ELOGIO DA FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

ELOGIO DA FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO

A injunção de ouvir as vozes históricas dos pobres engaja a necessidade de transformação da economia desde outras bases, desde a superação analética da lei absoluta da extração de mais-trabalho, que informa o capitalismo. Mais »

ALBERTO GUERREIRO RAMOS: A DESTINAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NA MODERNIDADE PERIFÉRICA

ALBERTO GUERREIRO RAMOS: A DESTINAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS NA MODERNIDADE PERIFÉRICA

A sociologia, nesse contexto, erige-se como instrumento de autodeterminação dos povos. Mais »

A CRISE DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E A QUESTÃO FULCRAL DAS FONTES CRIADORAS DE VALOR

A CRISE DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E A QUESTÃO FULCRAL DAS FONTES CRIADORAS DE VALOR

Digamos de forma clara: a crise do capitalismo é a crise da produção... Mais »

 

SOBRE O SENTIDO DO BROCARDO IN CLARIS CESSAT INTERPRETATION

A Carlos Maximiliano

Carlos Maximiliano, ao fazer crítica à interpretação corrente do brocardo “in claris cessat interpretation, tinha o propósito de salientar uma ideia bem simples: que a verificação da clareza exigia o processo interpretativo. Justamente para afastar a ideia de que a clareza da lei afasta a necessidade de interpretação e para remarcar que o reconhecimento da clareza decorria de uma interpretação.


A crítica ao brocardo era dirigida à compreensão medieval de que a hermenêutica era ancilar e só seria convocada diante das expressões obscuras e ambíguas. Ao criticar o brocardo, salientava que a hermenêutica é ciência autônoma e que se apresenta viável diante de qualquer texto, obscuro ou não.

Também, o brocardo nunca foi uma clareira aberta para transbordar do sentido literal, permitindo que sentidos não cobertos pelo texto pudessem ser apostos com base numa vontade não acolhida pelo espírito objetivo da linguagem.

Chaim Perelman, por sua vez, afirmava que o sentido do brocardo envolve a compreensão de que a clareza apenas significa um grau maior de consenso e a inexistência de maiores controvérsias na interpretação.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

NO VENTRE DA TERRA

No ventre da terra
Na pera encantada
Nos bagos sumarentos das uvas
Em teu regaço germina
No caldeamento das matrizes
No cerne
Na pela
No céu da boca
Em tudo
Em ti
Mais ainda propago a era
Propugno o fruto
Proponho estrelas
Renasces sargaço
Vicejo em prantos
Cantas em lágrimas
E se dissolve o nó
E se dissipa os nós
E se celebra no estar
Na América Latina
No Oriente
No médio do espaço em que tremula a verdade
Que em nós e por nós existe.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

INTERPRETAÇÃO ESTRUTURAL E RESOLUÇÃO DE ANTINOMIAS

A unidade do sistema não é uma situação empiricamente dada, mas fruto da cognição das categorias jurídicas. Assim, é possível, no plano da linguagem prescritiva, a existência de contradições e que, apenas mediante a intervenção interpretativa, podem ser solucionadas.

Na lição lapidar de Friedrich ao tratar do tema da unidade da constituição:


“A unidade da constituição enquanto visão orientadora da metódica do direito constitucional deve antepor aos olhos do intérprete, enquanto ponto de partida, bem como, sobretudo, enquanto representação do objetivo, a totalidade da constituição como um arcabouço de normas. Este, por um lado, não é destituído de tensões nem está centrado em si, mas forma, por outro lado, provavelmente um todo integrado com sentido. No quadro do que pode ser argumentativamente defendido e fundamentado em termos de método, o intérprete deve procurar ajustas possíveis contradições que apareçam como resultados parciais no processo de concretização de modo a harmonizá-las umas com as outras no resultado.”( Müller, Friedrich. Metodologia do Direito Constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, página 82).


