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A Copa da exclusão.

ITAQUERÃO

SÃO PAULO – Tainá Salustiano e mais cinco amigos, com idades entre dez e 17 anos, andaram por quase quarenta minutos do centro de Itaquera, de onde moram até a Avenida Doutor Luís Aires, a menos de um quilômetro da Arena Corinthians, para onde pretendiam seguir.

O objetivo era assistir a disputa entre Brasil e Croácia de um telão que, segundo os boatos espalhados pelas crianças do bairro, havia sido montado ao lado do estádio. A aventura, no entanto, parou por ali.

No meio do caminho tinha um bloqueio de Policiais Militares para impedir qualquer passo a mais em direção à arena de pessoas que não tivessem em mãos um ingresso, cujo preço começava em 160 reais – quase um quarto do salário mínimo.

“É muita sacanagem. É nossa única oportunidade de chegar perto de um jogo do Brasil”, lamentava a menina. Mas o grupo não foi barrado sozinho. Os relatos de moradores que não conseguiram se aproximar do estádio eram muitos em Itaquera, bairro pobre da zona leste de São Paulo, onde está localizada a arena de inauguração do Mundial de 2014.

O bairro onde vivem cerca de 624.000 pessoas, com 291 favelas e a menor renda familiar da cidade, foi quase isolado nesta quinta-feira por bloqueios policiais. Uma questão de segurança, explicou um deles. “E, também, se deixassem todo mundo passar viraria bagunça”, completou.

 Fonte: EL País

Futebol e Política

FAVELAS

O futebol no Brasil sempre teve uma relação íntima com a política e foi utilizado em grande medida durante a ditadura militar (1964-1985) para configurar o ufanismo de uma nação construída por negros, índios, portugueses, e tantas outras nacionalidades. A construção da identidade foi questionada na época pelos intelectuais, que entendiam que torcer pelo Brasil era torcer por um regime com o qual discordavam. Tanto foi assim que o meia Zico não compôs o time olímpico em 1972 nem a seleção em 1974, justamente pelo histórico opositor de seu irmão, o centroavante do Fluminense, Fernando Antunes Coimbra, que contou sua versão dos fatos recentemente em uma mesa redonda no Museu da Resistência, em São Paulo.

Um esporte de origem amadora que conseguiu superar as barreiras elitistas de berço para cair no gosto popular era o instrumento ideal para agregar e unir pessoas em torno de um ideal comum: conquistar a Copa do Mundo. O campeonato foi usado também pelos governos de Juscelino Kubitschek e João Goulart, que se aproveitaram das situações favoráveis da seleção de 1958 e 1962, com os memoráveis Pelé e Garrincha no elenco.

“É por isso que dizemos Brasil ao invés de seleção brasileira. É como se o país estivesse em campo”, explica Flávio de Campos, coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Sobre Futebol da Universidade de São Paulo.

O fato de o evento ser realizado no Brasil fez com que todos os problemas nacionais se evidenciassem – e não somente para os brasileiros. A agenda esportiva está vinculada à política desde 2007, ano em que o Brasil soube que seria a sede da Copa. E o futebol, neste caso, dramatiza todos esses conflitos sociais. “A tendência é que este mau humor dos movimentos populares, dessa mobilização social que é também uma desmobilização torcedora, seja ampliado” até o final da Copa, afirma Campos.

A metáfora de um time de futebol, formado muitas vezes por jogadores de origem humilde, pode ser a metáfora de um Brasil que também está chutando a bola para superar a pobreza – e todos os demais problemas.

HOLANDA 5 X 1 ESPANHA: O show de Robben

HOLANDA

Na Bahia, o colapso foi total, um inferno. Um cataclismo completo. A Espanha recebeu uma ofensiva holandesa de marcar época, e acabou na lama em um caótico segundo tempo. E poderia ter sido muito pior. A pancada, com essa diferença de gols, deixa a Espanha com um caminho com muito mais do que espinhos. Para começar, sua passagem à segunda fase já corre risco, assim os espanhóis definiram a derrota da “Fúria”para a Holanda.

