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Quem nós vamos perseguir no futuro?
Parece-nos que se há alguma verdade é que a terra gira. E gira com rapidez tremenda, fazendo, sem cessar a história se repetir, ora como inaugural, ora como pura farsa mesmo. Se voltarmos um pouco no tempo, revirando o baú da história, logo encontraremos um sem número de eventos que demonstram com rigor matemático a nossa condição de insetos dando voltas entorno da lâmpada.
Nossa gente, especialmente, parece ter uma enorme propensão para se insurgir contra coisas irrelevantes como episódios frívolos ocorridos em partidas de futebol ou campanhas publicitárias que tratam de maneira leve e descontraída assuntos polêmicos geradores de dissidências na sociedade brasileira.
É o caso mais recente do comercial da Boticário, onde, em comemoração ao dia dos namorados, são exibidos quadros breves com cenas representativas da diversidade dos relacionamentos amorosos em voga hoje em dia. O curioso, então, é o estardalhaço feito em torno deste comercial. É muito barulho por nada. Os momentos retratados ali são de uma dilapidação tão cuidadosamente talhadas que não causaria estarrecimento nem no mais pudico dos censores de outrora – da ditadura brasileira à inquisição Católica -, bem menos afrontosa à tradicional família que as cenas quase explícitas de sexo explícito livremente veiculadas em qualquer novela da televisão, da novela das oito à Malhação festejada pelos nossos filhos e filhas.
Todavia, como dito anteriormente, a história se repete, porém, a farsa deixa a história mal contada. Na década de 1960, uma cena causou imenso alvoroço nos conservadores pela suposta imoralidade que exibia e o ataque direto e letal aos valores tradicionais da família. A cena trazia, simplesmente, a atriz Leila Diniz, numa praia, de biquíni, exibindo a sua gravidez, o que se transformou num grande escândalo da época. Depois, o choque maior quando a atriz afirmou, em entrevista, que transava de manhã, de tarde e de noite. Foi o estopim de uma ação reacionária contra as liberdades individuais em defesa da Tradição e da Família.
Recuando um pouco, encontramos Chiquinha Gonzaga, apontada como inimiga da família e dos bons costumes no século dezenove porque ousou cantar algumas polcas e marchinhas carnavalescas num tempo em que somente aos homens era dado o direito de participar ativamente nos negócios da sociedade patriacalista e perversa. Neste mesmo século, o escritor Oscar Wilde foi condenado à prisão por ser homossexual, no Reino Unido.
Mais adiante, já em plena era das sociedades republicanas modernas, seriam os negros impedidos de frequentar os lugares e os mesmos ônibus que os senhores brancos pelas mesmas razões de proteção da tradição e da família.
Contudo, tudo isso foi ou está em rota de superação.
Então, conforme se vê, estamos sempre buscando frear movimentos inevitáveis ao suscitar à defesa de valores que, em muitas ocasiões, nem nós mesmos acreditamos mais. Porque, em verdade, a nossa hostilidade serve somente para ocultar a incapacidade que alimentamos de lidar com a diversidade, ou, quem sabe, conter o medo de sucumbirmos às vanguardas por algum desejo inconsciente que relutamos em externar.
De todo modo, a pergunta que não quer calar é sempre a mesma. Ou seja, se os fortes valores que sustentam a família trepidam ante um simples comercial de perfume dedicado aos namorados – e há, inegavelmente, namorados de sexo oposto e do mesmo sexo – quem escolheremos para perseguir quando ser pai ou ser mãe não for mais uma questão de gênero.
Por: Adão Lima de Souza.