A unidade é fruto do labor interpretativo e não uma situação já existente. A formalização do direito depende da atividade interpretativa. Por isso, a carência de metodologia que oriente a interpretação é o maior obstáculo à realização objetiva dos sentidos.
A metodologia hodierna, em razão da complexidade inerente à aplicação do direito, tem tematizado o tema da derrotabilidade da norma quando circunstâncias inusitadas-que conformam o suporte fático – não previstas demonstram um abismo entre a generalidade da norma e a concretude específica da situação, um descompasso entre a realidade juridicamente determinada na hipótese abstrata e a realidade que constitui o suporte fático.
A questão da derrotabilidade da norma não tem que ver com o argumento da excepcionalidade que, muitas vezes, constitui um lugar comum argumentativo- topos- de fácil uso para suspender a aplicação de norma vigente. A própria exceção, nas situações previstas pelo ordenamento- estado de defesa, estado de sítio, ostenta formas prévias que devem conformar o atuar estatal. O direito formaliza a própria exceção, mediante critérios objetivos, expungindo o arbítrio.
Na verdade, a questão envolve a espinhosa tarefa de interpretação do direito, que constitui verdadeira arte. Gadamer, invocando Aristóteles, afirma:


“Aplicar não é ajustar uma generalidade já dada antecipadamente para desembaraçar em seguida os fios de uma situação particular. “ (GADAMER, Hans-Georg. O problema da consciência histórica. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 2012, página 58).


Cumpre ressaltar que, na linha da fecunda teoria estruturante do direito, a metodologia atual não alberga a teoria da força normativa dos fatos. Jellinek afirmava que todo o direito não é originariamente mais que um uso de caráter factual. Daí decorre a sua teoria da força normativa dos fatos. (apud Hermann Heller, Teoria do Estado, São Paulo: Mestre Jou, 1999, p. 298/9).
Se remontarmos a gênese das constituições nos deparamos com um poder que, por não ter nenhuma norma prévia que o fundamente, se revela puramente factual. Por isso, critica-se a teoria da norma hipotética fundamental justamente pela sua tentativa vã de legitimar um poder cuja força advém do mero fato de ser obedecido, não precisando, portanto, de nenhuma norma que lhe legitimasse.
Tais digressões não são meramente teoréticas já que há decisões invocando a teoria da força normativa dos fatos. Isto porque decorre da presente teoria a seguinte diretriz: o decurso do tempo pode gerar situações de fato não só equiparáveis, mas que suscetíveis de convalidação em situações jurídicas.
Superada está a visão que limita a aplicação à técnica de subsunção. Na metodologia moderna, surgem novas técnicas preocupadas em respeitar a singularidade irredutível dos fatos, afastando o brocardo ”fiat justitiae pereat mundos’’, mas que não perdem o horizonte formal do direito.
Muitas vezes a preservação de um estado de coisas (fático) revela-se mais salutar e mais justo do que a aplicação cega da norma. Enfim, busca-se superar uma separação rígida entre ser e dever ser, evitando-se que a aplicação da lei, sem consideração da singularidade do caso, possa gerar efeitos catastróficos.
A Chaim Perelman não escapou tão lancinante e pungente questão. Relata que, durante a guerra de 2014-18, como a Bélgica estava ocupada pelas tropas alemãs, o Rei exercia sozinho o poder legislativo, sob a forma de decreto-lei. A impossibilidade de reunir as Câmaras impedia que se respeitasse o art. 26 da Constituição, a saber: O poder legislativo é exercido coletivamente pelo Rei, pela Câmara dos Representantes e pelo Senado.
Foi com base no dispositivo acima que os decretos-lei foram impugnados junto à Corte de Cassação. Não obstante, a Corte não hesitou em considerar constitucionais os atos normativos editados pelo Rei já que este foi o único poder que preservou sua liberdade de ação. (in Logica Jurídica, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 104/06). Que conclusão o eminente teórico retira de tal decisão? Vejamos:


“Se devêssemos interpretar ao pé da letra o artigo 130 da Constituição, o acórdão da Corte de Cassação teria sido, sem dúvida alguma, contra legem. Mas, limitando o alcance deste artigo às situações normais e previsíveis, a Corte de Cassação introduz uma lacuna na Constituição, que teria estatuído para situações extraordinárias, causadas ‘ pela força dos acontecimentos’, ‘por força maior’, ‘pela necessidade'” (ob. cit. p. 107)


Assim, diante de situações fáticas imprevisíveis, introduz-se uma lacuna de forma que a norma não se aplica àquela situação.
Jan Schapp, em seu livro Problemas fundamentais da metodologia jurídica, critica a ideia de que a lei é um universal capaz de esgotar a priori todos casos sob os quais a lei se estendem. A lei, segundo o autor, é uma decisão voltada a atingir uma série de casos reunidos pela similitude. Da mesma forma, as súmulas, precedentes e jurisprudências.
Aduz o autor:


“De importância, neste contexto, manifestamente o fato de o legislador, via de regra, somente decidir com certeza poucas séries de casos expressivos, deixando de resto ao juiz a tarefa de, partindo destas decisões certas, incluir na regulação da lei mais séries de casos não tão claramente decididas” (Problemas fundamentais da metodologia jurídica, SAFE, 1985, p. 19)


Assim como a lei não é um universal que teria o condão de abranger todos os casos, a jurisprudência sempre emerge de uma série de casos decorrentes um feixe de fatos unificados juridicamente.
A nosso ver, portanto, o caso não é de lacuna, mas de antinomia entre textos. Ademais, de acordo com a lógica do razoável, o reconhecimento do nível estrutural da interpretação- intertexto- não se confunde com a invocação de princípios sem a devida dedução normativa para criar falsas antinomias. Não se nega a existência de princípios, mas é importante salientar que é necessária uma teoria da dedução normativa dos princípios para evitar a corrosão da coesão interna do direito constituído e legislado.
Também, a derrotabilidade não pode significa negar o sentido literal de um texto normativo, pois na medida em que o direito contém três níveis de interpretação, incluído o nível estrutural- do intertexto constitucional, podem surgir, em razão da própria complexidade do caso, antinomias entre textos constitucionais de maneira que a criação da norma- função da jurisdição- envolve não uma ponderação, mas aquilo que Recasens Siches denomina lógica do razoável em que a própria axiologia interna do direito que prevalece sem o sucumbir ao casuísmo.
No caso, a norma do art. 26 e a norma do art.130 colidiam com normas e princípios que consagravam à nação o direito à soberania. Nos debates, ficou claro que não se poderia privar a nação da soberania.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

Nota ao Prefácio de Por Uma Renovação da Teoria Marxista da Dependência

Louis Althusser percebeu que cada filósofo segue um modelo científico subjacente. Via de regra, oscila entre a matemática e a biologia. Platão, Husserl, Descartes, por exemplo, seguiam o modelo matemático. Hegel e Bergson, o modelo biológico.


Para Bergson, a nossa lógica ainda é feita com base nos sólidos e é preciso criar modelos mais dinâmicos. Uma lógica ligada mais ao devir. Para Althusser, toda transformação da filosofia está ligada à descoberta de novos continentes científicos: Platão: a matemática; Marx: a história. A relação entre a filosofia e as ciências biológicas é um fato mais moderno. Althusser debateu com Monod. No livro O Acaso e a Necessidade, de Monod, em que se verifica avanços significativos na área da genética e, especialmente, na compreensão do ácido desoxirribonucleico (DNA) em cotejo com a parte final de Filosofia e Filosofia Espontânea dos Cientistas, de Althusser, em que se fala do corte entre uma ciência idealista e uma ciência materialista, permitiram entender enunciados de James Watson sobre a hélice do DNA. A citologia- estudo da célula- e estudo da genética devem estudar o processo de produção auto-organizativo da célula e não analisar de forma estática os elementos. A importância dos processos químicos mais importantes, especialmente, da mitocôndria, organela responsável pelo processo de respiração.
Os modelos explicativos da célula sucumbem a uma visão estática quando se limitam à ideia de conjunto, dos elementos e suas relações. A auto-organização da célula indica que produz os próprios elementos, consistente num processo de produção específico.
Se o modelo teórico é mais dinâmico, o foco deve ser, não os elementos e suas relações, mais o processo integral de auto-organização interna.
Se se compreender de forma completa o processo de replicação interna e de auto-organização da célula é possível verificar de que forma atua um elemento endógeno e de como atua para interferir no processo auto-organizativo da célula.
Por isso, para autopoiese, se o processo de produção e auto-organizativo pára, a célula pára de funcionar.
A autopoiese descobriu uma espécie de vírus denominado retrovírus. Segundo Humberto Maturama, um retrovírus produz outro vírus de forma intensa. Podemos acrescentar que um retrovírus é um vírus que produz outros vírus em proporção geométrica. Por isso, é mais do que plausível a hipótese de que o coronavírus (covid-19) é um retrovírus. A existência, reconhecida e comprovada, de variantes é um indício muito forte de que o coronavírus (covid-19) constitui um retrovírus, produzindo outros vírus em proporção geométrica.
Há uma necessidade de politizar a biologia, pois, no caso, sob o pretexto de um dilema trágico entre a economia e a vida, busca-se, de uma forma ou de outra, seja aplicando-se medidas ineficazes, seja não identificando o princípio de replicação do vírus, numa espécie terrível de jogo de soma zero, o controle das populações e da demarcação de quem merece ou não merece viver. Hegel dizia que a morte é a repressão absoluta. Dessa forma, enquanto não se controlar o coronavírus, estamos sob a vigência, não de um problema natural nem de falsos dilemas produzidos artificialmente pelo poder necrófilo, mas da mais absoluta repressão política. O momento é da mais absoluta repressão política e está em jogo, em razão de todas as dimensões do problema, o devir humano na terra e a necessidade de reconfigurar o metabolismo ser humano e natureza, para lembrar Karl Marx.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

