Arquivos da Seção: Colunistas

E então, que quereis?

Fiz ranger as folhas de jornal
abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
de cada fronteira distante
subiu um cheiro de pólvora
perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
nada de novo há
no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,
é certo,
mas também por que razão
haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
é agitado.
As ameaças
e as guerras
havemos de atravessá-las,
rompê-las ao meio,
cortando-as
como uma quilha corta
as ondas.

Maiakóvski, tradução de E. Carrera Guerra )

Então de que tamanho é o Yamandu?

De repente, a cidade foi tomada por um alvoroço inexplicável. Todo mundo falava sobre a mesma coisa, embora ninguém  soubesse ao certo  sobre que coisa era aquela de  que todos falavam. De concreto,  o que se tinha era a notícia de que chegaria a pequena e pacata Rio dos  Currais, um músico de nome Yamandu, para um concerto no teatro municipal, em comemoração ao centenário  de emancipação da menor cidade do Vale do Salitre.

O prefeito mandou alardear a semana toda no jornal Gazzeta Popular que traria um grande violonista para debulhar o que de mais alvissareiro houvesse  no cancioneiro pátrio, em “louvação  ao primeiro século da cidade  que era “cuspida e cagada” o próprio  processo  civilizatório  da população  ribeirinha do Velho Chico”, rio caudaloso que cortava  o pais do sudeste até  a  região  inóspita do Nordeste.

Passado de mão  em mão  o pasquim local, as pessoas, tomadas de surpreendente e impaciente curiosidade ante as credenciais do notório  musicista anunciado pelo senhor prefeito,  homem cuja honra e a educação familiar  jamais permitiria  que se desse ao desatino do exagero ou da mentira, começaram  a indagar quem seria esse notável tocador, cuja patente o habilitava a abrilhantar a festança  dos cem anos de Rio  dos Currais.

Por conta disso, a rotina da cidade sofreu fortíssima alteração. Nas praças, nos bares, nas igrejas… Em toda parte, todos queriam saber quem era o grande músico. E se era de fato grande, como propagara Adalberto Coriolano, prefeito de primeiro mandato, que vencera o protegido de Antenor Calvacante, verdadeiro sucessor do saudoso  Etevaldo Elesbão,  por uma margem de voto  tão  pequena que  dúvida nenhuma deixava  que faltou boca de urna.

E no afã de obter qualquer informação sobre o tal músico Yamandu, a população de Rio dos Currais, antes alheia à pesquisa ou à investigação que demandasse esforço intelectual, de uma hora para outra povoaram as duas bibliotecas da cidade e as três Lan House que cobrava por hora de acesso aos modernos computadores, capazes de esmiuçarem os mais recônditos pormenores de fulano ou de sicrano se bem manejados pelo o usuário.

Passados alguns dias, história diversas começaram a circular na cidade sobre o músico Yamandu.  Alguns davam conta de que era um artista internacional, profissional abastado nas notas musicais e nas notas de dinheiro, que viria prestigiar a cidade não pelo cachê, pois se cobrasse o que merecia, dificilmente o erário municipal poderia fazer frente sem que o chefe do executivo fosse  deposto pelo processo de impeachment, num ritmo  sumaríssimo, mas porque suas raízes  apontavam para um certo parentesco com a família  de Luncinda Elesbão,  eterna primeira dama, alçada  a locação  de santa depois dos aperreios sofridos com a doença  matadeira que quase dizimou a população  de nossa cidade.

Entretanto, o que mais se discutia na pequena Rio dos Currais, não era exatamente quão habilidoso em seu instrumento pudesse ser o violonista Yamandu, mas porque não  trazer um sanfoneiro  local que tão  bem saberia  tocar a Ave Maria de Luiz Gonzaga, ao invés  de um arranhador de violão  do Rio Grande  do Sul.

Na cerimônia de abertura dos festejos, cinco dias antes da apresentação do Grande violonista, como insistia o prefeito em se referir a Yamandu,  houve  interpelação  popular querendo  saber porque o prefeito  convidara um forasteiro para animar a festa de aniversário  da cidade. O prefeito, disposto a não descontentar ninguém, disse aos eleitores que consultaria os assessores que indicaram o músico e comunicaria, em breve, sua posição, pois poderia rescindir  o contrato até  três  dias antes do show, pagando apenas quarentena  por cento do valor  acertado.

No dia seguinte, pela manhã, o prefeito correu ao quarto de seu filho intermediário, às dez horas  e disse sem  arrodeio:

— Por que você me convenceu a contratar esse tal de Yamandu para ser a apresentação principal do centenário da cidade?

O filho então convidou o pai a ouvir um vídeo qual o guitarrista da banda IRA!, Edgard Scandurra anunciava o violinista como o maior músico do mundo.

O pai ficou abismado como o talento de Scandurra. O filho disse afinal:

_ Se o Edgard Scandurra, que é um guitarrista excepcional, o chama de maior do mundo, então de que tamanho é o Yamandu?

Por: Ponciano Ratel.

Um poema sobre mim e Deus.

Deus sabe que de mim nada pode esperar

Porque sabe exatamente quem eu sou

Porque conhece minha imperfeição

Pelo tamanho de minha finitude.

ELE sabe de antemão o resultado das provações

A que me submete agora e no futuro.

Deus sabe que eu sou só fragilidade e ignorância

Por isso não me fez a sua imagem e semelhança!

Talvez Deus me tenha feito para o pecado,

Porque esse é o máximo de livre arbítrio que nos une:

Eu como a limitação do corpo,

ELE como a infinitude do ser.

Numa combinação de tempo e angústia

Regida pelas leis do acaso e da ponderação.

Deus sabe que sendo o pecado,

Eu sou sua parte vencida

E, por isso, não podemos competir.

E que, embora eu não seja um deus,

Eu sou sua imagem e semelhança,

Não porque ELE me tenha feito assim,

Mas, porque, essa é a significância do tempo para nós:

O entrelaçamento de duas existências

Que nunca se fará carne,

Por conta da transitividade do verbo que é.

Ponciano Ratel

SE BULA! – EM TEMPO DE “CORONAVÍRUS”: ALERTA AO USO DA MÁSCARA DURANTE A ATIVIDADE FÍSICA

Nas ultimas publicações sobre a atividade física e saúde feita aqui na pagina do SE BULA ficou evidenciada a importância da atividade física à saúde e que iniciar um programa ANTISEDENTARISMO seria uma forma saudável a qualquer individuo. Hoje a perspectiva é alertar para o uso de máscara durante as atividades e compreender possíveis riscos.

A atividade física é um fator muito importante nessa fase de isolamento social, e temos visto muitas pessoas tentando aderir a um programa de corridas ou caminhada, mas com comportamentos que podem ocasionar alguns acidentes de natureza fisiológica. Não estou falando de doença, mas de risco durante a prática do exercício físico.

É conhecido que em atividades aeróbicas a troca de oxigênio é o fator que permite a continuidade ou não daquela atividade, normalmente, sendo encerrada por falta de condicionamento físico- esse seria o ideal– porem o que estamos presenciando é a atividade física de caminha e corrida, até mesmo de ciclismo, as pessoas usando máscaras.

O critério aqui não é condenar por nenhum motivo não cientifico o uso da máscara, o intuito é de entender que, as atividades aeróbicas elevam nossos batimentos cardíaco a níveis que não chegamos em repouso, portanto, há sinais de falta de oxigênio naturalmente, usar a máscara irá antecipar essas sensações que não são boas.

A ausência de oxigênio pode ser caracterizada como “hipóxia” no corpo humano: “Pode levar a desmaios, desorientação, problemas de coordenação, alterar o ritmo cardíaco. Pode afetar severamente a fisiologia normal de um ser humano”. É preciso chamar atenção a esses sintomas durante a atividade física e parar IMEDIATAMENTE.

Como dito antes, o uso de máscara certamente atrapalha na respiração durante a pratica de atividade física, daí, então, é recomendável que se quer proteção integral a saúde, todos que forem iniciar ou continuar seu programa de atividade física deve seguir as recomendações de afastamento e não aglomeração, evitando ou tentando evitar o contagio pelo covid-19, mas o uso de MÁSCARA não é recomendável DURANTE A ATIVIDADE, justamente por potencializar o aparecimento dos sinais e sintomas comentados, típicos de “hipóxia”.

A atividade aeróbica é adotada pela maior parte das pessoas por diversos motivos, seja de estética, de saúde ou de treinamento esportivo. A intensidade moderada é a mais comum nessas praticas, usando índices moderados da nossa capacidade respiratória. Naturalmente, vemos pessoas destreinadas reclamarem de enjoo, tonturas, além das dores musculares próprias de alguém que inicia uma atividade física.

Disse própria, em momento algum podemos considerar que são sintomas NORMAIS DA ATIVIDADE. Sempre que qualquer um desses sintomas forem presentes durante sua atividade física deverá parar imediatamente e respirar até sentir controle total do corpo.

