Arquivos da Seção: Da Ciência Jurídica à Jurisprudência

HEGEL MATERIALISTA, MARX IDEALISTA: RUMO À RAZÃO DIALÉTICA

Há que analisar melhor a relação entre o idealismo de Hegel e o materialismo de Marx. Em Hegel não há dedução transcendental das ideias, mas um sistema teórico complexo que articula, em todos os desdobramentos, a relação entre categoria e experiência. A crítica de Marx, nesse contexto, não se destina a revelar o misticismo da ideia enquanto demiurgo da realidade. A coisa, para citar Rimbaud, passa por outro lugar.

A crítica de Marx, na verdade, engaja-se em outro entroncamento. Ainda que, em certas passagens acerbas, tenha criticado a ideia de que não basta a alteração da consciência ou a entronização de uma nova interpretação do mundo, não se pode negar que toda transformação real passa, inexoravelmente, pela constituição de uma interpretação nova da realidade. Por isso, a inserção do idealismo em Marx, idealismo hegeliano, que nunca ignora a efetividade, é salutar para o desenvolvimento mais cabal do marxista. Numa carta a Schelling, em que expressa de forma profunda o sentido kantiano do dever ser, revela que, na medida em que os intelectuais indiquem como as coisas devem ser, as massas, ao serem mobilizadas pela força das ideias, podem sair da letargia e assumir formas organizativas transformadoras. Não seria tal idealismo essencial para nos libertar de certo fatalismo teoricista que, ignorando as complexidades reais, propõem, no vazio, que a realidade, forçosamente, espelhe o programa prévio? Nesse sentido, a continuação do marxismo autêntico deve ter por missão conferir mais determinações concretas ao pensamento de Hegel e atribuir mais idealismo ao materialismo dialético de Marx, especialmente, para que o dever ser seja não uma ideia reguladora no sentido kantiano, mas, no sentido de Nietzsche, uma experiência pragmática e extremamente aberta. Walt Whitman: canção da estrada aberta. Pragmatismo e movimento. Parafraseando o velho Mao Tsé-Tung: não seria o erro, na medida em que for assimilado, uma condição para a produção da verdade?

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

A ATUALIDADE DO GESTO ESTRUTURALISTA E O DECLÍNIO DO CAPITALISMO

“O desenvolvimento rápido da troca é a característica da época em que escreve Sismondi” Lenin

Às vezes, é salutar estabelecer um debate traçando um paralelo. O livro O estruturalismo e a miséria da razão de Carlos Nelson Coutinho padece de várias fraquezas teóricas. Subjaz ao livro a repetição acrítica de Lukács contra o então emergente estruturalismo. A ideia central é colocar a ontologia social de Lukacs contra a ênfase que, segundo o autor, o estruturalismo coloca nas questões epistemológicas, recaindo muitas vezes em um realismo ingênuo e metafísico. O autor refuta Saussure de forma hilária.

Para Saussure, a língua é forma e não substância. Para um olhar acurado, Saussure usa a palavra substância no sentido metafísico de um todo orgânico, unívoco. Nelson Coutinho, por sua vez, invoca alguns autores para defender que a língua é substância, conferindo ao termo um sentido diverso do enunciado por Saussure.

Ao autor brasileiro escapou o essencial: Saussure, ao enunciar corretamente que a língua é uma forma, adota o viês sincrônico, deixando de lado o diacrônico. É este o problema do estruturalismo que permaneceu incompleto: às interessantes e instigantes análises internas dos sistemas não se seguiram as análises históricas que pudessem explicar a transição das formas.

Na parte em que trata de Althusser a coisa piora. Os conceitos mais importantes de Althusser são deixados de lado talvez porque Nelson Coutinho não tinha muito conhecimento de psicanálise. A noção fecunda de causalidade metonímica e a reinvenção do conceito freudiano de sobredeterminação nem sequer são mencionados.