A Holanda se vingou com sanha da derrota de quatro anos atrás, na África do Sul, e, com Robben à frente, deixou a Espanha com as calças na mão, feito um boneco de pano a mercê de um adversário que, no segundo tempo, foi um enxame. Não houve espanhol reconhecível. Nem uma migalha dessa equipe que competiu de forma sublime na Eurocopa de Viena. A Espanha foi uma hemorragia, calamitosa em todas as suas linhas, e terminou no chão, como um farrapo. Casillas não era nem a pior sombra de Casillas; Ramos, em sua melhor temporada, parecia estar na pior; Iniesta não era Iniesta… Assim, um após o outro. Costa não foi uma solução, e na costa de Casillas tudo foi grotesco. Não foi só uma tarde ruim; foi uma sessão de terror.

Isto Posto… O legado da Copa: Os elefantes brancos

AMAZONIA

Muito se tem falado dos gastos excessivos na construção de estádios para a Copa no Brasil. Alegando uns que o dinheiro seria mais bem empregado em saúde, educação e segurança. Enquanto o governo, aturdido com as manifestações diárias nos grandes centros do país, tenta rebater as críticas afirmando, em caríssimos comerciais, que o legado existe e é de todo povo brasileiro, já que os investimentos, segundo a propaganda oficial, não se limitaram às arenas, mas, também a realização de obras de mobilidade urbana indispensáveis ao desenvolvimento das cidades sedes.

No entanto, por mais bem elaboradas que sejam as peças publicitárias relativas ao mundial, somado ao renitente e reticente discurso uníssono de nossas autoridades, o povo não conseguiu, ainda, vislumbrar com a mesma euforia do governo e da FIFA a importância desse excepcional legado à modernização desse país habituado ao lodaçal imundo em que se transformou a gestão política de nossas cidades e a desfaçatez com que se lança mão de desculpas esfarrapadas, como se tudo fosse justificável ante a pretensa estupidez de nosso povo.

E é talvez aí, nesse afã equivocado dos políticos de que qualquer mentira calha bem como justificativa, que o cidadão brasileiro encontrou dificuldade enorme de digerir a estratosférica soma de dinheiro gasto com a construção de estádios que sediarão algumas poucas partidas, como as arenas de Manaus, Cuiabá, Natal, Fortaleza, Recife, e depois do mundial ninguém sabe dizer o que será feito delas, já que estão situadas em Estados de nenhuma referência no futebol.

Diante disso, fica a pergunta: Quem assumirá a manutenção desses estádios depois da Copa? Os municípios, cujas finanças são comprometidas pela corrupção e a partilha injusta dos impostos arrecadados pelo Governo Federal? Ou, quem sabe, os Estados que por razões semelhantes as dos municípios, patinam ano a ano nos resultados econômicos pífios? Quiçá o Governo Federal, sempre tão prestativo com os Estados e municípios?

Isto posto, só restará o abandono desses elefantes brancos, se não se puder contar com a generosidade do contribuinte.

Por: Adão Lima de Souza

Foi-se a Copa? – Carlos Drummond de Andrade

foi-se a copa Carlos Drummond de Andrade

“Baixar o cacete nos vândalos”

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O ex-atacante da Seleção Ronaldo Fenômeno afirmou nesta quinta-feira que é preciso “descer o cacete” em manifestantes mascarados que promovam vandalismo durante protestos. A afirmação foi feita durante uma sabatina com o ex-jogador, realizada pelo jornal “Folha de S.Paulo”.

Integrante do Comitê Organizador Local da Copa (COL), Ronaldo disse também que faltou planejamento para as obras de infraestrutura e que sua participação na organização do evento é “mais de imagem”. Esta semana, em entrevista à agência Reuters, ele havia dito que estava envergonhado com o país.

— Acho que os protestos são sempre válidos, os protestantes que vão às ruas pacificamente exigir o direito de cidadão que cada um tem. A partir do momento que têm vândalos no meio, mascarados, a segurança pública tem de conter essas pessoas, esses infratores.

Vamos separar os vândalos, os mascarados de um lado. Na minha opinião, tem que baixar o cacete neles, tem que tirar eles da rua, prender todos eles. Agora, a população manifestar eu acho muito válido, com educação, sem violência — disse Ronaldo.