Em momento anterior visualizamos que o exercício de intensidade moderada, praticado regularmente, melhora a capacidade de resposta do sistema imunológico assim contribuindo com o objetivo de melhoria da qualidade de vida, portanto séries variadas desses exercícios supracitados.

ALERTANDO que, se estiver fazendo uso de máscara durante sua atividade física seus sintomas relativo a fadiga podem ser acelerados e o limiar da atividade ser reconhecido muito antes do que o normal, e não por beneficio, mas por excesso de esforço causado pela dificuldade na respiração, provocado pelo uso da máscara.

Deixe para usar a máscara no trabalho ou local que seja exigido em virtude de aglomerações e siga as determinações oficiais. Para a atividade física, o uso de máscara não é necessário, tampouco recomendável.

Assim, faça sua atividade física lembrando que seu organismo foi feito para se movimentar, ative-se, mova-se, mexa-se… SE BULA! AFINAL, TODO DIA É SEGUNDA FEIRA.

Por: Cícero Atila Martins Santos, Professor Especialista em Educação Física.

Dias Tormentosos em Rio dos Currais

Por volta do fim de janeiro do ano seguinte, o estimado prefeito anunciou novas obras de embelezamento da cidade. Era preciso preparar Rio dos Currais para sua grande festa anual. A tradicional festa de São João, no mês de junho. Época em que a cidade se transformava em um grande ponto turístico, pois vinha gente de toda região acompanhar as famosas vaquejadas, pegas de boi, festejos juninos animadíssimos como não se via em parte alguma do Vale do Salitre. A cidade de Rio dos Currais, embora fosse o município com menor população do país e contasse em sua geografia, excetuando-se, é claro, a grande extensão rural, com nada mais que quatro ruas dispostas no entorno da imponente igreja de São João, ao norte; da construção barroca que abrigava a prefeitura e a câmara municipal ao sul; e do hospital a leste; e da escola infantil onde estudavam os filhos dos quinhentos e oitenta e cinco habitantes, a oeste; costumava receber centenas de visitantes durante as famosas festas de junho. Gente de toda parte aportava nas franjas de Rio dos Currais no mês de junho para participar de competições como pegas de boi, corrida de morão, festas de apartação, farra do boi. Durante quinze dias, a cidade era o destino de muitos que queriam diversão, paqueras, gastar dinheiro, dançar forró, comer milho assado, cozido, pamonha, espeto de gato, mungunzá doce, salgado, carne de bode, carneiro, queijo de cabra, rapadura, caldo de cana, farinha seca com carne salgada, enfim, todo tipo de iguaria e bebidas que fariam inveja aos deuses do olimpos, com suas ambrosias. Era um tempo de bonança para Rio dos Currais. O faturamento das lojas de acessórios crescia vertiginosamente. Os pequenos comércios de comida, de objetos artesanais de barro, de couro; os hotéis improvisados, as pequenas glebas de terras transformadas em chácaras para turistas; os currais alugados, as casas de campo, tudo era negociado a preço alto, aquecendo a economia local e aborrotando os bolsos insaciáveis dos cidadãos de bens da pequena cidade, aqueles mesmos que se encarregavam da administração municipal ou da feitura das leis.

Logo, era imperioso, dizia o prefeito, vangloriando-se da grande ideia, “embrenhar esforços desmedidos para tornar Rio dos Currais a mais linda cidade de todo vale, para quando os visitantes que aqui chegam, sejam tomados de assalto pela admiração irresistível ante a beleza incomparável de nossa cidade”. Então, que começassem as obras de embelezamento ainda no mês de janeiro, pois, já havia apontado no horizonte o ano vindouro. Assim aconteceu. Desta vez era hora de reformar todas as fachadas de lojas, residências, câmara de vereadores, prefeitura, hospital, escola. Era também necessário reformar a praça central, substituindo bancos, trocando pisos, mudando a tonalidade da pintura. O secretário de obras veio a público, explicou os projetos arquitetônicos à população, especificou os quantitativos orçamentários, discorreu sobre normas de construção, segurança do trabalho, equipamentos de proteção individual e coletivos, da importância de se evitar acidentes de trabalho, da resistência dos materiais, da mecânica dos fluídos, da textura das tintas, para ao final informar aos moradores que todos os custos da empreitada seriam repassados para a conta de IPTU de cada unidade residencial, através de moderníssima modalidade de tributação denominada de Contribuição de Melhorias, imposto exacerbadamente utilizado nos países civilizados. Sobre o qual, dissera sem disfarçar a empolgação, durante o descerramento da placa de inauguração do início das obras, estava agora bastante informado por meio de Domingo Elesbão, presidente da casa legislativa, que acabara de chefiar uma missão de suma importância para o desenvolvimento de Rio dos Currais, em viagem oficial pelos estados Unidos, Europa e China.

Em meio aos aplausos entusiasmados de alguns presentes e do corpo de funcionários da prefeitura e da câmara de vereadores, ouviu-se ao fundo o primeiro reclamo de Joelson da Farmácia:

_ Esse “fiu do cabrunco” vai botar mais conta nas nossas costas, desgraçado, fio de uma ronca e fuça “miserávi”, pai d’égua.

_ Pois num é, cumpadre! – apoiou o barbeiro Alonso. – já não basta viajar o mundo todo por nossa conta, ainda vai fazer reforma da cidade para a gente pagar.

Outros esboçaram, a seus modos, tímidos protestos que foram ofuscados pela habilidade retórica de Etevaldo Elesbão, excelentíssimo senhor prefeito do munícipio de Rio dos Currais, cidade próspera à margem do Rio que nasce na Serra da Saudade. Depois disso, ninguém mais se manifestou e as obras tiveram começo, porém, não puderam ser concluídas, em virtude das contingências da vida, que a todos faz sucumbir e mudar os planos.

A cidade tinha esse nome em homenagem à imensa extensão de pasto verde que se alastrava por todo território. Por ali, ano após ano, alguns milhares de cabeça de gado vinham tangidas por aboios entoados por vaqueiros pobres, a atravessar os campos de Rio dos Currais em direção aos portos que ficavam nas cercanias do litoral. Enquanto despachantes cuidavam da burocracia para embarcar a carne para o estrangeiro, tarefa que costumava durar até dois meses para seu desembaraço, rebanhos inteiros permaneciam em currais à beira do rio que banhava o Vale do Salitre, pastando, ruminando e adubando a terra. Nesse ínterim, acontecia a grande festa de São João de Rio dos Currais, com suas exuberantes vaquejadas, barracas de comida e bebida e bandas de forró que se estendiam noite a fora, animando os casais que se arriscavam a rodopiar nos salões de dança improvisados sobre o chão batido, num arrasta-pé que enfeitiçou os americanos servindo em bases militares durante a segunda guerra mundial. Durante as festividades, a cidade era toda enfeitada com bandeirolas, palhas de coco trançadas, pessoas vestidas de roupas de cangaceiros, jaquetas, sandálias e chapéus de couro cru, celas ornamentadas para cavalos, escoras, facões e bainhas, peixeira e bicho morto crepitando nas churrasqueiras feitas com tijolos enfileirados sobre o chão poeirento da temporada seca que é o outono no Vale do Salitre.

_ Eita que a cidade “tá ficano é bunita”, cumadre.

_ “Né mermo” dona Leninha. O prefeito “butou foi pegado”, agora. A testada da frente da casa tá mais enfeitada que cruz de beira de estrada.

_ Então não é, dona das Dores. Dá é gosto votar em Etevaldo. “Ô prefeito pra gostar de tudo arrumadinho”. “É um peste mesmo, hein?”

_ E num é? Se num fosse a roubalheira da família, nossa cidade era um brinco.

_ Ah isso é verdade, viu cumadre. O tal do Domingo Elesbão, vixe maria! – exclamou dona Leninha, fazendo o sinal da cruz enquanto desaparecia casa adentro. Dona das Dores continuou a varrer o terreiro, enquanto admirava a beleza das primeiras fachadas pintadas para a festa junina.

