Tag Archives: Antonio Pessoa

RAUL HAIDAR: Profissionais do Direito deveriam ouvir mais heavy metal

JustiçaTão logo o homem resolveu instalar-se numa caverna para proteger-se das intempéries e de animais ferozes, verificou a necessidade de criar algumas normas para que a vida em comunidade fosse viável.

Como os adultos necessitavam de alimentação, eram obrigados a sair à caça, enquanto crianças, velhos e mulheres deveriam permanecer protegidos. Essa proteção tinha que ser feita por alguém da tribo, cabendo-lhe parte da caça obtida por todos.

Essas relações geravam alguns conflitos, no primeiro momento resolvidos pela força. Depois, todos se convenceram da necessidade de adotar uma forma de solução que não dependesse apenas da força bruta. Criou-se a Justiça. Os que disso cuidavam também deveriam ser de alguma forma premiados como compensação pelo esforço. Surgem os honorários e as custas. Justiça custa caro, mas sua falta custa mais.

Não podemos hoje imaginar a civilização sem mecanismos de justiça e estes devem ser fortes o suficiente para que sejam aceitos e respeitados, mas não se lhes podemos atribuir o poder absoluto, capaz de corromper a sociedade a que se comprometeu a proteger.

Juram os advogados quando recebem o grau que lhes dá a fé, necessária para exercer a profissão que o artigo 133 da Constituição afirma ser indispensável à administração da Justiça:

“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.

Quem faz esse juramento não quer Justiça para si mesmo, para seus clientes ou para seu país: quer Justiça para Todos. Tal expressão tem grande relevância política e filosófica, ancorando-se nos principais estatutos políticos da humanidade, a começar para Declaração Universal dos Direitos Humanos. Realmente, não há civilização sem Justiça.

As artes, em suas diversas manifestações, enaltecem o valor da instituição representada pela deusa Themis. No cinema, por exemplo, tem destaque o filme de 1979, estrelado por Al Pacino, indicado para o Oscar. Hoje um programa de TV mantido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil na TV aberta, o abraça ao adotar o nome de Justiça para Todos.

Mas a arte não é privilégio deste ou daquele grupo de pessoas. Ela é universal, apresenta-se com as mais diferentes roupagens e sempre tem valor, desde que cumpra sua finalidade básica: transmitir emoções.

Nesse contexto é que se pode encontrar a reflexão de jovens apreciadores do chamado heavy metal — ou rock pauleira. Vejamos, por exemplo, a letra de James Hetfield, vocalista e guitarrista da banda Metallica, para a melodia alucinante da música “…and Justice for All” (“…e Justiça para Todos”). Parece-nos que tudo o que se transmite na letra é verdade.

Dentre outras, estas frases levaram as platéias ao delírio nos memoráveis shows da banda: “O martelo da Justiça te esmaga”; “A senhora Justiça foi violentada”; “Lobos poderosos cercam sua porta”; “Eu não posso acreditar no preço que nós pagamos” e “Nada pode nos salvar”. Impressiona-nos também a cena no final do DVD de um show: a imagem da Justiça é totalmente destruída.

Advogados e demais operadores do Direito talvez devessem prestar mais atenção no que cantam e dizem os jovens de idade ou de espírito que assistem shows de heavy metal. Seus sonhos e pesadelos são quase sempre os mesmos que nos acalentam ou assustam. Em 2013, chegou a ser organizada uma petição online para que o hino nacional brasileiro fosse trocado pela música da banda americana. Mais de 8 mil pessoas apoiaram a ideia de trocar a platitude do “céu risonho e límpido” pela contundência do clamor por “Justiça para todos”.

Quando o Metallica afirma que “o martelo da Justiça te esmaga” aponta, certamente, as decisões equivocadas que muitas vezes são mantidas em todas as instâncias, pela interpretação distorcida da realidade ou pelo exagero das formalidades que transformam o meio em um fim em si mesmo. Esse martelo ignora os dramas dos destinatários da Justiça e esmaganão apenas as pessoas, mas os próprios alicerces da sociedade, sobre os quais a própria Justiça está amparada.

Afirma ainda a letra que “a senhora Justiça foi violentada”. Como isso é verdade! Ela é violentada pelos que a deturpam, pelos que a colocam abaixo de interesses mesquinhos, pelos que imaginam poder transformá-la em moeda de troca para alguma coisa.

Os tais “lobos poderosos cercam sua porta” são aqueles que usam a Justiça como simples instrumento de lucro, que não se importam se os processos se amontoem, desde que seus cofres se mantenham cheios.