A Glauber Rocha

O papel do artista é convocar um povo ainda que inexistente, assim gritavam os filmes de Glauber Rocha. O vir à palavra que, segundo os gregos, conforma o homem nada diz aos rostos sofridos que, numa linguagem gutural, expõem ao ser os estertores das formações sociais excludentes. Glauber Rocha sofria a ausência do povo e a dispersão de sua força viva na alienação religiosa e política. Por isso, entremeiam-se nos seus filmes os rostos encarquilhados, rostos sulcados pelo martírio secular que a colônia impinge, rostos que no silêncio gritam e reverberam na ira santa de Corisco, na conversão de António das Mortes. Glauber Rocha sabia que o papel do artista é suster com toda fibra e têmpera o povo por vir, espreitando nos fluxos a virtualidade da política redentora.

Glauber Rocha: um vulcânico ser em combustão, arrancando da terra pedras metamórficas com que arregimentar o poema-força. Um guerreiro com o vigor do sertão: enorme, agreste, inóspito e exuberante, árido e florescente. Um guerreiro no deserto das deserções e dos opróbrios, que sempre comungam, mas podendo figurar o grito que pressagia a coragem da justiça : “mais fortes são os poderes do povo”.

Glauber Rocha: uma câmera e uma ideia: filme-charrua colhendo as contradições ainda em gestação para revolutear o ar e o mar e a água e o futuro.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

Quantos oceanos guardas em tua existência

Sobre o mar que te habita

Quantos oceanos guardas em tua existência
Para sustentar-te em pleno revoo
E poder confiar em algum fundo liame
Entre as longuras mais vastas
Vime, fios, tecidos, tranças
Qualquer linha infinita onde pousas
E me olhas assustada
Infinitamente bonita
E calma
Como se repousasse sobre o medo
E pousasse sobre a própria tez
E me falas de mar
Eu posso ser ainda um eco
Que não reboa em nenhum lugar
A não ser em ti
Reboar em ti
Em tuas lendas
Em teus espaços
Em tua lua
Para estender ainda mais
Ainda mais além
No aquém perdido
Fundar a vida
A vida no mar revolto
No ar desalinhado
No chumbo das colônias
Declaro-me o teu poeta

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

O QUE É IRRENUNCIÁVEL NO MARXISMO?

No cerne da Crítica da Razão Pura, Imanuel Kant coloca a imaginação como o atributo mais elevado do ser humano cujo desdobramento, desde que seja orientado com método, produz conceitos filosóficos e criações artistas. Pode-se, então, falar em imaginação política. O que o capitalismo faz é limitar o horizonte da imaginação, estabelecendo a máxima de que não há alternativas, incutindo o fatalismo e a resignação diante das injustiças. Despertar a imaginação, desde os estudos antropológicas das formas comunitárias e das relações que, nos interstícios da forma-valor, engendram o comum, é um exercício fecundo.