Os meses foram se sucedendo. A data da festa se aproximava, quando por volta de fim de abril, o vereador Claudionor Matos, líder da oposição, caiu enfermo de doença rara. O quadro clínico se agravou rapidamente e o edil veio a óbito, deixando a todos perplexos. “Como pode alguém saudável morrer de uma hora para outra”, todos se perguntavam na cidade. Os familiares diziam que certa noite o camarada acordou meio febril, com forte cansaço e tosse seca. Nos dias seguintes teve fortes dores, congestão nasal, corrimento nasal, dor de garganta e diarreia, vindo a morrer no décimo sexto dia após desembarque da viagem pelo mundo em companhia dos outros vereadores. O povo, então, passou a especular que Claudionor Matos havia trazido alguma coisa ruim do estrangeiro, pois nada mais poderia explicar a morte repentina de um sujeito de compleição física de fazer inveja a qualquer atleta profissional. A desconfiança não tardou a aumentar, já que dois dias depois, chegou ao conhecimento da comunidade que Agnaldo Elesbão, assessor de comunicação da Câmara Municipal e irmão do presidente Domingo, também havia sido infectado por alguma praga trazida de fora, pois se encontrava a beira da morte no hospital da cidade. Daí a três dias morreu, levando Rio dos Currais ao pânico generalizado. As pessoas começaram a lotar a igreja de São João, pedido a Deus que perdoasse seus pecados, já que o fim do mundo se aproximava e não se podia morrer sem uma confissão. “Deus não deixe que a doença matadeira me leve agora”, diziam intimamente em suas preces e orações. O doutor Cícero Crispim, médico diretor do hospital do município concedeu longa entrevista, conclamando o povo da cidade a permanecer em suas casas até que tivesse notícias confiáveis sobre o que havia acontecido com seus pacientes. Ele alertava que, pela gravidade da enfermidade, a terapia reclamava internamento em Unidade de Tratamento Intensivo, com uso de respiradores mecânicos. E que os pacientes apresentavam forte resistência aos procedimentos médicos tradicionais. Já Etevaldo Elesbão, irmão do morto e prefeito da cidade, tinha outra maneira de ver as coisas ao insistir que as palavras do médico foram mal escolhidas, já que causavam certa histeria, atribuindo excessiva gravidade a casos comuns de gripe. E que, é claramente perceptível que a doença infecciosa agrava apenas a situação de pacientes cujo sistema imunológico já esteja debilitado como do irmão dele, cardíaco e diabético.

E para demonstrar que sua tese era embasada pela ciência médica, o prefeito havia chamado um especialista do litoral que lhe assegurava se tratar tão somente de conhecida virose gripal, sem maiores consequências que alguns dias de febre e leve dor de cabeça, acompanhados de corrimento nasal. Diante disso, convidava toda cidade para o sepultamento de estimado familiar no cemitério local. No dia seguinte, toda Rio dos Currais estava presente na despedida de Agnaldo Elesbão. Domingo e Etevaldo fizeram longos discursos. Outros vereadores ou correligionários dos chefes de poderes presentes também se aventuraram em palavrórios alongados para agradar seus aliados políticos.  O doutor Cícero Crispim, tudo condenava. Recomendava apenas aos seus concidadãos parcimônia e distanciamento social voluntário, pois estava lendo em seus compêndios sobre moléstias raras que a mais sensata e eficiente atitude a ser tomada agora era ficar em casa, a fim de evitar aglomerações como aconteceu no sepultamento do familiar do chefe do executivo, pois só assim se poderia impedir a curva exponencial de contágio. O prefeito discordava do veterano médico de Rio dos Currais. Mas, como não podia demitir um velho amigo, desengavetou um pedido de aposentadoria feito em dezembro do ano passado e dispensou, assim, os serviços do experiente cientista daquela cidade esquecida por deus e pelos homens. O doutor Cícero Crispim sumiu da cidade na mesma semana, foi direto para capital do país, em busca de informações acerca da enfermidade que desafiava seus conhecimentos médicos. Retornou alguns meses depois, sendo aclamado como herói.

Durante a ausência do doutor Crispim a infecção se alastrou pela cidade de Rio dos Currais, matando quase cem dos seus pouco mais de  quinhentos e oitenta cidadãos. Aguardava-se com esperança a chegada de turistas para a festa de junho que se avizinhava, acreditando-se que alguém pudesse trazer esclarecimento sobre a maldita doença que queria exterminar o povo honesto e cristão de Rio dos Currais. Entretanto, ninguém aparecia. Apavoradas, as pessoas se trancaram em casa depois da morte de setenta e cinco pessoas em três semanas. A cidade virou um deserto. Ninguém circulava pelas ruas. O mato começou a romper o asfalto, fazendo brotar erva daninha por toda parte. Apagando quaisquer sinais da beleza prometida pelo prefeito para as fachadas das casas em volta da praça central. Às nove e quinze da noite de um dia de domingo, a polícia foi chamada pelos vizinhos e encontrou os corpos de toda família do ceboleiro Adroaldo. O local era uma casa grande da cidade, propriedade de uma das famílias mais abastadas de Rio dos Currais. Eram ao todo seis pessoas mortas. O pânico tomou de conta da cidade de uma vez por todas. Pessoas morriam, o prefeito procurava outras explicações, relutando em reconhecer a gravidade da situação, alegando que as pessoas não deveriam ficar em casa, pois morreriam de fome, causa mais provável e mais certa do que aquela “gripezinha”. Algumas pessoas deram ouvidos ao prefeito e retomaram a vida normalmente. Muitas morreram. O prefeito mantinha-se firme nas suas convicções pueris, sem embasamento científico nenhum. As pessoas que argumentavam em favor do isolamento total das famílias eram ridicularizadas pelos prepostos do chefe maior do município, tinham seus nomes expostos ao ridículo, eram achincalhadas, menosprezadas, vilipendiadas pelos asseclas de Etevaldo Elesbão. Os partidários do prefeito organizaram passeatas, carretas pela cidade. Pessoas passavam de porta em porta xingando, ordenando que as pessoas a viessem para a rua, saíssem imediatamente de casa, a esquecessem a ideia estúpida de quarentena e retomasse a normalidade da vida. Portas eram chutadas com força, janelas esmurradas com fúria. A turba enlouquecida vociferava insultos contra os confinados, chamando-os de covardes, cretinos, filhos da puta.  Ouviam-se gritos de horror de crianças assustadas dentro das casas. As pessoas permaneciam trancafiadas em suas residências, tomadas pelo medo da doença viral mortífera, aterrorizadas pelas atitudes truculentas do prefeito e seus aliados, ameaçadas pela fome estacionada no batente, uma vez que o prefeito impedia que se ajudassem os confinados, confiscando mercadorias, gêneros de primeira necessidade, cortando o fornecimento de água, ameaçado interromper o serviço e iluminação pública e doméstica. O prefeito não cedia, queria a “volta da normalidade a qualquer custo”, dizia aos berros do púlpito da praça central. “Etevaldo está louco, pensavam as pessoas confinadas em suas casas paupérrimas, passando fome e doentes”. Ele foi infectado pela “Doença Matadeira”. “Ou então, está possuído pelo tinhoso, só pode ser isso”.

A cidade já contava mais de uma centena de mortos, mas Etevaldo Elesbão não arredava pé de suas ideias malucas, nem mesmo quando Domingo Elesbão tombou enfermo na cama à beira da morte. A essa altura, de todas as pessoas que haviam estado na missão internacional pela Europa, China e Estados Unidos, apenas o presidente da casa legislativa ainda estava vivo. Onze tinham morrido um após o outro, com os mesmos sintomas de Claudionor Matos: febre, forte cansaço, tosse seca, fortes dores, congestão nasal, corrimento nasal, dor de garganta e diarreia.  O especialista trazido de outra cidade pelo prefeito de Rio dos Currais assumiu o tratamento de Domingo Elesbão, iria experimentar uma droga nova chamada Hidroxidina, cuja posologia, afirmava com convicção de pesquisador incontestável, estava sendo amplamente utilizada para curar a infecção viral que havia tomado o país de assalto. Utilizou-se da dosagem que quis para arrefecer o mal de Domingo Elesbão, porém, sem sucesso, pois o quadro clínico do paciente só piorava. Acabou por reconhecer que não dispunha de maiores informações acerca da substância medicamentosa que havia prescrito para o chefe do legislativo e, por isso, não sabia, no momento, explicar a deterioração do quadro clínico do paciente. Todavia, manteria o interno à custa de respiradores mecânicos, pois ouvira de amigos médicos que era a única possibilidade de prolongar a vida do enfermo. Etevaldo Elesbão ouvia tudo com tamanha impaciência. Para quem não conhecia o ímpeto desvairado dele, poderia até crer que sua teimosia começava a ruir, mas não, não ruía, tornava-o mais empedernido. Nada do que havia presenciado, seja com Agnaldo, seja com Domingo, irmãos que a morte levara ou ameaçava levar, era capaz de demovê-lo da loucura que havia se apossado dele. Nem parecia aquele prefeito amado pelo povo que  havia lhe concedido quatro mandados na provincial, mas próspera cidade de Rio dos Currais, conhecida por tantos nas redondezas pela grandeza da festa junina, das vaquejadas, das comidas típicas que atraiam tantos turistas. No auge do que se assemelhava a insanidade, Etevaldo Elesbão não conseguia atentar para a gravidade do que se passava em sua cidade. Ele nutria a falsa esperança de que a prosperidade econômica trazida pelos turistas durante os festejos era, no momento, atravancada pela covardia de seu povo, escondido como cães assustados por conta de um “resfriadinho” incapaz de acometer de morte pessoas fortes e atléticas como ele. E que apenas os velhos e fracos deveria permanecer em quarentena, pois somente esses morreriam. Era preciso abrir as portas da cidade, chamar de volta à normalidade os cidadãos, os visitantes, terminar a pintura das fachadas das casas, organizar as vaquejadas, as festas juninas, montar as barracas, vender, vender, ganhar dinheiro, movimentar a economia, lotar os bares, os salões de festas, porque Rio dos Currais não pode parar nunca, nunca, nunca. A Economia não pode parar!

