “Gotas de Lágrimas” com uma bela mulher em pranto.

Tio, confesso que não estou bebendo aquela “cervejinha” que tanto gosto, cheguei a pouco da faculdade e a madrugada que se rompe pede doses fartas do melhor “amigo engarrafado do homem”, como bem recomendava Vinícius de Moraes com seus “uisquezinhos”.

Embora o ruído da antiga vitrola seja persistente, neste momento, além de um par de ouvidos enfeitiçados com a maestria de cada acorde, estou munido de uma caneta, papel e o entusiasmo de quem acredita na locomotiva da poesia, ainda que os trilhos sejam escorregadios e incertos.

Propositalmente, escolhi uma rapsódia infantil que, aos poucos, cantarola uma calmaria no vão que se abre dentro de mim, como se cada dedilhada do músico pudesse desatar os nós que prendem minhas raras meninices, abrindo, sem pressa, um quintal perdido e uma escrita sustentada de esperanças.

A próxima faixa musical, acertadamente, chama-se “Nossa Ternura”. Cativa-me essa bela valsa, trazendo uma leveza meiga nesta crônica, exigindo-me uma destreza em cada letra que me lanço, como se a poética dependesse de suas asas frágeis para que possa levitar um sonho perfeito.

Do outro lado do disco, há uma valsa chamada de “Eterna Saudade”, com tons mais melancólicos, quase nos arrancando a lona do tempo, como se saltitasse na minha pele o ardor de quem perdeu o equilíbrio no trapézio de suas promessas, de quem se esquiva entre uma estação em ruínas e ainda espera uma carruagem quimérica.

No entanto, é a primeira canção que me comove: “Gotas de Lágrima”. Mesmo com um canteiro de metáforas ao meu lado, já faz horas que tento descrever algo e não consigo, apenas sentindo um embalo inesperado, capaz de derramar o que resta de mim nesta lua de outono que, na ameaça do alvorecer, despede-se como uma rabiola prateada, talvez também emocionada com o orvalho que sai de minha vitrola.

Um brinde ao bom gosto de Seu Raulino. Obrigado pelo presente, tio. Bravo, Dilermando Reis, graças a você sinto-me como Maiakovski, confundindo a ciência da anatomia, pois sou todo coração.

 Edmar Conceição é cronista do site: http://www.escritica.com