É um clichê dizer que Althusser tenha lido Marx desde o jargão estruturalista. Mas para além disso, pode-se verificar que entre Lukács e Louis Althusser existem mais pontos de encontros do que divergências. Na verdade, os conceitos de um se enriquece com o do outro sem incorrer em ecletismo, esta prótese retórica de quem se acostuma ao monolitismo.

Marx, sobretudo em O capital, trata as questões da forma de maneira muito similar ao estruturalismo. Não é novidade as aproximações entre as análises do signo em Saussure e a análise da forma-valor em Marx. Recentemente, Kojin Karatani confirmou a força desta analogia.

Enfim, não devemos subscrever acriticamente o que se produz em outras partes do mundo, mas também devemos encetar uma critica que, antes de tudo, possa compreender corretamente o que se critica.

Em 1953, uma cartilha polêmica já dizia da necessidade de superar a sociologia enlatada.

E o gesto genial de Karatani não tem sido a possibilidade de esboçar a grande lógica, mas, ao enunciar as inúmeras paralaxes do momento, entender a necessidade histórica do estruturalismo. Sentimo-nos familiares a este gesto.

São muitas confluências: a inserção do Estado e da Nação como elementos chaves da análise econômica, numa pequena discordância com Marx que se esclarece quando da análise diacrônica da questão; a compreensão das várias formas históricas do capitalismo ou a transição das formas dos modos de produção; um melhor ajustamento da questão do comunismo primitivo e do modo de produção asiático; a compreensão fundamental de que os modos de trocas e os modos de produção não são antíteses, mas desenham a necessidade de novos estudos e a própria releitura da obra de Marx para desvelar esse aspecto; a libertação da antropologia para compreensão das graves questões econômicas; a inserção, numa linha hegeliana mesmo inconsciente, do sistema ético junto aos sistemas de trocas; a compreensão das razões das crises cíclicas do capitalismo. O capitalismo reprime as contradições, mas hoje as contradições implodem o capitalismo. São pequenas observações sobre obra que me lembra Lenin falando sobre Engels: cada frase condensa uma tese. Em dois parágrafos, refuta Negri e Hardt para mostrar que, no núcleo do capitalismo, num lance teórico crucial para a adequada compreensão do presente, não é a multipolaridade que prevalece, mas a existência de várias formas de imperialismos que, num longo período de consenso, esbatem-se e debatem-se perdidos na contradições e implosões internas. A China esfacelada pelo chauvinismo incompetente e iletrado, a Rússia impotente e incapaz de retomar o legado da ciência operária que a tornou hegemônica em setores essenciais, os EUA em desintegração econômica e social interna e diante da implosão do sistema financeiro que encabeça e os emergentes em estado de crisálida.

E algo que podemos acrescentar é que, no capitalismo, os nacionalismos que prevalecem são identitários, isto é, de má-identidade. As hegemonias são identitárias. Hegel chama de má identidade aquela que não se abre às diferenças e estabelece o outro como inimigo. Sem esquecer que, na história, há o nacionalismo operário.

Trata-se do maior pensador da atualidade cuja obra abre caminhos novos, novos paradigmas, inclusive de leitura, e novos horizontes políticos e econômicos. É uma clivagem na filosofia para que o verdadeiro universal emerja na sua limpidez e força.

Enfim, podemos dizer, conforme disse a um jurista argentino em 2007, que o século XXI será o século do marxismo. O Capital, de Karl Marx, é o embrião indeclinável e ineliminável de várias ciências e, sobretudo, da economia política marxiana que ainda está por fazer. Marx elaborou as ferramentas conceituais essenciais, cabe-nos desenvolvê-las para que mais bem possa retinir o brilho inconteste da dialética.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

A DESINTEGRAÇÃO ECONÔMICA DOS ESTADOS UNIDOS E O FIM DE UM IMPÉRIO

Invoquemos dois enunciados complementares do gênio de Marx: a economia burguesa é o caos; o capital é o limite do capital. Limite, conforme já anunciamos em outros textos, no sentido matemático do termo.