Não durou nem uma semana pra Domingo Elesbão vir a óbito. Etevaldo convidou toda a cidade para o enterro, que seria com todas as pompas possíveis. O especialista trazido de outras bandas desaconselhou a medida, recomendando que o prefeito mudasse de ideia e aconselhasse os concidadãos a ficar em casa, em isolamento por pelo menos doze semanas. O prefeito não deu ouvido. Insistiu no convite ao povo para as honras fúnebres ao inestimável Domingo Elesbão, o mais longevo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Rio dos Currais. O povo não atendeu ao chamado. No enterro, apenas Etevaldo e sua família se fizeram presente na despedida do grande legislador de nossa cidadela. Etevaldo Elesbão se enfureceu mais ainda, mas a essa altura já estava só e doente. A enfermidade o havia alcançado, como se quisesse quebrar sua espinha dorsal, fazendo-o dobrar-se aos imperativos da vida: o tempo, a doença, a morte. O especialista de outra cidade não suportou os arroubos do prefeito e foi embora para nunca mais voltar. Dizem as más línguas que ele morrera vítima da doença que pretendia erradicar, uma vez que até hoje a Hidroxidina por ele receitada não demonstrou nenhuma viabilidade no tratamento do mal que o doutor Cícero Crispim nos informou chamar COVID-19, doença infecciosa causada pelo tal Coronavírus, descoberto recentemente no mundo, que já tinha matado meio mundo nos quatros cantos da terra. Após a partida do especialista trazido por Etevaldo Elesbão para convencer as pessoas que a doença mortal que plainava no ar de Rio dos Currais não era tão grave quanto afirmava o renomado médico da cidade, a equipe médica que reassumiu o hospital encontrou sobre a mesa do forasteiro, numa bíblia por ele usada, passagens destacadas do capítulo do Apocalipse.

Na terceira semana de junho, o doutor Cícero Crispim retornou a Rio dos Currais com uma carga grandiosa de remédios e equipamentos médicos, destinados ao tratamento da infecção causada pelo COVID – 19. Chegando ao hospital foi informado sobre o quadro clínico gravíssimo do prefeito Etevaldo Elesbão. Não mediu esforços para salvá-lo. Fez tudo que estava ao seu alcance, e recomendava a Ciência. Não obteve sucesso. “Etevaldo Elesbão, prefeito de Rio dos Currais, faleceu hoje às nove horas da manhã, vítima de complicações infecciosas causadas pela patologia denominada de COVID-19. Em virtude de quarentena decretada pelo novo prefeito, o enterro do excelentíssimo senhor prefeito será reservado apenas aos familiares. Agradecemos a compreensão de todo”. Assim, foi a nota de falecimento, objetiva e rápida. O doutor Cícero Crispim foi reconduzido ao seu antigo posto de diretor do hospital do município, acumulando as funções de secretário de saúde, já que o titular da pasta tinha morrido também. O novo prefeito era pessoa de mais sensatez que Etevaldo. Não estava na linha sucessória até a morte de Domingo Elesbão. Como era seu vice, assumiu primeiramente a presidência da Câmara de Vereadores até ser convocado para enfrentar a gestão municipal, depois da morte do prefeito. O vice foi um dos doze mortos que estavam na grande missão estrangeira. Antenor Medeiros era um vereador inexpressivo que virou vice-presidente da câmara legislativa porque era considerado um sujeito ponderado. Estava no segundo mandato. Não era doutor como Cícero Crispim, pelo menos não da medicina, mas o era do Direito, um doutor das leis, como se diz por aí. Entretanto, a sua maior qualidade era mesmo a ponderação. Não discutiu quando o doutor Crispim o aconselhou a ir a público interceder pela necessidade de isolamento, baixando de imediato um decreto instituindo a quarentena total em Rio dos Currais.

_ Se o senhor, que é médico, diz que essa é a melhor medida que temos agora para frear o contágio desta epidemia, não serei eu que vou me opor.

_ Ainda bem que podemos contar com a compreensão do senhor, prefeito. Muito obrigado, disse o médico.

E embora não tivesse essa intenção, o decreto do doutor Crispim recrudesceu o pânico na pequena Rio dos Currais. As pessoas mantiveram sua determinação de não sair de casa. Corriam notícias de mortes o tempo todo. E o mau cheiro denunciava que no interior de muitas residências corpos de famílias inteiras apodreciam sem sepultamento cristão. O médico Cícero Crispim tomara a dianteira da questão epidêmica e, com o total apoio de Antenor Medeiros, montou um gabinete de crise, destinado a criar um plano de contingência para salvar as pessoas e a cidade daquela horrível praga que assolava a esperança de uma gente festiva, alegre e solidária. Na primeira semana de trabalho conjunto da prefeitura, com a equipe de doutor Crispim e a meia dúzia de soldados que restaram para proteger a cidade, foram logo reorganizadas as unidades intensivas do hospital municipal para atendimento de quantos precisassem dos respiradores mecânicos, trazidos das cidades litorâneas, onde bem sucedidas campanhas de combate ao COVID – 19 tinham sido levadas a cabo por renomados especialistas de diversas áreas: infectologia, epidemiologia, virologia, macumbaria, pajelança, cirurgia espiritual, quiromancia, feitiçaria e etc, etc, etc. Foram chamados a participar outros dois médicos da cidade, o farmacêutico, o curandeiro, a rezadeira, padres, pastores, adivinhos, enfim, todos aqueles que de algum modo lidavam com a arte de curar enfermos do corpo ou da alma.

Doutor Crispim, embora fosse extremamente devotado à Ciência, chegando até mesmo a ser reconhecido como ateu pelos moradores de Rio dos Currais, não se opôs à ação daqueles que antes alcunharia de semeadores de crendices estapafúrdias, extravagantes. Naquela luta, disse a amigos próximos, quem travará a batalha contra o cavaleiro da morte que campeia o imaginário daquela gente simplória de intelecto e autoestima, senão os que trabalham para confortar as almas atribuladas com devoção e misticismo? Nisto parecia está com a razão. Nas residências da cidade eras comuns imagens de santos, orixás, Deus, Jesus, Maria, ornamentando as paredes, denunciando a força da fé que movia aquela gente espezinhada pela labuta diária dura com a terra, pelo sofrimento dos anos que escavam sucos de dor e decepção em suas faces. O médico Crispim não se mostrou insensível a tudo isso. Pelo contrário, achou por bem estimular a solidariedade entre sua gente. Exortando-a para que se apegasse a fé, às orações, às rezas, às simpatias, ou seja, a tudo quanto pudesse trazer ao indivíduo um pouco de paz espiritual nessa hora de angústia e pesar, de horror e morte em Rio dos Currais. E assim, foi reconquistando a confiança do povo em sua autoridade de médico, de homem público, de pai, de avô, de mortal. Em pouco mais de três semanas, era uma liderança benquista pelo novo prefeito e toda vereança. Pelo povo, era louvado como uma espécie de anjo. Toda cidade enxergava na ação destemida e cirúrgica de Cícero Crispim a instrumentalização da vontade de Deus, que, embora fustigasse com força aquela gente pecadora, ainda não tinha condenado a iniquidade desse povo a ponto de destruir Rio dos Currais como fizera com Sodoma e Gomorra.