A descrição crítica do modo de produção do capitalismo é feita para abrir novos horizontes para a humanidade. Em razão disso, a análise do fetichismo da mercadoria na medida em que permite a revelação do mecanismo da mais-valia, isto é, da exploração, é irrenunciável. Por isso, a meu ver, as análises de Balibar que recusam a categoria de fetichismo não se dão mais no marco do marxismo. Se Louis Althusser criticava a categoria da alienação e do humanismo burguês da piedade era para não perder o foco das lutas de classes. E, naquele momento em que um humanismo abstrato qualquer queria considerar ultrapassada qualquer alternativa de emancipação, o gesto era adequado e rente à dinâmica da ordem mundial. Um gesto necessário na tradução do momento e mal compreendido por alguns discípulos já resignados.
De outro lado, na América, a recepção de Marx se deu, na contemporaneidade, de forma altamente equivocada e na defesa do progressismo rendido ao capital financeiro, que converteu os Estados em fundo de reserva de capital. Não é qualquer movimento político que engaja a classe operária. Há classe operária nas teorias de Dussel? Não vislumbramos e, na medida em que não somos nominalistas, a classe operária é uma realidade viva, ainda dispersa, não obstante, capaz de assumir maneiras organizativas nacionalista-populares-revolucionárias. É hora novamente do marxismo ortodoxo.
Não renunciamos ao Marxismo ortodoxo.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

O DILEMA DA PANDEMIA

No que concerne à pandemia, três ações são complementares e necessárias:
1) resolver o dilema do prisioneiro através do retorno à atividade econômica industrial e o controle sanitário dos vírus;
A suspensão da atividade econômica e o mero retorno da atividade econômica sem controle sanitário do vírus são variações falsas de um problema que deve abordado de maneira ampla.
“Marx, em carta a Kugelmann, mostra que o trabalho vivo é a fonte criadora de valor ao conjeturar sobre os efeitos de uma greve prolongada e indeterminada: o que aconteceria com um país se os trabalhadores em geral deixassem de laborar por um período de um ano? A nação pereceria, conclui Marx.”
2) para depois, encontrar o princípio da replicação do vírus, pois, dos estudos do materialismo dialético sobre o ser genérico e o estar em homeostase com a disposição desse ser, depreende-se a natureza monstruosa do coronavírus (retrovírus), o qual configura uma verdadeira bomba biológica na medida em que, avançando em proporção geométrica, destrói os mecanismos do ser genérico manter-se em vida. Já tínhamos destacado que nova variantes irão surgir.
e, no meio do torvelinho, 3) o risco no plano interno e externo, decorrente da totalidade numérica prevista pelo jogo de soma zero:
“Trata-se de um jogo de soma zero em que todas as escolhas, mesmo múltiplas, representam a mesma escolha de fundo: a da valorização do valor futuro da forma-dinheiro destacada da forma-mercadoria”
No plano interno, a desindustrialização e maior financeirização leva ao risco da falência; Na América Latina, muitos estão entregando as nações aos bancos internacionais.
No plano externo, as flutuações geram instabilidade para o sistema monetário e o risco de países sem parque industrial irem à falência.
O que caracteriza o capitalismo na fase monopolista é a exportações de capitais: o capital não tem pátria e, ao circular na sua forma autorreferente mediante exportação, busca a subjugação colonial dos povos. O livro Por Uma Renovação Marxista da Teoria da Dependência descreve essa tendência de forma completa e, ainda que de forma elíptica, indica caminhos de liberdade.
Todos os caminhos, sem a intervenção nacionalista-popular, levam ao controle das populações e a construção de hegemonias.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

OS DESAFIOS DO MARXISMO NA AMÉRICA

Marx, pela influência do legado do idealismo alemão, não sucumbiu ao positivismo que hipostasia os fatos na medida em que os capta de forma desajuntada e propôs uma nova ciência (realizando o sonho de Vico).

As mistificações que pairam sobre Marx não decorrem somente do fracasso da apreensão de uma obra monumental que deve ser estudada linha a linha com rigor e profundo amor, mas do medo de que haja uma compreensão no nível cotidiano das reais relações do modo de produção capitalista.

Lukacs, um grande continuador, em Histoire et Conscience de Classe, mostra que a ciência burguesa fixa em coisas sólidas os efeitos das relações humanas em movimento. Apreender o movimento, ou para usar Hegel, o fundamento implica em mostrar como as antinomias e as contradições só são apreendidas quando se solicita a totalidade aberta.