As outras duas frases também merecem reflexão. “Eu não posso acreditar no preço que nós pagamos” certamente é o que diz aquele que paga custos desproporcionais e de forma adiantada por um serviço que a sociedade deve dar, mas não sabe quando e se o receberá. Também faz sentido dizer que “nada pode nos salvar” se nós, os que escolhemos os que poderiam pensar no salvamento, ainda não aprendemos a fazer nossas escolhas. Vamos em frente. Não existe civilização sem Justiça. Talvez este país ainda não seja civilizado. Mas um dia chegaremos lá.

Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

OS BOMBEIROS, A VIGILÂNCIA E OS FÓRUNS

antoniopessoa-270x300A imprensa carioca noticiou, nesse mês de agosto, que, mais da metade dos fóruns do Rio de Janeiro, funcionam sem projeto de segurança contra incêndio e pânico, portanto sem o certificado de aprovação do Corpo de Bombeiros.

O Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Rio – Sind-Justiça – encarregou-se de denunciar ao CNJ tamanho descuido. O coordenador da entidade disse que ofato é “uma falha administrativa grave” e que “vai mobilizar os 14 mil servidores para que o TJ apresente o plano de segurança nas comarcas contraincêndios”. A OAB acionou o Ministério Público que poderá promover ação civil pública e Termo de Ajustamento de Conduta (TAC); a Ordem acionará o tribunal no Conselho Nacional de Justiça.

Ninguém imagina o embaraço que o Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado da Bahia – SINPOJUD – causará ao Judiciário baiano se enfrentar essa demanda, muito séria e estimuladora de impedimento de acesso do povo à Justiça.

Temos fóruns construídos pelo Tribunal, alugados pelas Prefeituras e em comodato; estão instalados em casas velhas, Canarana, em galpões abandonados, Sobradinho, em casas, originalmente destinadas para residências dos juízes, aproveitadas para funcionamento de todos os cartórios, Ibirapitanga; todos sem a mínima condição para o trabalho.

Não existe segurança nos fóruns da Bahia, haja vista as invasões, os roubos, as destruições. Nesse ano de 2014, o fórum de Santa Rita de Cássia, no oeste do Estado, foi invadido, arrombado o cartório da vara Criminal e levados revólveres do local; ainda no corrente ano, em Morro do Chapéu, através de uma das janelas, bandidos apropriaram de boa quantidade de maconha apreendida; no sul, no outro extremo do Estado, em Alcobaça, no ano passado, os marginais penetraram na casa que serve de fórum e levaram revólveres, espingardas, porção de crack e cocaína, além de dinheiro em espécie.

Além da falta de segurança, que causa o medo, registra-se também as dificuldades para acesso ou saída emergencial de muitos fóruns; uns com escadas íngremes que dificultam a entrada.

As irregularidades não param por aí: existem muitos fóruns, onde a rede elétrica é precária ou oferece risco à vida, Jacobina e Curaçá.

Essas referências já seriam suficientes para a autuação e interdição pelos Bombeiros de muitos fóruns da Bahia.

Mas as irregularidades não ficam adstritas à competência do Corpo de Bombeiros. Necessário o chamamento da Vigilâcia Sanitária.

Na área de saneamento, registra-se a livre movimentação nos fóruns de ratos, baratas, cupins e traças de maneira geral. Livros de muitas unidades jurisdicionais, com muita história, já nem podem ser aproveitados, visto que foram fragmentados pela ação livre dos cupins e das traças, folhas e mais folhas estão guardadas em sacos plásticos tamanha a destruição, Cachoeira e Caetité, entre outras;Ratos, baratas completam para a insalubridade do ambiente que espalha males para os servidores.

Por isso que, em muitas oportunidades, na condição de Corregedor, clamei pelo adicional de periculosidade e de insalubridade para os servidores, tamanho o abandono no qual se encontram nos locais do trabalho.

Os fóruns passaram de serem lacrados; a grande maioria deles necessitam de reparos, e alguns, se visitados pelo Corpo de Bombeiros ou pela Vigilância Sanitária, serão interditados, seja pela absoluta falta de segurança, pela omissa manutenção ou pela carência de higiene.

Se acontecer um incêndio e houver mortes, como a ocorrência em Santa Maria, Rio Grande do Sul, na boate Kiss,  de quem será a responsabilidade: da Prefeitura, do servidor, do juiz, do presidente do Tribunal, do CNJ, ou do STF?