O segundo decreto que o doutor Crispim induziu o novo prefeito a editar foi para banir do anais médicos de Rio dos Currais a droga Hidroxidina, que mais matava que curava. O remédio teve proibida a produção, a comercialização, a prescrição. “Nunca mais nos aproveitaremos da condição vulnerável das pessoas que padecem da mais cruel enfermidade que se espalhou pela terra para fazer lobby de porcarias medicamentosas que mais matam que salvam”, disse o doutor Cícero Crispim na sua coletiva diária para explicar ao povo os avanços no combate à enfermidade que combalia a cidade. O novo prefeito obedeceu. O terceiro decretou editado era uma convocação ao voluntariado. A nota conclamava as pessoas a se apresentarem para ajudar aqueles que mais necessitavam. Havia muita gente padecendo de fome e outras doenças, além da infecção do COVID – 19. Era preciso levar alimento, remédio, conforto para quem estava sofrendo. E, por isso, o novo prefeito vinha chamar quem se dispusesse a colaborar com a Força Tarefa que seria montada para vasculhar casas há muito tempo fechadas, para resgatar pessoas enfermas que foram abandonadas, para sepultar os corpos de pessoas que apodreciam no interior de suas casas, para apresentar as pessoas doentes as curas disponíveis que o doutor Cícero Crispim havia trazido de longe. Terapias excelentes desenvolvidas por europeus, norte- americanos e chineses, por cientistas dos lugares onde tinha origem a praga assassina. A nota fora afixada nas portas das casas, nas paredes, passadas por debaixo das frestas de portas e janelas para o interior das residências, coladas na entrada da igreja de São João, do cemitério, do hospital, nos bancos da praça central, nos murais da prefeitura e da Câmara Legislativa, enfim, em toda parte onde pudesse ser vista pelas pessoas que bisbilhotavam as ruas através das frestas das janelas cerradas de suas moradias. Durante dois dias nenhuma resposta. Não se via uma pessoa sequer na rua. Nenhuma porta ou janela se abrira. A podridão que exalava dos cadáveres aumentava, era insuportável. O novo prefeito e doutor Crispim já discutiam o uso da força policial, se necessário fosse, quando adveio o primeiro sinal positivo.

A primeira pessoa a atender o chamado de doutor Crispim foi dona Lucinda Elesbão, viúva de Etevaldo. Debandou de sua chácara, a oito quilômetros do centro da cidade com dois caminhãozinhos atulhados de mantimentos, remédios, cobertores, álcool em gel. Apresentou-se ao gabinete de crise acompanhada de quatro de seus empregados que, segundo deixaram claro, estavam ali por vontade própria, e não por ordem de dona Lucinda. O novo prefeito não conseguiu disfarçar a alegria, pois, sabia o tamanho enorme daquela adesão. Dona Lucinda Elesbão disse tão somente que para salvar a cidade era imprescindível salvar primeiro as pessoas, e para isso estava ali: ajudar a salvar as pessoas. A casa grande do falecido ceboleiro Adroaldo foi escolhida para ser o quartel do voluntariado. Lá dona Lucinda reuniu a pequena equipe de voluntários, cujo número aumentara após as mulheres do novo prefeito e dos cinco vereadores sobreviventes se somarem aos esforços de guerra liderados pela ex-primeira-dama, que depois de chorar as mortes dos cunhados e do marido, ex-prefeito de Rio dos Currais tomou a firme decisão de que era preciso salvar as pessoas para salvar a cidade de seus ancestrais, de seus filhos que ficaram sob os cuidados de sua irmã mais velha na chácara, em confinamento total. No dia seguinte, começou sua missão indo de porta em porta, anunciando-se paras pessoas e comunicando que deixava encostado à porta da casa uma cesta básica com remédios, comida e cobertores. Pedia também que, caso houvesse pessoas doentes no interior da residência, permitisse que as equipes do doutor Crispim pudessem entrar para retirá-las, a fim de que fossem tratadas no hospital municipal, hoje bem instrumentalizado para cuidar dos enfermos. E que, no caso de haver também mortos, pudessem ter um sepultamento cristão, como mandava a bíblia deixada por Deus, nosso senhor, através de seu filho Jesus, nosso salvador.

Nos primeiros dois dias, as cestas permaneceram intocadas. As pessoas, aterrorizadas pela infecção que matara mais de duzentas pessoas na cidade, não se atrevia a abrir sequer uma janela, imagine a porta, que certamente permitiria que a doença invadisse sua casa. No terceiro e quarto dias, também nada acontecera. Nos subsequentes foi obrigado substituir as cestas por novas, já que alguns produtos começavam a perder sua validade, tornando-se imprestável para o consumo. Porém, no sétimo dia, percebeu-se que todas as cestas haviam sido recolhidas pelos moradores enclausurados. O plano começava a dar certo. Entretanto, o cheiro fétido, insuportável de gente morta conclamava uma medida profilática urgente. Era forçoso arrombar portas e retirar os cadáveres para o devido sepultamento. A equipe sugeriu a medida coercitiva, dura, penosa, porém inevitável. Doutor Crispim e o novo prefeito não puderam oferecer resistência. O plano de invasão foi esboçado. Todavia, antes de posto em prática, dona Lucinda apresentou às autoridades sanitárias o plano pensado por Juliano Vaqueiro, capataz antigo e homem de confiança do finado Etevaldo Elesbão, que consistia em deixar às portas das casas, assim como se fazia com as cestas de mantimentos e remédios, redes destinadas aos moradores para que enrolassem seus doentes e mortos e os deixassem na calçada para serem resgatados pelas equipes de voluntariados. O intento teve aprovação unânime e foi logo posto em prática. No dia posterior, haviam sido deixados do lado de fora cinco mortos e mais de sete adoentados. A equipe de doutor Crispim recolhera os doentes ao hospital municipal, enquanto os mortos foram levados ao cemitério para registro e sepultamento. Os corpos eram embalados nas redes e colocados cuidadosamente pelos familiares nas calcadas frias. As equipes de socorro os resgatavam e os levavam para o hospital ou para o necrotério para notificação e sepultamento. Duas semanas mais tarde, todos os cadáveres tinham sido entregues às equipes médicas, registrados e devidamente sepultados no cemitério da cidade. Os doentes, internados no hospital do município, seguiam em lenta, porém, esperada recuperação.

As mortes cessaram. Os casos novos de infecção já não eram mais tão graves. Aos poucos, pessoas eram vista com janelas abertas, seguindo a recomendação de doutor Crispim sobre a importância de fazer circular novos ares pelo interior das moradias.  Certa manha, dona Lucinda, quando entregava de porta em porta a cesta de comida, teve a grata surpresa de ser recebida em uma das casas por um senhor de setenta e seis anos, que se desfez em agradecimentos por ela lhe ter salvado a vida, uma vez que só não morreu de fome graças à comida deixada em sua porta. Ele tinha sido o primeiro a se aventurar abrindo a porta, enfrentando o medo da infecção para recolher o alimento de que precisava. O senhor disse, por fim, que rezaria pela felicidade da primeira-dama enquanto tivesse vida. Dona Lucinda Elesbão, quatro vezes primeira-dama de Rio dos Currais, promotoras das mais badaladas festas da cidade, proprietária e rainha eterna do maior parque de vaquejada da região do Vale do Salitre, chorou copiosamente quando recebeu daquele simplório senhor o gesto de gratidão que suplantou toda frivolidade que tinha sido sua vida até então. Só não se desfez em abraços e outros gestos de carinho ante a atitude daquele sincero vovô porque o contato humano ainda não era recomendado pelo doutor Cícero Crispim, a imprescindível autoridade sanitária da menor cidade do país. A partir daquele fatídico dia, dona Lucinda Elesbão devotaria toda a sua vida a ajudar o próximo, aos necessitados, aos enfermos, vindo anos depois a ser a mais elogiada e solidária prefeita de Rio dos Currais. A Associação de Caridade criada por dona Lucinda despertou uma legião de voluntários na região do Vale do salitre. Houve quem dissesse após seu segundo mandato de prefeita devotada à luta contra a erradicação da pobreza, que dona Lucinda Elesbão só não ganhou o Prêmio Nobel da Paz porque depois de Rio dos Currais ter sido massacrada com a infecção vinda do estrangeiro, ninguém ficou sabendo que existiu na menor cidade do país a corporificação da generosidade, da caridade, da voluntariedade a ajudar o próximo que sofre, enfim, a verdadeira emancipação dos sentimentos que fazem despertar no indivíduo seu melhor humanismo: a solidariedade.

No final de julho, a crise de saúde tinha sido debelada graças à comunhão de esforços da gente simples de Rio dos Currais. As pessoas não tinham mais medo de sair à rua. Crianças brincavam nos quintais como faziam antes da doença maldita que matou quase trezentas pessoas da cidade: primos, avós, avôs, tios, irmãos, sobrinhos, todo munda havia perdido um ente querido. Os mortos ficariam para sempre na memória dos seus parentes e amigos. Mas sol persistia a iluminar aquela cidadezinha que aprendeu lições importantíssimas sobre esperança, morte, loucura e solidariedade durante os dias de sua terrível provação. Personagens distintos seriam lembrados anos a fio. Alguns, como dona Lucinda, o novo prefeito e o doutor Cícero Crispim reclamariam para si sempre uma carga grandiosa de gestos de gratidão associados às lembranças que despertavam. As velhas ruas, antes denominadas pelos pontos cardeais, agora ostentavam os nomes desses inesquecíveis filhos ilustres de Rio dos Currais. A quarta rua da cidade, não porque não existissem nomes dignos de serem homenageados, mas por uma questão de preservar a memória daqueles dias de luta, foi rebatizada de Rua da Aurora, para simbolizar o renascimento da fé, da irmandade, da solidariedade no seio daquele povo temente a Deus. Essa era também a rua onde se situava o hospital municipal, onde muitos foram salvos da “doença matadeira”.