Ronaldo disse que apenas 30% do prometido em obras de infraestrutura serão entregues até a Copa do Mundo.

Isto Posto… O legado da copa é uma promessa de campanha política

downloadEm virtude dos frequentes protestos, no Brasil e também em outros países, contra a realização da COPA DA FIFA, o governo tem colocado em prática milionários comerciais, a fim de convencer os brasileiros da importância da competição para melhorar a imagem do país no exterior e, sobretudo, do grandiosíssimo legado que o mundial deixará para as cidades sedes em setores como mobilidade, urbanismo e segurança.

Tais propagandas, além da tentativa, até então frustrada, de exacerbar no povo brasileiro o ufanismo comum que o futebol costuma provocar, intenta, concomitantemente, convencer os turistas estrangeiros que não vivemos uma situação de guerra, já que carros militares patrulhando ruas e os cotidianos conflitos armados em praça pública seriam vertentes de uma bem planejada e eficiente política de segurança capaz de salvaguardar a integridade física e moral de qualquer estrangeiro que venha ao Brasil assistir aos jogos da copa.

Assim sendo, diante do que parece ser um inconformismo generalizado, somado ao fracasso dos apelos oficiais ante a dificuldade de explicar as somas astronômicas de dinheiro gasto na construção de estádios e outras obras de pouca ou nenhuma serventia para o trabalhador oprimido nas filas de ônibus e trens precários, morrendo à míngua em hospitais sucateados e sufocado pelos efeitos de uma política econômica desastrosa, o governo tenta creditar, numa demonstração de aparvalhamento e desespero, seu insucesso a ataques da mídia que, segundo o Ministro dos Esportes, torce contra o sucesso da Copa.

Entretanto, em que pese setores da grande mídia, timidamente, reproduzirem matérias de jornais estrangeiros com reportagens nada alvissareiras sobre a capacidade do Brasil em organizar um evento dessa envergadura, o que se vê na imprensa que o governo acusa não colaboração é uma cumplicidade sem precedentes com a malversação de recursos públicos em obras superfaturadas, devido aos interesses comuns com a FIFA.

Isto posto, quão benfazejo seria para o Brasil se o torcedor, entre um jogo e outro da seleção canarinho, parasse e refletisse como seria melhor visto o nosso país pelos estrangeiros se o povo brasileiro ousasse  querer mais que um irrelevante hexacampeonato de futebol, já que os cinco ganhos nada acrescentou a nossa civilidade.

Por: Adão Lima de Souza

Rival do Brasil na Copa, seleção camaronesa ameaça entrar em greve

CAMARÕESA poucos dias de sua estreia na Copa do Mundo, em 13 de junho, contra o México, em Natal, a seleção camaronesa ameaça entrar em greve por divergências entre jogadores e dirigentes em relação à premiação da equipe no torneio.

Camarões, assim como México e Croácia, está no mesmo grupo do Brasil no Mundial e enfrenta a seleção da casa em 23 de junho, na capital Brasília.

Segundo a imprensa local, o ministério dos Esportes e a federação de futebol camaroneses teriam oferecido inicialmente 40 milhões de Francos Centro-Africanos, o equivalente a R$ 50 mil, a cada jogador pela disputa da Copa, valor que foi negado.

A quantia teria sido aumentada para R$ 56,9 mil, e os atletas, liderados pela estrela do Chelsea Samuel Eto’o, novamente rejeitaram a proposta, cogitando não entrar em campo no amistoso do dia 1° de junho, contra a Alemanha, em Moenchengladbach.

Um novo encontro entre as partes é esperado para a próxima quinta-feira.

A seleção de Camarões já entrou em greve anteriormente. Insatisfeitos com o pagamento recebido por um amistoso com a Argélia, em 2011, o time não jogou. Na ocasião, Eto’o, que também comandava o movimento, foi punido pela federação nacional de futebol, junto com outros companheiros.

Como critério de comparação, o site Cameroon-Info afirma que dos vizinhos africanos, a Costa do Marfim dará premiação maior do que a oferecida por Camarões, mas Gana e Nigéria oferecerão menos.