 Junte-se a isso, a exploração do trabalho dos servidores, obrigados a trabalhar e trabalhar sem que sejam atendidas suas justas reivindicações de cumprimento de horário, porque o servidor do Judiciário, na Bahia, disponibiliza de mais de 8 (oito) horas de trabalho, e, em muitas comarcas, trabalham aos sábados, nos feriados e até no período deférias; não existe, na prática, a compensação por horas extraordinárias, anotadas na lei.

Além dessa infração, surgem os desvios de funções, concursados e nomeados para escreventes, portanto auxiliares judiciários, com segundo grau completo, mas forçados ao desempenho de cargos típicos de bacharel em direito, portanto analistas judiciários, em caráter permenante e não eventual. E o pior é que não recebem o salário correspondente à função que exercem; não tem opção, são efetivamente compelidos ao encargo, que não é seu, e sujeitos às penas disciplinares, por eventuais erros ou omissões. Muitos cartórios do interior da Bahia contam com um, 2 (dois) escreventes para desempenhar a jornada conferida a um analista ou escrivão, 2 (dois) subescrivães, 5 (cinco) escreventes e 2 (dois) oficiais de Justiça.

Sozinho ou, com mais um escrevente, trabalha por 8 (oito).

É dantesca, vergonhosa a situação das comarcas do interior, sem segurança, sem saneamento e sem fiscalização da exploração do trabalho escravo.

 Mas, mesmo diante dessa situação, surgem as cobranças de metas, aparecem as sindicâncias, os processos administrativos, e jogam os juízes e servidores contra o jurisdicionado que ainda não sabem o quadro dantesco do trabalho.

Por Antonio Pessoa Cardoso, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça da Bahia 

DESATIVAR COMARCAS É ATO CONTRA CIDADANIA

antoniopessoa-270x300Os jurisdicionados, os servidores, os advogados, as autoridades, as associações de classe, enfim toda a gente do interior não pode nem deve aceitar a desativação de mais comarcas na Bahia.

Sabe-se de processo que corre no Tribunal, nesse sentido; todavia há quase um ano proposta da Corregedoria das Comarcas do Interior, aguarda pauta para decisão do Pleno sobre a reativação da comarca de Ibitiara, absurdamente lacrada, em 2011. A Comissão de Reforma Judiciária, Administrativa e Regimento Interno, órgão técnico, do Tribunal, manifestou pela reabertura.

A atitude de desativação de mais comarcas equipara-se ao fechamento de hospitais, de escolas, de municípios. É bem diferente do fechamento de empresas, de estádios.

O povo tem de indignar-se contra mais esse contrassenso, que só ocorre na Bahia. E isso acontece porque fecharam 43 e, praticamente, não houve protesto do povo, daí a nova tentativa.

A ação, além de profundamente antipática e injusta, mostra imperdoável retrocesso e descompromisso com a cidadania, com a democracia e com o respeito à própria Lei de Organização Judiciária que estabelece o caminho para equilibrar o número de comarcas com o de municípios.

Além de tudo isso, inverte-se a assertiva de que “errar é humano”, por “errar e continuar errando”.

A desativação de 43 comarcas, em 2011, não trouxe economia para os cofres públicos, como já se mostrou com a unidade de Ibitiara, onde o Tribunal prossegue gastando como se a comarca estivesse ativada, pois paga 13 servidores, que continuam na comarca, mantém o fórum, fugindo à regra um bom fórum, e prejudica a comarca mãe, Seabra, porque para lá foram enviados grande número de processos sem benefício algum na estrutura desta.

Em tempos nos quais se busca aperfeiçoar os serviços públicos, fundamentalmente, o Judiciário, não se concebe a viabilidade de tamanha afronta, pois o trabalho deve ser no sentido de ativar as comarcas desativadas, de criar novas comarcas e nunca de fechar as portas dos fóruns para o povo.

Ativar significa progredir, com a criação de comarcas, desativar é arrepender-se do progresso alcançado, e voltar ao atraso.

O erro com a desativação de 50 comarcas, diminuída para 43 um mês depois, pelo próprio Tribunal de Justiça da Bahia, mostra a agilidade no processo de desativação.

Interessante é que a Justiça é tão lenta, mas, nesses processos de desativação, corre bastante!

A média razoável de habitantes por juiz, segundo dados da ONU, situa-se em 12 mil para cada; as comarcas desativadas ou tem mais gente do que esse total ou contribuíram para que as comarcas mães ultrapassassem em muito esse quantitativo.

A excrescência agiganta-se na medida em que se sabe que ainda há processos de comarcas desativadas sem movimentação alguma.