Os próximos meses foram de reconstrução da cidade e das vidas. Aos poucos tudo foi sendo reconduzido à rotina de trabalho para fazer de Rio dos Currais a cidade adorada pelos turistas que retornariam nas próximas festas de junho. No janeiro seguinte, os habitantes da pequena cidade foram unânimes em concordar com o novo prefeito de que era necessário iniciar os preparativos para a grande festa que pretendiam realizar naquele ano. Entretanto, havia um problema que se mostrava incontornável naquele momento. A epidemia devastara as finanças do município, do comércio, das pessoas, o que limitava a ambição de festejos que devolvessem a boa reputação de que gozava Rio dos Currais antes do vírus da morte. Foi quando o senhor de nome Emerenciano pediu a palavra. Ele tinha setenta e seis anos de idade e era aquele tempo a pessoa mais velha da cidade.  Emerenciano Feitosa era seu nome completo. O senhor que se apresentava para assumir a ordem do discurso, com sua voz frágil, pausada, porém, firme ao propor a melhor saída para o povo de sua sofrida cidade, era o mesmo que manifestou sua gratidão à dona Lucinda, quando a recebeu em sua casa, durante a ação solidária que esta liderou para salvar o povo de Rio dos Currais da exterminação. No conselho, que ora emprestava as autoridades ali presentes, dizia:

_ Senhores e senhoras! – começou encadeando as palavras de forma pausada e com muita objetividade – sei que não detenho autoridade para impor nada a esta cidade, e nem desejo fazer qualquer imposição. Sei também o que passamos recentemente. Carrego, como todos vocês, a dor da perda, a angústia da impotência diante dos imperativos da vida. Neste momento, no auge da idade que ostento, pergunto-me por que fui poupado quando jovens e crianças sucumbiram. Mas isso não é o que importa agora. A resposta a essa minha indagação, apenas Deus me poderá dar. E creio que isso não tardará acontecer, se merecedor eu for dessa dádiva. No entanto, o objetivo de minha fala é sugerir aos senhores que este ano façamos uma festa para nós, diferente do que tem sido até aqui. Ano após ano, Rio dos Currais prepara festejos para pessoas de outros lugares. Peço que entendam que eu não estou condenando esta atitude, já que os turistas contribuem fortemente para o desenvolvimento econômico deste pequeno município, além do mais, é salutar a interação entre os povos. Não condeno o modo como tem sido organizada a festa de nosso santo padroeiro. Apenas ressalto que haverá novas oportunidades para essas grandes festas, dignas da reputação de Rio dos Currais no Vale do Salitre. E conclamo que neste ano – apenas nesse ano, se for o entendimento geral – façamos a festa aos moldes antigos. Resgatando esquecidas tradições que ajudaram a nos tornar o que somos. Façamos a festa de São João para nós mesmos, como um ato de confraternização, com fogueiras acessas na frente das casas, com vizinhos interagindo, enfim, com nosso povo festejando esse desejado renascimento, após sobreviver o mal que se lançou sobre nós. Uma festa para nós sobreviventes homenagearem aqueles que não puderam estar conosco agora. Era o que tinha a dizer.

Um momento de silêncio sucedeu às palavras de Emerenciano Feitosa. Houve uma moção silenciosa de adesão à proposta. Ninguém se opusera a que a festa naquele ano retomasse o aspecto antigo de festejos familiares, onde fogueiras eram acessas em frente às casas, vizinhos se confraternizavam, havia danças de quadrilhas, milho assado diretamente na fogueira, cozido em panelas de barro, pamonha, broa, bolo, polenta, angu, mungunzá doce, mungunzá de sal, carne assada, pessoas vestidas de cangaceiro, camisas quadriculadas, jaquetas de couro cru, chapéus, damas e cavaleiros rodopiando ao som de sanfona, triângulo, zabumba, tiro de bacamarte, rojões, jogos de azar, de caipira, tudo que faz dos festejos juninos nas mais remotas cidadezinhas desse país imenso se transformar num momento de fraternidade, de alegria, de esperança, de interação, de solidariedade entre pessoas simples, cuja marcha diária não se resume a comércio, à Economia, a Mercado, a contar moedas e cadáveres que se avolumam pela opressão do vil metal, pela decisão de líderes insanos como Etevaldo Elesbão, que conduzia seu povo a morte, à destruição. Não. Essa era a festa de um povo que dança e canta para a vida, que na desgraça acolhe seus semelhantes, que se ajudam mutuamente, ainda que seja preciso dividir o pouco que tenha, que na alegria compartilha com seus iguais, que sonha com dias melhores, apesar da frieza e perversidade de seus representantes nas assembleias dos nobres. Enfim, aquela foi uma festa para comemorar a aurora de Rio dos Currais. Para celebrar o heroísmo de pessoas como o novo prefeito, Antenor Medeiros, dona Lucinda, os Voluntários do Casarão, como ficou conhecida a equipe de bravos cidadãos liderada por dona Lucinda, a magnitude e honradez do doutor Cícero Crispim, que desafiou os limites de sua sabedoria e saúde para conduzir a luta contra a morte que pairava sobre Rio dos Currais.  A festa não durou quinze dias como antes da “doença matadeira”, mas os dois dias pelos quais se estendeu foram dias de reencontro daquela gente simples, crente, trabalhadora, orgulhosa da bravura com que suportou os dias difíceis de doença e morte.

Passados dois anos da grande campanha contra a morte trazida pela doença mortífera que a Ciência alcunhou de COVID – 19, a gente simples de Rio dos Currais, a menor cidade do país, com pouco mais de duzentos e trinta habitantes, retomou sua rotina de trabalho, devoção, solidariedade; e de festejos juninos de fazer inveja aos maiores carnavais do planeta. Antenor Medeiros foi reeleito prefeito. Dona Lucinda entrou para apolítica e agora cuida da feitura das leis na Câmara Municipal. O inexcedível doutor Cícero Crispim, agora aposentado de verdade, emprega seu tempo a estudar e escrever livros sobre os procedimentos utilizados no tratamento de doenças respiratórias graves e a ministrar palestras em faculdades de medicina no litoral. A “Doença Matadeira”, como ficou conhecido, em Rio dos Currais, o vírus mortal COVID – 19, que infectou mais de um milhão de pessoas no mundo, levando a morte de centenas de milhares de seres humanos, em mais de duzentos países, finalmente foi controlada após a comissão de estudiosos de todas as nações, reunida pela Organização Mundial de Saúde, desenvolver eficiente vacina, hoje recomendada para todos os indivíduos da terra. “O mal finalmente foi vencido e o tinhoso aprisionado novamente”, disse o novo padre na primeira missa que celebrou na igreja de São João, na pequena cidade de Rio dos Currais. “Deus seja louvado”, continuou. “Para sempre seja louvado”, responderam todos, em uníssono, a ecoar por todo Vale do Salitre.  

Escrito por Ponciano Ratel                                               

E APOIS!

A tese dos ricos é a seguinte:
Como a maior taxa de mortalidade é de idosos, os poucos jovens que morrerem serão considerados baixa de guerra. E até impactará positivamente nas futuras taxas de desemprego, pois são as maiores vítimas do capitalismo predatório, que se sustenta da reserva de mão-de-obra desqualificada e, portanto, barata . Então, para eles, o melhor seria não estabelecer isolamento social, mas apenas o confinamento desses chamados grupos de risco. Seguindo essa lógica – e aqui reside o determinismo perverso -, não promovendo isolamento – ou apenas isolamento parcial – o vírus se alastraria sem controle. Porém, nem todos os infectados morreriam, somente os mais frágeis, uma vez que como a gripe, os sintomas dependem da capacidade imunológica de cada indivíduo. Com isso, a economia teria minimizado seus impactos negativos, sendo compensados com a desoneração dos sistemas previdenciários, já que deixariam de pagar, pela alta mortalidade de idosos, aposentadorias que hoje pesam sobre o orçamento público, fazendo sobrar dinheiro para aquecer a economia e robustecer mais ainda as fortunas dos mais abastados.
Outro aspecto deve ser considerado. Isolar apenas os grupos de riscos significa retirá-los do convívio com os demais que não apresentam risco maiores entre si, mas representa risco para os idosos. Isto resultaria em encarceramento dos velhos e doentes dispensáveis, segundo a citada tese, vivendo longe de suas famílias.
A conclusão é simples: o não isolamento matará o maior número de idosos possível, mas, pelo menos em tese, não destruiria a economia. Logo, o pobre poderá continuar trabalhando, mesmo sob pena de morte, para produzir riquezas a serem acumuladas pelos parasitas da sociedade.
De minha parte, temos que pensar que mesmo a economia desandando, salvando-se vidas, ainda que passando privações severas no futuro, poderemos recuperar qualquer bem material, reconstruir as riquezas do país. Então, apostemos no isolamento, embora seja apenas medida de precaução e não curativa. Ou sequer a certeza de não contágio.
EU APOIO A QUARENTENA!!!
Por: Adão Lima de Souza

SE BULA- EM TEMPO DE “CORONA VIRUS”

Nas ultimas publicações sobre a atividade física e saúde feita aqui na pagina do SE BULA ficou evidenciada a importância da atividade física à saúde e que iniciar um programa ANTISEDENTARISMO seria uma forma saudável a qualquer individuo.