Em entrevista à rádio Equinoxe, Roger Milla, ídolo local, presente nos mundiais de 1982, 1990 e 1994, atacou duramente os dirigentes locais e disse: “Os Leões – apelido da seleção camaronesa – são mal treinados, e o futebol está estagnado por culpa de indivíduos que não têm nada a ver com o ambiente. Nós sabemos que os dirigentes vão para o Brasil para encher os bolsos e levar suas namoradas pro hotel.”

Os rivais da seleção jogam outro amistoso preparatório para a Copa nesta segunda-feira, contra Macedônia, em Kufstein, Áustria.

Mais dor de cabeça

Além dos problemas extracampo, a forma física da equipe camaronesa é motivo de preocupação. Aurélien Chedjou, zagueiro do Galatasaray, lesionou o tornozelo durante treinamento nesse domingo e pode não jogar com os macedônios. Eto’o se apresentou à seleção sofrendo com dores no joelho.

Kana-Biyk, zagueiro do Rennes e Stephan Mbia, volante do Sevilla, recebem tratamento especial também por questão física. O lateral esquerdo, Assou Ekotto, que ajudou o Queens Park Rangers a se classificar para a primeira divisão inglesa, nesse sábado, se junta ao grupo na segunda-feira.

Fonte: MSN

Uma multidão de manifestantes sem-teto ameaça parar o Mundial

COPA“Se não atenderem nossas reivindicações vamos parar a Copa. Se não respeitam nossos direitos, no dia 12 de junho não vai ter inauguração”. A ameaça, hoje recorrente, veio desta vez do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) que protagonizou nesta quinta-feira o terceiro dia de caos nas ruas de São Paulo.

Coordenados com a Frente de Resistência Urbana, qualificaram a marcha como “a maior manifestação do ano na cidade”. A Polícia Militar afirmou que cerca de 5.000 pessoas acompanharam o ato, enquanto os movimentos elevaram o número a 20.000.

“Ninguém tomou chuva e caminhou porque acha bonito”, gritava no final da caminhada um dos líderes do MTST, Guilherme Boulos. “Nós temos uma proposta clara. Não adianta fazer Copa do Mundo sem que sejam respeitados nossos direitos”.

Queremos dizer que a bola está com o povo. “Queremos nossa fatia do bolo e não migalhas”, continuou Boulos antes de atacar também as construtoras que seriam, segundo ele, as principais beneficiadas pelo evento. “Já nos reunimos com Dilma [Rousseff] e com o governador [de São Paulo, Geraldo Alckmin]. Eles não vão poder falar que não sabem o que estamos pedindo”, advertiu.

A ameaça foi clara: “Nos disseram em Brasília que os recursos para moradia acabaram, enquanto os da FIFA não. Ou aparece o dinheiro ou o junho da Copa vai virar um junho vermelho”, em referência à cor que identifica os movimentos populares.

Fonte: EL País

A copa já era! – Parte Final

MortesO presente texto tem o propósito de apresentar onze argumentos, do goleiro ao ponta-esquerda, para demonstrar que a Copa já era! Ou seja, que já não terá nenhum valor para a sociedade brasileira e, em especial para a classe trabalhadora, restando-nos ser diligentes para que os danos gerados não se arrastem para o período posterior à Copa.

10. A culpabilização das vítimas

A respeito do acidente de Fábio Hamilton da Cruz, o Delegado designado para verificação do ocorrido, após ouvir alguns relatos, um dia depois do ocorrido, sem a realização de qualquer laudo técnico, já concluiu que teria havido um      “excesso de confiança “da vítima.

Essa foi, ademais, outra forma de agressão aos direitos dos trabalhadores que a pressa para a realização da Copa acabou reforçando, a da culpabilização da vítima nos acidentes do trabalho.

Ora, como o próprio nome diz, o acidente do trabalho é um sinistro que se dá em função da realização de trabalho em benefício alheio, ao qual, independente da postura da vítima, fica obrigado a reparar o dano, já que o risco da atividade econômica lhe pertence (art. . Da CLT) e, consequentemente, é de sua responsabilidade o cuidado com o meio ambiente de trabalho.