Tais enunciados desvelam de forma cabal a crise norte-americana: o debate sobre a dívida se engaja num disjuntivo inapropriado: aumento do teto da dívida ou calote. Isso porque o jovem Marx, quando tinha 21 anos de idade, na leitura dos clássicos gregos, revela que, em Plotino, o disjuntivo não se articula à necessidade, mas à abertura para a emergência do novo.

Nesse sentido, o próprio horizonte do debate nos EUA revela a crise em que está enredado.

Lenin, em Os Cadernos Dialéticos, afirma que não se entende Marx sem o entendimento profundo de Hegel e arremata que, até então, poder-se-ia dizer que nenhum marxista entendeu Marx. E Lenin disse corretamente. Talvez dois, hoje atualmente podem dizer que entendem verdadeiramente de Marx. As categorias de Marx são muito mais complexas do que as que se usam, trivialmente.

Por que o capital é o limite do capital? Porque das contradições que marcam o capitalismo, há uma tendência à disseminação do capital, isto é, de figurar na forma abstrata desconectada do movimento da realidade. A matemática de Hegel, e aqui estamos debatendo entre matemáticos, lança mão do termo ”má-infinitude”.

A economia dos EUA desaba na má-infinitude. Em razão disso, pode-se antever a total desintegração sócio-econômica dos EUA: a pauperização geral da população, atingindo, em média, sem qualquer exagero, 90 por cento da população, e a implosão do sistema financeiro que agora flutua, sem raiz, combalido totalmente. Estamos diante da desintegração total dos EUA: o Estado implodirá numa deriva incontrolável de forma mais intensa do que a crise de 1929.

É o fim de um longo império. A Escola de Chicago compreenderá.

De roldão, à maneira da Inglaterra do século XIX, que, pelos truques do capital, levava à bancarrota os exportadores de trigo. No Brasil, dar-se-á mesmo, ainda que os personagens sejam outros.

No torvelinho da crise, a implosão do sistema financeiro brasileiro para que os criadores do plano real que, antes jactavam-se dessa péssima invenção, deparem com a própria incompreensão dos fatores reais da economia.

Que haja possibilidade, ao menos, frenar o infrene descalabro econômico em que mergulha o nosso querido Brasil.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

SOBRE O SENTIDO DO BROCARDO IN CLARIS CESSAT INTERPRETATION

A Carlos Maximiliano

Carlos Maximiliano, ao fazer crítica à interpretação corrente do brocardo “in claris cessat interpretation, tinha o propósito de salientar uma ideia bem simples: que a verificação da clareza exigia o processo interpretativo. Justamente para afastar a ideia de que a clareza da lei afasta a necessidade de interpretação e para remarcar que o reconhecimento da clareza decorria de uma interpretação.


A crítica ao brocardo era dirigida à compreensão medieval de que a hermenêutica era ancilar e só seria convocada diante das expressões obscuras e ambíguas. Ao criticar o brocardo, salientava que a hermenêutica é ciência autônoma e que se apresenta viável diante de qualquer texto, obscuro ou não.

Também, o brocardo nunca foi uma clareira aberta para transbordar do sentido literal, permitindo que sentidos não cobertos pelo texto pudessem ser apostos com base numa vontade não acolhida pelo espírito objetivo da linguagem.