Todo discurso ideológico, ao contrário do que se diz, não opera por lacunas. Ao revés, o discurso ideológico, ao reificar a realidade, precisa ocultar as lacunas; precisar produzir a conta-por-um para rechaçar a aparição que desestabiliza toda a estrutura.

A ideologia da técnica faz do saber econômico um lugar ínvio à lógica democrática que rechaça o argumento da autoridade ou da especialização reservada. Destina-se a economia aos reprodutores do capital, passando a ser o lugar de uma mística cujo acesso é exclusivo dos iniciados na linguagem mística, inacessível, teoricamente inconsistente, mas cheia de efeitos retóricos, produzindo o efeito de verossimilhança de um saber coerente e verdadeiro, apenas no efeito retórico.

A renovação marxista da teoria da dependência ainda está por fazer em seus níveis mais profundos. A América Latina, mesmo inserindo-se no capitalismo mundial integrado, teve experiências históricas cuja leitura sintomal colabora decisivamente para consolidação de modelos econômicos salutares e igualitários. E aqui não foram criações cerebrinas, mas experiências históricas de formações sociais, a exemplo do que ocorreu no Brasil, do período Vargas de 30 até 45, e na Argentina, no período de Juan Peron, nas décadas de 40 e 50, do século passado.

São tentativas de uma formação social adquirir autonomia que merecem um balanço histórico na linha althusseriana da leitura sintomal.

Getúlio Vargas desenvolveu a linha da industrialização com substituição de importações e trouxe muitas questões em termos de problematização da dependência. Juan Peron, por sua vez, tangenciou outra dimensão da questão.

Vale dizer que só por comodismo colocamos épocas históricas sob o signo dos mandatários do poder. Naquele momento, de muitas contradições, inclusive repressão política, foram as formações sociais no seu todo, incluídos a classe operária e os intelectuais orgânicos, que, na luta, fizeram avançar num processo dialético profundo. Não é fácil ser marxista.

Em 1964, o Brasil vivia uma intensa criatividade e efervescência política: a teoria da dependência e o pujante movimento operário. O Brasil entrava em uma crescente consciência de si mesmo impulsionada contra os arranjos estruturais da propriedade e do racismo. Foi esse movimento pujante que o golpe interrompeu e cujas reverberações ainda povoam o imaginário, as institucionalidade e o cotidiano hoje. Foi essa vulcânica aparição do novo vivo que foi interrompida. Nesse sentido, como dizia Marx, as gerações passadas oprimem os cérebros dos vivos como um pesadelo. Pesadelo que tentou conjurar os signos do novo que nos cabe captar e levar à frente com a luta pela ressurreição das lutas fracassadas em cujas fulgurações as lágrimas dos torturados nos interpelam. O Brasil reprimido em 1964 precisa ser reativado na nossa práxis.

Marx afirma:

“Um trabalhador, na usina de algodão, produz somente algodão? Não. Produz capital”

Se, entre mercadorias heterogêneas, não há como recortar um elemento comum a não ser o trabalho e, vincando a distinção entre a determinação do valor pelo salário e a determinação do valor pelo trabalho objetivado, a criação de valor tem por fonte primacial o trabalho. Adam Smith já salientava o trabalho como fonte da riqueza.

Tal descoberta, para além de qualquer sentimentalismo, constitui um marco científico indeclinável. E, considerando a heterogeneidade estrutural da América Latina, a renovação da teria da dependência ainda está no início. Os problemas emergentes da dependência e da busca das formações sociais adquirirem personalidade histórica permite ver os problemas econômicos de uma maneira diversa da economia burguesa e realizar uma torsão teórica inovadora.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

O FIM MELANCÓLICO DO REVISIONISMO TEORICISTA E A RESSUREIÇÃO DO MARXISMO ORTODOXO

A Louis Althusser, a Alain Badiou, a Jacques Rancière e a Jean Hyppolite

O que entender pelo revisionismo? Uma tentativa de adaptação do marxismo às novas condições de maneira a afirmar que os textos do marxismo autêntico estavam extemporâneos à realidade, exigindo atualização? Ou uma forma sutil de capitulação sob a forma teoricista?