Não se aprimora os serviços judiciários com o fechamento de comarcas, como não se aumentam os lucros de empresas com a desativação de filiais. Há, entretanto, grande diferença entre sociedade privada e o Judiciário, pois se a primeira busca lucro, persegue maior volume de dinheiro, o Judiciário procura oferecer boa prestação de serviço.

As autoridades têm de entender que o sistema judicial não prioriza o equilíbrio de contas, mas fortalece o entendimento de facilitar o acesso do povo à Justiça.

Fecham-se empresas, fecham-se estádios de futebol, não se fecha comarca, não se fecha município, como não se fecha hospital, nem escola.

Como prestar bons serviços, desativando comarcas, ainda mais quando se considera as distâncias, as dificuldades de mobilidade e a falta de estrutura nas unidades mães. A opção do Judiciário é diferente das empresas privadas, no sentido de colocar como preferência a economia; no Judiciário a precedência é a boa prestação de serviço.

As lideranças das comarcas, os advogados, os servidores e o povo em geral das comarcas que se quer desativar, não podem nem devem esperar, pois já aconteceu uma surpresa, quando se desativou 43 comarcas em 2011. Agora fala-se em mais 25 comarcas.

Em 2011 foram bloqueadas quase 20% do total de comarcas, agora quer-se cerrar as portas de mais 10% e, nesse caminho, certamente, vão manter ativas apenas algumas unidades, pois falta infraestrutura também nas comarcas de grande porte. Quer-se economia, quer-se equilibrar contas, mas esse não é o foco do Judiciário.

Quando se pensa em instalar mais municípios, como explicar a interdição das unidades judiciais já existentes? A lei que rege o Judiciário da Bahia é bastante clara: “a cada município corresponde uma Comarca”.

Não se explica a situação atual: os municípios tem o Prefeito, os Vereadores, mas não tem o Juiz. Isso não se justifica, pois o Judiciário presta-se exatamente para cuidar de eventuais arbitrariedades cometidas pelos outros poderes contra o cidadão.

A incompreensão torna-se mais acirrada quando se sabe que foram agregados dois, três ou quatro municípios, instalados os Poderes Executivo e Legislativo em cada um deles, mas o Judiciário aproveita aos dois, três ou quatro; ainda assim, de repente, suspende-se exatamente o Poder que ocupava espaço de um município para fornecer os serviços judiciários aos dois, três ou quatro; permanece o Executivo e o Legislativo em cada um e o Judiciário, que satisfazia aos dois, três ou quatro é defenestrado.

Não se mede a prestação do serviço judiciário pela arrecadação de custas judiciais, pois o Estado tem a obrigação de oferecer ao cidadão “o pão do povo”, que é a justiça, na expressão do grande pensador alemão Bertold Brecht.

A desativação de mais comarcas implicará no raciocínio de que o Tribunal de Justiça da Bahia está sem rumo, porquanto em 2011, um mês depois da desativação de 50 comarcas, voltou atrás para ativar 07 das 50 e agora retorna a carga para desativar mais 23.

Isso não pode nem deve acontecer e o povo tem de se insurgir contra essa ignomínia e indignidade que pode ser praticada contra o cidadão.

Invoco a singularidade de conhecer todas as comarcas da Bahia para gritar: não desativem comarcas!

Por: Antonio Pessoa Cardoso, desembargador aposentado do TJBA.

SOBRAM ADVOGADOS, FALTAM DEFENSORES

pessoa-cardosoA Suprema Corte da Flórida recebeu denúncia da baixa qualidade da representação dos defensores públicos nos julgamentos. Isso provocou providências por parte da Defensoria Pública do Condado de Miami-Dade que ingressou com ação judicial, em 2008, alegando a carga excessiva de trabalho, consistente no total de até 50 demandas por semana.

A ação judicial iniciada só teve seu desfecho final no corrente ano, quando a Corte Superior da Flórida aceitou as argumentações da Defensoria para fixar para cada profissional da área o direito de recusar o patrocínio de mais de três causas por semana, caracterizando daí em diante carga excessiva de trabalho, e, portanto, sem condições de estudo cuidadoso para boa atuação profissional.

Os Estados Unidos possuem um defensor para cada 253 habitantes.

No Brasil, a Constituição federal considera essenciais à administração da justiça: o juiz, o defensor público, o promotor e o advogado. Segundo dados da OAB o Brasil conta com mais de 750 mil advogados inscritos e ativos e igual número de bacharéis não inscritos; porano, ingressam no mercado 100 mil bacharéis, dos quais 30 mil obtém a inscrição e tornam-se advogados.