É extremamente agressivo à inteligência humana, servindo, inclusive para fazer prolongar no tempo o sofrimento da vítima ou de seus familiares, o argumento, daquele que explora com proveito econômico o trabalho alheio, de que “vai apurar” o ocorrido, deixando transparecer no ar uma acusação, que nem sempre é velada, de que a culpa pelo acidente foi do trabalhador.

Veja-se, por exemplo, o que se passou no caso do Raimundo Nonato Lima Costa, que morreu após uma queda de 35 metros na Arena da Amazônia. Em nota de pesar pela sua morte, a responsável técnica pela obra não teve o menor receio, inclusive, de fazer uma acusação generalizada aos trabalhadores, apontando-os como responsáveis por sua própria segurança. Diz a nota.

NOTA DE PESAR

A Andrade Gutierrez lamenta a morte do operário Raimundo Nonato Lima Costa, ocorrida na noite desta quinta-feira, durante o turno noturno da obra da Arena da Amazônia. A empresa providenciou apoio imediato à família do funcionário e aguarda o resultado dos trabalhos da perícia técnica que foi iniciada pela Polícia Civil com o objetivo de apurar as causas do ocorrido.

A Andrade Gutierrez reitera o compromisso assumido com a segurança de todos os seus funcionários e informa que intensificará o trabalho de conscientização dos operários com foco na prevenção de acidentes.

Por ocasião da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, na mesma Arena, já mencionada acima, o secretário da Copa em Manaus, Miguel Capobiango, foi além na agressão aos trabalhadores e desferiu o ataque de que as duas quedas fatais até então havidas na Arena tinham sido fruto do” relaxo “dos operários na utilização dos equipamentos de segurança”. “Usar o equipamento de segurança às vezes é chato e nem todos gostam de estar usando. O operário às vezes abre mão por preguiça, então ele relaxa, e é isso que agora nós não podemos deixar”. “Infelizmente, os dois acidentes aconteceram por uma questão básica de não cuidado do trabalhador no uso correto do equipamento.”

E, sobre a morte de Fabio Hamilton da Cruz no estádio no Itaquerão, disse Andrés Sanches: “Na vida, cometemos erros e excessos. Já dirigi carro a 150 km/h. Eu não bebo. Vocês já devem ter dirigido “mamados”. Infelizmente, cometemos erros que acabam em fatalidade. Realmente, é padrão na construção civil.”

11. O retrocesso social e humano da Copa

Bem se vê que o legado maléfico para os trabalhadores brasileiros com a Copa não está apenas nas más condições de trabalho e nos consequentes oito acidentes fatais (não se contando aqui os vários outros acidentes do trabalho que não resultaram em óbito), o que, por si, já constitui um grande prejuízo, ainda mais se lembrarmos que as obras para a Copa da África em 2010 deixaram 02 mortes por acidente do trabalho, está também na tentativa explícita de culpar as vítimas, buscando atingir a uma impunidade que reforça a lógica de uma exploração do trabalho alheio pautada pela desconsideração da dignidade humana.

A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos.

O passo fundamental é o de recuperar a consciência, pois a porta aberta às concessões morais e éticas para atender aos interesses econômicos na realização da Copa tem deixado passar a própria dignidade, o que resta demonstrado nas manifestações que tentam justificar o injustificável apenas para não permitir qualquer abalo na “organização” do evento. Foi assim, por exemplo, que o maior atleta do século XX e melhor jogador de futebol de todos os tempos, o eterno Pelé, chegou a sugerir, mesmo que não tenha tido uma intenção malévola, que mortes em obras são fatos que acontecem, “são coisas da vida” e que se preocupava mesmo era com o atraso nas obras dos aeroportos; que o competente e carismático técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, ainda que sem querer ofender, afirmou que a solução para o problema do racismo no futebol é ignorar os “babacas” que cometem tais ofensas, pois puni-los não resolve nada; e que o Ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, cogitou pedir para que os cidadãos brasileiros economizassem energia a fim de que não faltasse luz na Copa.