A atividade física associada a outros comportamentos como a alimentação saudável e sono contribui para a melhoria do nosso sistema imunológico, dessa forma é que, faz-se imprescindível, nesses dias de crise epidemiológica, que seja adotado um comportamento isolado, porem não sedentário, pois, é também, possível atividades físicas em casa.

Alguns exercícios de resistência muscular são totalmente indicados, pois garantem o efetivo estimulo de grupos musculares importantes no dia a dia, tais exercícios como: apoio de frente, abdominais variados e se houver um local apropriado subidas na barra também são de grande valia.

Não é objetivo, desta publicação, esgotar as possibilidades com exemplos de atividades físicas, mas de demonstrar que mesmo em casa nossa responsabilidade da ativação corporal em busca de uma melhor imunização do nosso sistema fisiológico é possível e recomendada, já que não é conhecido por qual período estaremos com orientação de confinamento.

Vale lembrar que similar aos programas utilizados em academias as “séries” devem ser definidas e contínuas visando logicamente exercitar o componente da Aptidão Física que desejas, desde FORÇA; FLEXIBILIDADE; RESISTENCIA; RITMO ou outros. O exercício adotado deve ser seguro e numa sobrecarga suportável, valendo lembrar que sua criatividade para, talvez, criar seus próprios movimentos corporais guiará o nível de intensidade da atividade escolhida.

A ciência determina que o exercício de intensidade moderada, praticado regularmente, melhora a capacidade de resposta do sistema imunológico assim contribuindo com o objetivo de melhoria da qualidade de vida, portanto séries variadas desses exercícios supracitados.

A prática dos tipos de atividade e com sua intensidade moderada da maneira abordada quando em relação sistema serve para proteger o corpo de ataques externos, logicamente não é VACINA, mas de grande importância como fator de proteção.

Entender que as atividades físicas são importantes corresponde a perceber que, momentaneamente uma mudança comportamental é exigida, com isso os objetivos estéticos ficam menos favorecidos em favor da qualidade de vida, e em parceria a ela outros hábitos exigem seu cumprimento de maneira consciente tais como a alimentação e sono.

A adesão a um programa dessa natureza, feito em casa, é uma proposição de luta contra o sedentarismo e manutenção da saúde, nesse caminho instantâneo não é diretamente o aspecto físico/estético, mas nossa obrigação de combater essa PANDEMIA que assusta e assola o mundo.

A atividade física diária contribui a defesa do sistema imune, pois a prática de exercícios faz com que o sangue circule mais. Assim, os anticorpos e glóbulos brancos se deslocam por todas as partes do seu corpo mais rapidamente, de modo que eles possam detectar as fraquezas mais rapidamente.

Com a alteração da frequência cardíaca em virtude da realização dessas atividades físicas desencadeiam a liberação de hormônios que “alertam” as células imunes de agentes causadores de doenças, portanto a intensidade da atividade deve ser moderada. ALERTANDO assim que, exercícios de alta intensidade nesse momento não são recomendados, pois agem de forma contraria reduzindo nossas defesas, pois o estresse é aumentado demasiadamente.

Assim, mesmo em casa, faça sua atividade física lembrando que seu organismo foi feito para se movimentar, ative-se, mova-se mexa-se… SE BULA! AFINAL,  HOJE É SEGUNDA FEIRA.

Por: Cícero Atila Martins Santos, Professor Especialista em Educação Física.

Nosso Harvey Dent Sérgio Moro e o desgoverno de lacração do Capitão Comédia.

E então Plebe Rude? Este que vos fala é PONCIANO RATEL, alçado a patente de quase Desabestalhador Geral da República, em revide ao obscurantismo grassante.

No proselitismo iconoclasta de hoje, o nosso Harvey Dent Sérgio Moro cumpre a profecia do promotor público de Gotham City: “ou você é um herói ou vive o bastante para se ver tornar um vilão”. Pois é. O ‘conge’ de Rosângela caminha a passo largo para tornar-se um vilão.

O que nos dão conta os noticiamentos hodiernos é que bastou findar a arrelia com o desapegado operário do clube das empreiteiras, o nosso Harvey Dent Sergio Moro se unira às hordas do desgoverno de Jair-Bessias-Rousseff-Bolsonaro na cruzada contra os doutrinamentos avessos às verdades terraplanistas difundidas pelo “boca-de-privada” Olavo-Dercy-Gonçalves-de-Carvalho, o guru João-Bidu, filósofo da direita chucra e adjacências, dos búzios e dos mapas astrais de ascendências insólitas.

E, segundo os tabloides mais versados no entretimento e na venda de leituras de fácil degustação, os tempos atuais são de transvaloração das pós-verdades invertidas, pois o que se vê não se cria e o  que se crê não se via, já que capitão achincalha generais de dez estrelas, enquanto conclama marmanjos-gringos do sexo masculino à livre fornicação  nas terras pátrias e finge não perceber que  um de seus pitbulls é meio Lassie e os outros são afeitos aos ganhos fáceis da rachadinhas parlamentares.

De volta ao anti-herói-vilão de Gotham City-Paraná, informam ainda os libelos mais benquistos pelos letrados, conforme os inteiramentos acusatórios da grande mídia falada e escrevinhada, que depois de se aninhar nos recônditos do Palácio dos Marajás da Governança do Detrito Federal, corroborando para o desgoverno de lacração do Capitão Comédia, com proposições de recrudescimento de um sistema de justiça criminal falido, o juiz herói nacional mercadeja sua história e reputação acreditando ingenuamente que manter sob seu controle CADE e COAF lhe devolverá a glória dos tempos da Lava Jato, porque os corruptos alvos de sua caneta no passado, agora serão benevolentes e se deixaram apanhar como moscas varejeiras.

Por fim, alardeiam os ditos pasquins, que como bem disse Ruy Castro, considerando que o Capitão Comédia Jair-Bessias-Rousseff-Bolsonaro somente usa a caneta para firmar medidas derrisórias, fala os maiores absurdos, toma decisões irresponsáveis, quer acabar com a educação e o ambiente, tem três filhos dementes e é governado por uma cartomante da Virgínia, seria melhor o Brasil ter eleito o Cabo Daciolo.

Por ora é aguardar para ver quanta patifaria ainda produzirá o desgoverno lacrador do Capitão Comédia e até quando o nosso Harvey Dent Sérgio Moro, enquanto aposta na mercancia intermediada pela súcia de sacripantas encravada como chatos nas partes pudendas do Estado, terá sucesso em estabelecer uma conduta ilibada pública, capaz de motejar a sacanagem privada galopante desde os tempos de Cabral… O navegador português.

E atentai para a sapiência murmurada por Galileu Galilei antes de se desdizer: E PUR SI MUOVE!

Saudações a quem tem coragem!

Por: PONCIANO RATEL.

BRASIL: O cinismo sectarista dos PTralhas e dos Bolsonaros!

E então Plebe Rude da Nau-Brasil desgovernada, nação futurista, trazida pelas caravelas d’além-mar, este que vos fala é PONCIANO RATEL, alçado a patente de Desabestalhador Geral da República, em revide ao grassamento das contingências morais nestas paragens tupiniquins.

No proselitismo iconoclasta de hoje, a polarização PT versus Bolsonaro nas eleições de outubro e o seguimento da roubalheira do dinheiro do povo pela mesma súcia de sacripantas antes encravada na pele apodrentada do governo, como chatos nas partes pudendas.

O que nos dão conta os noticiamentos hodiernos é que Bolsonaros e Petistas travarão a mais sanguinolenta das disputas eleitorais que o Brasil já teve, caso a polarização entre eles se confirme no segundo turno das eleições, uma vez que ambos estão sequiosos para ajuntar sua própria tuia de ratoneiro nos recônditos do Palácio dos Marajás da Governança.

E, segundo os tabloides mais versados no entretimento e na venda de leituras de fácil degustação, há um ajuntamento de pessoas de diversos partidos e outros partidos diversos dispostos a financiar a campanha odienta do segundo turno, acirrando os ânimos para que brasileiros se lancem contra brasileiros, numa virulência nunca dantes vistas, enquanto os arquitetos da iniquidade, os intocáveis senhores da ‘respública’ se empapuçam no derrame de dinheiro surrupiado, ao tempo em que tripudiam dos incautos eleitores, cidadãos de bem que se presumem vítimas, porém agem como verdadeiros cúmplices, uma vez que as intenções de votos denunciam que toda sorte de picareta terá mais uma segunda chance.