É preciso entender o gesto de Louis Althusser, quando diante do desastre obscuro chamado Stalin, reivindicava a coerência interna do discurso marxista. É um gesto cujo significado só é suscetível de compreensão quando articulado às injunções históricas, gesto cuja profundidade apenas agora podemos entender em sua magnitude histórica. Em Ler o Capital afirma:

“Nós devemos, em todo rigor, ir mais longe e refutar a assimilação, mais ou menos indireta, da teoria marxista da história ao modelo empirista de uma hipótese aleatória que precisaria atender a verificação da prática política histórica para poder afirmar a verdade. Não é a prática histórica posterior que pode dar ao conhecimento produzido por Marx o título de conhecimento. É a prática teórica de Marx que fornece o valor demonstrativo, o título de cientificidade das formas que assegura a produção desses conhecimentos.”

Não se trata de aqui de proteger a teoria marxista das práticas políticas feitas em seu nome, mas de navegar contra corrente e, contra tudo e contra todos, afirmar a imanência da verdade do marxismo justamente para poder aferir a validade das práticas políticas históricas, sem qualquer submissão às ilusões linguísticas frágeis. Resulta fácil pelas categorias marxistas avaliar se uma prática, ainda que em nome do marxismo, adere ou não à verdade dos enunciados de Marx e Engels.
O revisionismo não tem sentido histórico, pois, não configura o que Hegel chama ordem na contingência. Dois exemplos desse revisionismo capitulador ultrapassado: Negri e Fredric Jameson.
A tese de Negri, apenas uma, em suas variações tediosas, é que a informatização do trabalho muda a própria natureza do trabalho e que a forma atual do trabalho é o intelecto geral. À sociedade-fábrica Negri opõe novas formas de organização que estariam fora do controle do capital e engendrariam novas subjetividades. A forma informatizada do trabalho, segundo as elucubrações do autor, tornaria o capital algo obsoleto, incapaz de organizar a produção e, por fim, inexistente.
Afirma Negri:

“Mas por que, hoje, a dialética do desenvolvimento capitalista historicamente reconhecida se rompeu? A resposta repousa sobre uma asserção fenomenologicamente fundada: no momento em que o capital cede o comando do trabalho produtivo cooperador ao operário social, ele não é mais capaz de planejar o desenvolvimento. A nova subjetividade não pode mais ser circunscrita nos termos do desenvolvimento capitalista, entendida como movimento dialeticamente realizado. A recusa das formas velhas e novas da exploração capitalista abre espaços nos quais a cooperação do trabalho vivo pode exprimir autonomamente as próprias capacidades produtivas. E, por mais que o comando possa renovar as suas formas , a auto-valorização separa-se ativamente dele. A função organizativa do comando capitalista torna-se, assim cada vez, mais parasitária. A reprodução da vida social não depende mais do capital.”

O que Marx entende por intelecto geral? O conceito de intelecto geral consta da parte de O Grundrisse sobre as máquinas. Intelecto geral nada mais é do que a subsunção do conhecimento científico, enquanto capaz de produzir tecnologia, às necessidades de autovalorização do capital. Não é libertação que se vê, mas a adaptação da técnica, enquanto única forma de saber legitimado, à lógica da produção de mais-valia. Nesse contexto, a tese de Negri, justamente por ser epistemologicamente errônea, é ontologicamente inadequada. O que se vislumbra, no atual estágio do capitalismo, é uma disjunção extrema entre o capitalismo financeiro e o capital industrial a gerar graves problemas sócio-econômicos: o capital abstrato do centro capitalista guarda a necessidade de subsunção de formas arcaicas de produção-trabalho escravo, trabalho infantil etc- em concomitância com formas fluidas de relação de trabalho, no plano interno e externo. A profecia de Negri é uma bolha teórica que flutua no vácuo. Enfim, é um problema de hermenêutica de Marx.
Quanto a Fredric Jameson, na linha da escola de Frankurt, segue a chamada virada cultural a ponto de defender que produção da cultura é fenômeno econômico central da globalização. Afirma:

“Assim, qualquer nova teoria abrangente do capitalismo financeiro precisará se estender para incluir o domínio expandido da produção cultural a fim de mapear seus efeitos: de fato, a produção e o consumo culturais de massa- a par com a globalização e com as novas tecnologias de informação- são tão profundamente econômicos e tão totalmente integrados em seu sistema generalizado de mercantilização quanto as outras áreas produtivas do capitalismo tardio’’