Chaim Perelman, por sua vez, afirmava que o sentido do brocardo envolve a compreensão de que a clareza apenas significa um grau maior de consenso e a inexistência de maiores controvérsias na interpretação.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

NO VENTRE DA TERRA

No ventre da terra
Na pera encantada
Nos bagos sumarentos das uvas
Em teu regaço germina
No caldeamento das matrizes
No cerne
Na pela
No céu da boca
Em tudo
Em ti
Mais ainda propago a era
Propugno o fruto
Proponho estrelas
Renasces sargaço
Vicejo em prantos
Cantas em lágrimas
E se dissolve o nó
E se dissipa os nós
E se celebra no estar
Na América Latina
No Oriente
No médio do espaço em que tremula a verdade
Que em nós e por nós existe.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

INTERPRETAÇÃO ESTRUTURAL E RESOLUÇÃO DE ANTINOMIAS

A unidade do sistema não é uma situação empiricamente dada, mas fruto da cognição das categorias jurídicas. Assim, é possível, no plano da linguagem prescritiva, a existência de contradições e que, apenas mediante a intervenção interpretativa, podem ser solucionadas.

Na lição lapidar de Friedrich ao tratar do tema da unidade da constituição:


“A unidade da constituição enquanto visão orientadora da metódica do direito constitucional deve antepor aos olhos do intérprete, enquanto ponto de partida, bem como, sobretudo, enquanto representação do objetivo, a totalidade da constituição como um arcabouço de normas. Este, por um lado, não é destituído de tensões nem está centrado em si, mas forma, por outro lado, provavelmente um todo integrado com sentido. No quadro do que pode ser argumentativamente defendido e fundamentado em termos de método, o intérprete deve procurar ajustas possíveis contradições que apareçam como resultados parciais no processo de concretização de modo a harmonizá-las umas com as outras no resultado.”( Müller, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, página 82).


A unidade é fruto do labor interpretativo e não uma situação já existente. A formalização do direito depende da atividade interpretativa. Por isso, a carência de metodologia que oriente a interpretação é o maior obstáculo à realização objetiva dos sentidos.
A metodologia hodierna, em razão da complexidade inerente à aplicação do direito, tem tematizado o tema da derrotabilidade da norma quando circunstâncias inusitadas-que conformam o suporte fático – não previstas demonstram um abismo entre a generalidade da norma e a concretude específica da situação, um descompasso entre a realidade juridicamente determinada na hipótese abstrata e a realidade que constitui o suporte fático.
A questão da derrotabilidade da norma não tem que ver com o argumento da excepcionalidade que, muitas vezes, constitui um lugar comum argumentativo- topos- de fácil uso para suspender a aplicação de norma vigente. A própria exceção, nas situações previstas pelo ordenamento- estado de defesa, estado de sítio, ostenta formas prévias que devem conformar o atuar estatal. O direito formaliza a própria exceção, mediante critérios objetivos, expungindo o arbítrio.
Na verdade, a questão envolve a espinhosa tarefa de interpretação do direito, que constitui verdadeira arte. Gadamer, invocando Aristóteles, afirma:


“Aplicar não é ajustar uma generalidade já dada antecipadamente para desembaraçar em seguida os fios de uma situação particular. “ (GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2012, página 58).