A postura subserviente, para satisfazer os interesses da FIFA, chegou ao ponto extremo de algumas cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal e Fortaleza, terem atendido pedido feito, com a maior cara de pau do mundo, pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, para que as cidades sedes de jogos da Copa concedessem transporte gratuito – algo que o Movimento Passe Livre está lutando, e sofrendo, para conseguir há anos –, sendo que a concessão, diversamente do que tem buscado o MPL, não se destina às pessoas necessitadas, mas aos torcedores dos jogos da Copa, que possuem condições financeiras para pagar os altos preços dos ingressos, que chegaram a ser vendidos, no paralelo, por até R$91 mil…

É de suma importância deixar claro, para a nossa compreensão e para a nossa imagem no mundo, que temos a percepção de todos esses problemas, que não o aprovamos e que estamos dispostos a enfrentá-los e superá-los.

O autêntico efeito positivo da Copa – realizada, ou não – será a constatação de que a classe trabalhadora se encontra em um estágio de consciência que lhe permite compreender que a Copa reforça e intensifica a lógica da exploração do trabalho como fonte reprodutora do capital, favorecendo ao processo de acumulação da riqueza, ao mesmo tempo em que permite a institucionalização de uma evasão oficial de divisas. A partir dessa compreensão, a classe trabalhadora não se deixará levar pela retórica de que o dinheiro dos turistas vai estimular o crescimento e gerar empregos, até porque ao se inserir na mesma lógica capitalista o dinheiro não é revertido à classe trabalhadora, à qual apenas é remunerada, sem o necessário equivalente, pelo trabalho prestado, direcionando-se, pois, a maior parcela do dinheiro em circulação em função da Copa às multinacionais aqui instaladas, especialmente no setor hoteleiro e nas companhias aéreas.

Cada trabalhador, pensando em sua atividade e em seu cotidiano de ganho e de trabalho durante a Copa, ou antes, que responda: teve ou terá algum ganho na Copa que não provenha do trabalho? Este trabalho é prestado em que condições? O eventual acréscimo de ganho está ligado ao aumento da quantidade de trabalho prestado? Que o digam, sobretudo, os jornalistas!

Claro que uma ou outra experiência comercial exitosa, desvinculada da dos protegidos da FIFA, pode ocorrer, mas isso por exceção. E, cumpre repetir: mesmo que no geral a Copa produza resultados econômicos satisfatórios, não se terão, com isso, justificadas as supressões da ordem jurídica constitucional, já havidas no período de preparação para o evento, e as violências sofridas por diversas pessoas, e, em especial, a classe trabalhadora, no que tange aos seus direitos sociais e humanos.

Este é o ponto fundamental: o de não permitir que a Copa e a violência institucional posta a seu serviço furtem a nossa consciência, que está sendo duramente construída, vale lembrar, após 21 anos de ditadura, seguida de 15 anos de propaganda neoliberal. A produção dessa consciência é extremamente relevante para que o drama das diversas pessoas, vitimadas pela Copa, não se arraste por muito mais tempo, sofrimento que, ademais, só aumenta quando, buscando não abalar eventual euforia da Copa, se tenta desconsiderar a sua dor, ou quando, partindo de uma perversão da realidade, argumenta-se que as pessoas que são contra a Copa (mesmo se apoiadas nos motivos acima mencionados) fazem parte de uma conspiração para “contaminar” a Copa, apontadas como adeptas da “violência”, sendo que para a ação dessas pessoas (que, de fato, carregam um dado de consciência), o que se reserva é o contra-argumento da “segurança pesada”.

O desafio está lançado. O que vai acontecer nos jogos da Copa, se a “seleção canarinho” vai se sagrar hexa campeã, ou não, não é decisivo para a história brasileira. Já o tipo de racionalidade e de reação que produzirmos diante dos fatos sociais e jurídicos extremamente graves relacionados ao evento vai, certamente, determinar qual o tipo de sociedade teremos na sequência. Boa ou ruim, a Copa acaba e a vida concreta continua e será boa ou ruim na medida da nossa capacidade de compreendê-la e de interagir com ela, pois como já disse Drummond:

Foi-se a Copa? Não faz mal. Adeus chutes e sistemas. A gente pode, afinal, cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos? Perdura a inflação de fato. Deixaremos de ser tontos se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio, havendo tenacidade, ganhará, rijo, e de cheio, A Copa da Liberdade.

*Jorge Luiz Souto Maior – professor livre-docente da Faculdade de Direito da USP e membro da AJD – Associação Juízes para a Democracia.