Nessa questão, devemos ser ortodoxo: a economia determina em última instância e a palavra globalização não substitui a tão atual palavra imperialismo. Gramsci sabia do papel que as metáforas cumprem na ciência. Logo percebeu o risco que a metáfora da infraestrutura e da superestrutura implicavam para a dialética e, num lance inusitado, removeu tudo quanto de mecanicismo imbuía aquelas metáforas. Devemos recusar a virada cultural. Chaplin é mais profundo: o libelo de Tempos Modernos não é a crítica à indústria, mas o fato de que, na divisão do trabalho em que cada trabalhador está vinculado a mesma operação parcial, o trabalho perde o caráter de arte.
Bem melhor a Fredric Jameson que o seu narcisismo fosse o do absoluto, o qual atribui injustamente a Hegel num livro menor contra Hegel. E talvez lendo as passagens de O Grundrisse- em que Marx fala da alienação do saber sob a tematização abstrata da linguagem- encontre um bom espelho.
Qualquer teoria abrangente do imperialismo não pode abdicar de Lenin. E, se o capitalismo atual busca camuflar-se sob a forma de políticas falsas de inclusão, devemos ter a coragem de bradar com Alain Badiou: é melhor ser desprezado do que ser reconhecido porque, nesse estado do capital autorreferente, ninguém é reconhecido se não for para ocultar e legitimar formas perversas de alienação ou destruição do outro.
Não renunciamos ao comunismo nem ao marxismo ortodoxo. E, se o marxismo está vivo, foi porque Althusser, na mais absoluta premência, souber preservar vivos os motivos que moveram Marx.


No original: “Nous devons em toute rigueur aller plus loin, et refuser d’assimiler plus ou moins indirectamente la théorie marxiste de l’histoire au modele empiriste d’une ‘hypothese’ aléatoire, dont il faudrait avoir atendu la verification par la pratique politique de l’histoire, pour pouvoir affirmer la ‘verité’. Ce n’est pas la pratique historique ulterieure qui peut donner á connaissance que Marx a produit, ses titres de connaissance. C’est la pratique théorique de Marx est fourni dans la pratique théorique elle-même, c’est-à-dire par la valeur demonstrative, par la titres de scientificité des formes qui ont assuré la production de ces connaissances.” Althusser, Louis. Lire Le Capital: Paris, Presses Universitaires de France, 1965, p. 66.


Por exemplo, na China e na Coreia do Norte temos a tétrica experiência do Partido-Estado que aniquila toda contradição por uma maquinaria polialesca e pelo panóptico em que cada cidadão se converte num algoritmo vigiado o tempo todo para valer a circularidade do dinheiro autorreferente. A reificação do Estado na figura do Partido é uma necessidade de proteção da bolha financeira em colapso. O Partido como mediação de si mesmo nada mais do é que o dinheiro a juros enquanto mediação de si mesmo. Despiciendo dizer que tais experiências de totalitarismo perverso nada tem que ver com marxismo. Para fazer valer o sentido comum da palavra comunismo é necessário corresponder ao povo.


NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. O Trabalho de Dionísio: Para a crítica ao Estado Moderno pós-moderno. Minas Gerais: Pazulin, 2004, p. 151. Para nós, marxistas ortodoxos, o nosso arquétipo é Prometeu que, ao tirar o fogo dos deuses, promoveu a liberdade dos seres humanos.


JAMESON, Fredric. A Cultura do dinheiro: Ensaios sobre a Globalização. Rio de Janeiro: Editora Vozes: 2001, p. 152, Não se nega que a cultura tenha uma função no todo complexo estruturado muito menos o trabalho dos que, mesmo sob uma aparência abstrata, tocam no núcleo dos mais gritantes problemas do nosso tempo.
Sobre a questão cultural, basta ver, por exemplo, o papel alienante e deletério que a mal chamada MPB, salvo exceções, cumpre no Brasil ao criar a farsa do país idílico, pacífico e integrado e, sobretudo, a tentativa, hoje malograda, de que o nacionalismo se identifica com provincialismo para atender as expectativas do centro capitalista. A MPB não cumpre mais nenhuma função no imaginário popular. José Ramos Tinhorão tinha, teve e sempre terá razão. É hora da boa literatura e da verdadeira música popular.


Sobre o pensamento ver o poema Hegel: https://www.eapois.com/hegel.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.