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O Código Tributário Nacional (CTN) e a Teoria da Recepção: duas incompreensões frequentes.
Conforme os ensinamentos de Ricardo Alexandre, em seu Direito Tributário Esquematizado, dois enganos clássicos se revelam nas afirmativas frequentes sobre a recepção do Código Tributário Nacional como norma geral em matéria tributária.
O primeiro engano decorre da afirmação que diz que o Código Tributário Nacional foi editado como lei ordinária e se transformou em lei complementar com a Constituição Federal de 1988. Tal erro, no entendimento do doutrinador citado, decorreria de uma incorreta compreensão do fenômeno da recepção normativa.
Pois que, quando se edita uma nova Constituição, um novo Estado é criado. Mesmo se admitindo que geográfica, histórica e sociologicamente se trata do mesmo Estado, juridicamente – aspecto relevante para compreensão do tema – trata-se de um novo Estado, pela nova ordem inaugurada.
Assim, um novo ordenamento jurídico é inaugurado, levando a conclusão mais apressada e, por isso, errônea de que todas as normas anteriores estariam automaticamente revogadas. O que geraria, na visão do tributarista, um verdadeiro caos, pois, a título de exemplo, enquanto não editada a legislação infraconstitucional, nada seria crime e nenhum tributo existiria, já que as tipificações de condutas e situações como crimes ou fatos geradores de tributo dependem de lei.
Diante de tão assustadora possibilidade, para evitar o caos visualizado, insurge-se a Teoria da Recepção, asseverando que normas materialmente compatíveis com a nova Constituição seriam por esta recepcionadas, passando a ter o mesmo status da espécie legislativa exigida pela nova Carta para disciplinar a matéria.
Deste modo, recepcionada uma lei ordinária que trata de uma matéria cuja disciplina o novo ordenamento atribui à lei complementar, a lei ordinária não deixa de ser ordinária, mas passa a ter status de lei complementar, somente podendo ser revogada ou alterada por esta espécie normativa.
Logo, seria mais correto afirmar que as normas gerais em matéria tributária constantes do CTN têm, hoje, status de lei complementar, só podendo ser alteradas por lei complementar. O que tornaria incorreto afirmar que o CTN é lei complementar, já que apenas lhe foi conferido, pelo alcance da Teoria da Recepção, o status de lei complementar.
O segundo engano adviria da afirmativa incorreta de que o CTN passou a status de lei complementar somente com o advento da Constituição Federal de 1988. Tal equívoco se evidencia pela análise da vida jurídica (vigência) do Código Tributário Nacional, desde a sua edição até os dias atuais.
A Lei 5.172 que instituiu o Código Tributário Nacional, inicialmente denominada de “Lei do sistema tributário Nacional”, data de 25 de outubro de 1966, período de regime político ditatorial no Brasil. Esta lei é da espécie ordinária, embora naquele tempo, se prestasse instituir normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios, conforme afirma sua ementa.
Editada a lei 5.172/1966, alguns meses depois fora publicado o Ato Complementar 33, de 13 de março de 1967, que a denominou “Código Tributário Nacional”, ainda quando estava em vigor a Constituição Federal de 1946, que não previa a figura da lei complementar.
Dois dias depois, em 15 de março de 1967, entrou em vigor a Constituição Federal de 1967, criando no direito brasileiro a figura da lei complementar, cujo art. 19, § 1º previa:
Art. 19 (…), § 1º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário.
Por isso, afirma o doutrinador citado que o CTN tem força de lei complementar desde 15 de março de 1967, devido a sua recepção pela Constituição Federal que entrava em vigor naquela data e não apenas com a Carta promulgada em 1988, como insiste em afirmar alguns doutrinadores. E desfazer este engano é questão fundamental, pois todas as normas gerais m em matéria tributária editadas a partir de tal data devem ter como veículo normativo a lei complementar, sob pena de inconstitucionalidades, a exemplo das decisões dos tribunais brasileiros, nas quais se tem considerado inválidas disposições constantes da Lei de Execuções Fiscais conflitantes com o Código Tributário Nacional de 1980, pela natureza de ordinária desta lei ante a recepção da lei 5.172/1966 como lei complementar pela Constituição de 1967.
Por fim, a maneira correta de se referir ao fenômeno ocorrido com o CTN é afirmar que foi editado como lei ordinária (5.172/1966), tendo sido recepcionado com força de lei complementar pela Constituição Federal de 1967, e mantido tal status com o advento da Magna Carta de 1988, visto que tanto esta como aquela Constituição Federal reserva à lei complementar a veiculação das normas gerais em matéria tributária, a regulação das limitações ao poder de tributar e as disposições sobre conflitos de competência[1].
Adaptado por: Adão Lima de Souza
[1] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. São Paulo: Método, 2009, p. 187/190.