O corpo humano precisa do coração, porque essencial à vida; o carro necessita do motor, porque indispensável para sua mobilidade. Da mesma forma, o Judiciário reclama, porque essencial, a presença do defensor público; se o sistema não dispõe desse profissional, da mesma forma que o homem e o carro, não há como movimentar-se. Sabe-se, entretanto, que a Justiça não conta com o defensor público, na maioria das comarcas; mas o pior é que não conta também com o promotor e, às vezes, falta até o juiz e o servidor. Não para porque os juízes e servidores se desdobram e conseguem até o auxílio das Prefeituras que disponibilizam seus funcionários.

Como funcionar bem! Afinal, o que a Constituição considerar essencial!

Os governantes não obedecem à lei maior que exige a Defensoria Pública como instituição “essencial à função jurisdicional”, art. 134.

Da mesma forma que complicam o Judiciário com a divisão de justiça federal e justiça estadual, criaram também a Defensoria Pública no âmbito da União e a Defensoria dos Estados; a primeira atua na defesa do cidadão que não tem recursos para custear o processo na Justiça Federal contra violações ao direito praticadas pela própria União e por seus órgãos, a exemplo do INSS e da Caixa Econômica Federal. Nos Estados e municípios, a Defensoria Pública patrocina causas do necessitado no campo penal e cível.

Sabendo-se que o Brasil é o terceiro país no mundo, em quantidade de profissionais da advocacia, fica difícil entender a motivação pela qual faltam defensores públicos nas comarcas. O raciocínio lógico é o de que há visível desinteresse dos governantes na solução da assistência jurídica para o pobre.

Os tribunais superiores do Brasil nunca receberam questionamento semelhante àquele decidido pela Corte da Flórida, porque se houver demanda nesse sentido, o povo ficará totalmente desassistido juridicamente.

A situação de carência da Defensoria Pública não se situa somente no campo estadual; também na área federal o drama é muito grande, pois segundo relatório de março de 2014 em todo o Brasil tem-se apenas 506 defensores, quando são necessários 1.469.

Nos Estados, Santa Catarina, que criou esse importante órgão somente em 2012, a RBS TV noticiou, recentemente, que somente no primeiro trimestre do corrente ano de 2014, um defensor participou de 103 audiências, recebeu 264 mandados de prisão em flagrante e analisou 488 processos; uma defensora informou que é comum fazer dois, três júris pro semana. Das 111 comarcas de Santa Catarina, apenas 21 tem defensores públicos.

O Paraná também criou sua Defensoria Pública em 2012 e, antes dessa data, dispunha de apenas 10 defensores, ou seja, um profissional para 1.043.960 cidadãos; São Paulo com toda a sua pujança dispõe de um defensor para cada grupo de 82.504 habitantes, apesar da necessidade, pois somente entre janeiro e meados de abril/2014, trinta e seis (36) mil pessoas procuraram a Defensoria Pública; dividido esse número por 73 dias úteis no período encontramos 493 atendimentos por dia.

O Estado que conta com melhor assistência aos necessitados é o pobre Amapá com um defensor público para cada 6.078 cidadãos. Todavia, para isso, são contratados advogados, a título precário; o concurso só foi aberto depois de medida judicial. Roraima é outro Estado que atende ao jurisdicionado necessitado, porque dispõe de defensor público em todas as comarcas. Também o Distrito Federal tem defensor público em todas as circunscrições judiciárias, contando com um profissional para cada grupo de 12.262 jurisdicionados, apesar de pagar muito mau, em torno de um terço do salário do promotor público.

Essas são as unidades que melhor presta o serviço de Defensoria Pública para os cidadãos que pagam altos impostos e não recebem a contrapartida do Estado.

Induvidosamente, há um desencontro de entendimentos, pois enquanto a OAB alega excesso de advogados, ao ponto de exigir a manutenção do exame para habilitar à advocacia, o povo não tem assistência jurídica por falta de profissional.

Tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição n. 4/2014 que fixa o prazo de oito anos para que a União, os Estados e o Distrito Federal contratem defensores públicos para todas as comarcas. Depois de aprovada e sancionada espera-se valorização da Defensoria Pública e aproveitamento do grande número de advogados como defensores dos que não tem como custear as despesas de uma demanda judicial.

Por:Antonio Pessoa Cardoso, desembargador aposentado do TJ/BA
Publicado em:http://paralelanews.com.br/colunistas