Cumpre ressaltar que, na linha da fecunda teoria estruturante do direito, a metodologia atual não alberga a teoria da força normativa dos fatos. Jellinek afirmava que todo o direito não é originariamente mais que um uso de caráter factual. Daí decorre a sua teoria da força normativa dos fatos. (apud Hermann Heller, Teoria do Estado, São Paulo: Mestre Jou, 1999, p. 298/9).
Se remontarmos a gênese das constituições nos deparamos com um poder que, por não ter nenhuma norma prévia que o fundamente, se revela puramente factual. Por isso, critica-se a teoria da norma hipotética fundamental justamente pela sua tentativa vã de legitimar um poder cuja força advém do mero fato de ser obedecido, não precisando, portanto, de nenhuma norma que lhe legitimasse.
Tais digressões não são meramente teoréticas já que há decisões invocando a teoria da força normativa dos fatos. Isto porque decorre da presente teoria a seguinte diretriz: o decurso do tempo pode gerar situações de fato não só equiparáveis, mas que suscetíveis de convalidação em situações jurídicas.
Superada está a visão que limita a aplicação à técnica de subsunção. Na metodologia moderna, surgem novas técnicas preocupadas em respeitar a singularidade irredutível dos fatos, afastando o brocardo ”fiat justitiae pereat mundos’’, mas que não perdem o horizonte formal do direito.
Muitas vezes a preservação de um estado de coisas (fático) revela-se mais salutar e mais justo do que a aplicação cega da norma. Enfim, busca-se superar uma separação rígida entre ser e dever ser, evitando-se que a aplicação da lei, sem consideração da singularidade do caso, possa gerar efeitos catastróficos.
A Chaim Perelman não escapou tão lancinante e pungente questão. Relata que, durante a guerra de 2014-18, como a Bélgica estava ocupada pelas tropas alemãs, o Rei exercia sozinho o poder legislativo, sob a forma de decreto-lei. A impossibilidade de reunir as Câmaras impedia que se respeitasse o art. 26 da Constituição, a saber: O poder legislativo é exercido coletivamente pelo Rei, pela Câmara dos Representantes e pelo Senado.
Foi com base no dispositivo acima que os decretos-lei foram impugnados junto à Corte de Cassação. Não obstante, a Corte não hesitou em considerar constitucionais os atos normativos editados pelo Rei já que este foi o único poder que preservou sua liberdade de ação. (in Logica Jurídica, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 104/06). Que conclusão o eminente teórico retira de tal decisão? Vejamos:


“Se devêssemos interpretar ao pé da letra o artigo 130 da Constituição, o acórdão da Corte de Cassação teria sido, sem dúvida alguma, contra legem. Mas, limitando o alcance deste artigo às situações normais e previsíveis, a Corte de Cassação introduz uma lacuna na Constituição, que teria estatuído para situações extraordinárias, causadas ‘ pela força dos acontecimentos’, ‘por força maior’, ‘pela necessidade'” (ob. cit. p. 107)


Assim, diante de situações fáticas imprevisíveis, introduz-se uma lacuna de forma que a norma não se aplica àquela situação.
Jan Schapp, em seu livro Problemas fundamentais da metodologia jurídica, critica a ideia de que a lei é um universal capaz de esgotar a priori todos casos sob os quais a lei se estendem. A lei, segundo o autor, é uma decisão voltada a atingir uma série de casos reunidos pela similitude. Da mesma forma, as súmulas, precedentes e jurisprudências.
Aduz o autor:


“De importância, neste contexto, manifestamente o fato de o legislador, via de regra, somente decidir com certeza poucas séries de casos expressivos, deixando de resto ao juiz a tarefa de, partindo destas decisões certas, incluir na regulação da lei mais séries de casos não tão claramente decididas” (Problemas fundamentais da metodologia jurídica, SAFE, 1985, p. 19)


Assim como a lei não é um universal que teria o condão de abranger todos os casos, a jurisprudência sempre emerge de uma série de casos decorrentes um feixe de fatos unificados juridicamente.
A nosso ver, portanto, o caso não é de lacuna, mas de antinomia entre textos. Ademais, de acordo com a lógica do razoável, o reconhecimento do nível estrutural da interpretação- intertexto- não se confunde com a invocação de princípios sem a devida dedução normativa para criar falsas antinomias. Não se nega a existência de princípios, mas é importante salientar que é necessária uma teoria da dedução normativa dos princípios para evitar a corrosão da coesão interna do direito constituído e legislado.
Também, a derrotabilidade não pode significa negar o sentido literal de um texto normativo, pois na medida em que o direito contém três níveis de interpretação, incluído o nível estrutural- do intertexto constitucional, podem surgir, em razão da própria complexidade do caso, antinomias entre textos constitucionais de maneira que a criação da norma- função da jurisdição- envolve não uma ponderação, mas aquilo que Recasens Siches denomina lógica do razoável em que a própria axiologia interna do direito que prevalece sem o sucumbir ao casuísmo.
No caso, a norma do art. 26 e a norma do art.130 colidiam com normas e princípios que consagravam à nação o direito à soberania. Nos debates, ficou claro que não se poderia privar a nação da soberania.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

Nota ao Prefácio de Por Uma Renovação da Teoria Marxista da Dependência

Louis Althusser percebeu que cada filósofo segue um modelo científico subjacente. Via de regra, oscila entre a matemática e a biologia. Platão, Husserl, Descartes, por exemplo, seguiam o modelo matemático. Hegel e Bergson, o modelo biológico.