Informam ainda os libelos mais benquistos pelos letrados, conforme os inteiramentos acusatórios da grande mídia falada e escrevinhada, que quem quer que saia vencedor, Bolsonaros ou Lula-Haddad, havemos de ter mais quatro anos de muita instabilidade política, pois desde já o resultado eleitoral está sendo questionado, podendo o Brasil mergulhar de novo numa medonha ditadura militar seja estimulada pela estupidez de Bolsonaro, seja ocasionada pela fragilidade política de Haddad e sua prévia disposição de transformar os aposentos do Lula em Curitiba em sala de Estado-Maior e a partir dela governar o país, coisa vista como normal nesta Pindorama pelas organizações criminosas e os partidos políticos de índole duvidosa.

Por fim, alardeiam os ditos pasquins, que a intenção do intendente Haddad de dar ao morubixaba-mor um induto será insuficiente, pois para se livrar de toda encrenca que arranjou o velho Lula, pelos crimes ainda pendentes, precisaria de no mínimo um salvo-conduto. E quanto ao plano do capataz Bolsonaro de governar o Brasil, este teria sido descartado quando ele ingenuamente escolheu como vice uma patente mais alta que sua, porque não sendo o cargo de vice subordinado ao de presidente, um general não teria a mínima disposição de obedecer às ordens de um reles capitão, a quem pode tratar do alto da hierarquia com o merecido menosprezo.

Por ora é aguardar para ver a quantas anda a patifaria de nosso eleitor, cuja diligência sempre foi descuidar de qualquer possível conduta ilibada pública, capaz de motejar a sacanagem privada, grassante desde os tempos de Pedrálvares.

E atentai para esta sapiência: O perigo que corre o pau; corre o machado! E mais: dentre os políticos não há trigo, dentre nós eleitores não há machado!

Saudações a quem tem coragem!

Por: PONCIANO RATEL.

CONSTITUIÇÃO É O NOME DE QUÊ?

A Vanderley Caixe Filho

A constituição não é um significante primeiro, mas deve ser considerada como tal na medida em que instaura um campo de ações linguísticas possíveis. Aqui já aponta para o caráter performático da constituição. A perfomatividade não pode ser confundida com um gesto vazio, mas como abertura de mundos possíveis. A constituição, como livro, para usar Caetano, permite ‘lançar mundos no mundo” A constituição não se reduz a uma forma lógica desprovidada de materialidade. Há muito se tenta equacionar a relação entre normalidade e normatividade. Se toda normatividade implica na criação de esquemas e categorias, no rastro delas, está a constância de certos fatos, portadores da normatividade. A normatividade ancora-se na faticidade. Essa relação transporta-se para dentro da normatividade que, imbuída da faticidade, não se mumifica numa racionalidade abstrata e a si, num céu de conceitos a priori, nem também se dispersa a ponto de uma facticidade qualquer ou construída falaciosamente possa corroer a tessitura textual e intertextual do direito. A faticidade juridicamente relevante é aquela que a normatividade agasalha, não uma suposta opinião publicada por órgãos de imprensa comprometidos com as classes dominantes. A dialética entre norma e fato não deve ser operacionalizada para que haja uma corrosão do texto nem para produzir uma normatização apócrifa dos fatos, como diz Müller, mas, para permitir que o trabalho do texto, que se dá no insterstício do sujeito e do objeto, se produza superando os obstáculos hermenêuticos numa espiral interpretativa voltada a produção de sentidos partilháveis no comum.(1)

A constituição como evento se revela como poesia, isto é, como indicação não de um dado naturalizado, como abertura a mundos possíveis. A constituição, como ato simbólico, é a tentativa de superar contradições, por isso, não se enrijece em significados fixos nem se dispersa em sentidos frouxos, mas abre um campo analógico em que a luta pelos sentidos se produz. Manter acesa a gênese da constituição é crucial para preservação do sentido literal possível. Na medida em que o texto se produziu no trabalho coletivo e social, nele mesmo, na sua visibilidade mesma, está presente a luta de várias gerações, lutas tingidas de sofrimentos intensos, de gritos e martírios do povo, das ‘raças’ lançadas em zonas de não ser. Como ler a constituição sem ver no seu rastro as expectativas frustradas dos povos negros e indígenas? A constituição não encobre o outro, mas, por força da instauração de uma discordância concórdia, permitir que o outro negado mostre seu rosto histórico. É o seu sentido. Não obstante, a colonialidade do poder impede que a constituição seja, como diz um escritor edificante, um novo começo. De que começo se trata? Existe um começo? Como falar de começo sem atentar para uma tradição fundada na exceção e na violência? Como falar de começo sem atentar para a necessidade de remover os obstáculos hermenêuticos ao fazer da Constituição? Na modernidade periférica, fendida em espaço de ser e espaço de não-ser, a igualdade, mesmo a formal, não se concretiza, e uma antinomia gritante se apresenta: a declaração formal de igualdade e práticas violentas de exclusão territorial, física e simbólica. Eis uma antinomia que mostra o nosso começo: nos territórios nutridos pela mais-valia, a lei; nos territórios explorados, a violência mais bruta. A colonialidade, diz Fanon, compartimenta o espaço, grava os seres de acordo com a cor da pele, submete-os a uma exclusão perversa e não demonstra racionalidade: é um exercício de poder no estado bruto.

É preciso retomar com vigor a ideia de Müller de que a textificação é faca de dois gumes que pode ser canalizada tanto para a colonização dos sentidos quanto para construção correta dos sentidos sempre aberta à alteridade. Como interpretar o enunciado de Muller de que os textos se vingam? Invocamos aqui Engels, discípulo fiel de Hegel, que, no Anti-Durign, afirma: “Os proletários colhem a burguesia pela palavra: é preciso que a igualdade exista não só na aparência, que não se circunscreva à orbita do Estado, mas que tome corpo e realidade, fazendo-se extensiva a vida social e econômica.” (2)

Colher a constituição pela palavra significa estabelecer uma relação dialética entre experimentação e interpretação: instaurar, lembrando André Jean-Arnaud, uma prática jurídica social entendida como a ‘’atividade social que, quando confrontada ao processo de produção material e ao princípio de luta de classes, procura transformar as relações sociais regidas pelo direito em vigor.”(3)

Se a colonialidade se opõe à emergência do trabalho do texto enquanto instância que se exprime para além do subjetivismo e do objetivismo, devemos repetir o gesto de Espinosa. No tratado teológico-político, diante da apropriação privada da interpretação bíblica, instaura um conflito de interpretação (4) ao criar um método que permita a qualquer um encontrar, no trabalho do texto, o falar comum em que se estriba a produção dos sentidos. O processo de interpretação e o processo de controle da aplicação do direito não pode ser limitado às instâncias de poder que, não raro, desgarram-se da razão comum e necessária, sobrecodificam sentidos hegemônicos sobre o texto.

Neste cruzamento, o direito é interpelado pela política. No Brasil, é preciso, mais do nunca, insistir na distinção, desenvolvida com Jacques Ranciere, entre poder e política. Existem duas formas de contar a comunidade. A primeira só conta os grupos construídos e erigidos por diferenças de nascimento, raça e gênero, e de funções e lugares que constituem o corpo social. A segunda envolve a parte de parte alguma, a inscrição política dos não contados (4). O poder colonial é uma engrenagem do primeiro tipo. Nessa lógica, os lugares estão previamente determinados pela ascendência de forma que toda a institucionalidade é parasitada, vergando-se aos interesses das classes dominantes. Para superar isso, somente colhendo a constituição pela palavra, isto é, pela torção hermenêutica que coloque o comum acima da branquidão como propriedade.

  1. MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2013. É preciso entender a normatização apócrifa em sentido mais amplo do que proposto por Müller. No processo penal, a apropriação privada da linguagem permite que fatos atípicos sejam qualificados como típicos, isto é, permite a normatização apócrifa dos fatos. Daí a importância crucial da epistemologia da prova.
  2. ENGELS, Friedrich. Anti-duhring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 89
  3. ARNAUD, André-Jean. O direito traído pela filosofia. Porte Alegre: SAFE, 1991, p. 163.
  4. Sobre o conflito de interpretação consultar: NASCIMENTO, Luis Eduardo Gomes do. As antinomias do direito na modernidade periférica. Paulo Afonso: SABEH, 2018. Nesse livro, dentre tantas novidades, inaugura-se, no Brasil, a hermenêutica jurídica analógica como forma de combater a afasia linguística que nos assola hoje.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento,  Advogado e Professor da UNEB