Para Bergson, a nossa lógica ainda é feita com base nos sólidos e é preciso criar modelos mais dinâmicos. Uma lógica ligada mais ao devir. Para Althusser, toda transformação da filosofia está ligada à descoberta de novos continentes científicos: Platão: a matemática; Marx: a história. A relação entre a filosofia e as ciências biológicas é um fato mais moderno. Althusser debateu com Monod. No livro O Acaso e a Necessidade, de Monod, em que se verifica avanços significativos na área da genética e, especialmente, na compreensão do ácido desoxirribonucleico (DNA) em cotejo com a parte final de Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas, de Althusser, em que se fala do corte entre uma ciência idealista e uma ciência materialista, permitiram entender enunciados de James Watson sobre a hélice do DNA. A citologia- estudo da célula- e estudo da genética devem estudar o processo de produção auto-organizativo da célula e não analisar de forma estática os elementos. A importância dos processos químicos mais importantes, especialmente, da mitocôndria, organela responsável pelo processo de respiração.
Os modelos explicativos da célula sucumbem a uma visão estática quando se limitam à ideia de conjunto, dos elementos e suas relações. A auto-organização da célula indica que produz os próprios elementos, consistente num processo de produção específico.
Se o modelo teórico é mais dinâmico, o foco deve ser, não os elementos e suas relações, mais o processo integral de auto-organização interna.
Se se compreender de forma completa o processo de replicação interna e de auto-organização da célula é possível verificar de que forma atua um elemento endógeno e de como atua para interferir no processo auto-organizativo da célula.
Por isso, para autopoiese, se o processo de produção e auto-organizativo pára, a célula pára de funcionar.
A autopoiese descobriu uma espécie de vírus denominado retrovírus. Segundo Humberto Maturama, um retrovírus produz outro vírus de forma intensa. Podemos acrescentar que um retrovírus é um vírus que produz outros vírus em proporção geométrica. Por isso, é mais do que plausível a hipótese de que o coronavírus (covid-19) é um retrovírus. A existência, reconhecida e comprovada, de variantes é um indício muito forte de que o coronavírus (covid-19) constitui um retrovírus, produzindo outros vírus em proporção geométrica.
Há uma necessidade de politizar a biologia, pois, no caso, sob o pretexto de um dilema trágico entre a economia e a vida, busca-se, de uma forma ou de outra, seja aplicando-se medidas ineficazes, seja não identificando o princípio de replicação do vírus, numa espécie terrível de jogo de soma zero, o controle das populações e da demarcação de quem merece ou não merece viver. Hegel dizia que a morte é a repressão absoluta. Dessa forma, enquanto não se controlar o coronavírus, estamos sob a vigência, não de um problema natural nem de falsos dilemas produzidos artificialmente pelo poder necrófilo, mas da mais absoluta repressão política. O momento é da mais absoluta repressão política e está em jogo, em razão de todas as dimensões do problema, o devir humano na terra e a necessidade de reconfigurar o metabolismo ser humano e natureza, para lembrar Karl Marx.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

A Glauber Rocha

O papel do artista é convocar um povo ainda que inexistente, assim gritavam os filmes de Glauber Rocha. O vir à palavra que, segundo os gregos, conforma o homem nada diz aos rostos sofridos que, numa linguagem gutural, expõem ao ser os estertores das formações sociais excludentes. Glauber Rocha sofria a ausência do povo e a dispersão de sua força viva na alienação religiosa e política. Por isso, entremeiam-se nos seus filmes os rostos encarquilhados, rostos sulcados pelo martírio secular que a colônia impinge, rostos que no silêncio gritam e reverberam na ira santa de Corisco, na conversão de António das Mortes. Glauber Rocha sabia que o papel do artista é suster com toda fibra e têmpera o povo por vir, espreitando nos fluxos a virtualidade da política redentora.

Glauber Rocha: um vulcânico ser em combustão, arrancando da terra pedras metamórficas com que arregimentar o poema-força. Um guerreiro com o vigor do sertão: enorme, agreste, inóspito e exuberante, árido e florescente. Um guerreiro no deserto das deserções e dos opróbrios, que sempre comungam, mas podendo figurar o grito que pressagia a coragem da justiça : “mais fortes são os poderes do povo”.

Glauber Rocha: uma câmera e uma ideia: filme-charrua colhendo as contradições ainda em gestação para revolutear o ar e o mar e a água e o futuro.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

Quantos oceanos guardas em tua existência

Sobre o mar que te habita

Quantos oceanos guardas em tua existência
Para sustentar-te em pleno revoo
E poder confiar em algum fundo liame
Entre as longuras mais vastas
Vime, fios, tecidos, tranças
Qualquer linha infinita onde pousas
E me olhas assustada
Infinitamente bonita
E calma
Como se repousasse sobre o medo
E pousasse sobre a própria tez
E me falas de mar
Eu posso ser ainda um eco
Que não reboa em nenhum lugar
A não ser em ti
Reboar em ti
Em tuas lendas
Em teus espaços
Em tua lua
Para estender ainda mais
Ainda mais além
No aquém perdido
Fundar a vida
A vida no mar revolto
No ar desalinhado
No chumbo das colônias
Declaro-me o teu poeta

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

O QUE É IRRENUNCIÁVEL NO MARXISMO?

No cerne da Crítica da Razão Pura, Imanuel Kant coloca a imaginação como o atributo mais elevado do ser humano cujo desdobramento, desde que seja orientado com método, produz conceitos filosóficos e criações artistas. Pode-se, então, falar em imaginação política. O que o capitalismo faz é limitar o horizonte da imaginação, estabelecendo a máxima de que não há alternativas, incutindo o fatalismo e a resignação diante das injustiças. Despertar a imaginação, desde os estudos antropológicas das formas comunitárias e das relações que, nos interstícios da forma-valor, engendram o comum, é um exercício fecundo.

A descrição crítica do modo de produção do capitalismo é feita para abrir novos horizontes para a humanidade. Em razão disso, a análise do fetichismo da mercadoria na medida em que permite a revelação do mecanismo da mais-valia, isto é, da exploração, é irrenunciável. Por isso, a meu ver, as análises de Balibar que recusam a categoria de fetichismo não se dão mais no marco do marxismo. Se Louis Althusser criticava a categoria da alienação e do humanismo burguês da piedade era para não perder o foco das lutas de classes. E, naquele momento em que um humanismo abstrato qualquer queria considerar ultrapassada qualquer alternativa de emancipação, o gesto era adequado e rente à dinâmica da ordem mundial. Um gesto necessário na tradução do momento e mal compreendido por alguns discípulos já resignados.
De outro lado, na América, a recepção de Marx se deu, na contemporaneidade, de forma altamente equivocada e na defesa do progressismo rendido ao capital financeiro, que converteu os Estados em fundo de reserva de capital. Não é qualquer movimento político que engaja a classe operária. Há classe operária nas teorias de Dussel? Não vislumbramos e, na medida em que não somos nominalistas, a classe operária é uma realidade viva, ainda dispersa, não obstante, capaz de assumir maneiras organizativas nacionalista-populares-revolucionárias. É hora novamente do marxismo ortodoxo.
Não renunciamos ao Marxismo ortodoxo.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.