Então de que tamanho é o Yamandu?
De repente, a cidade foi tomada por um alvoroço inexplicável. Todo mundo falava sobre a mesma coisa, embora ninguém soubesse ao certo sobre que coisa era aquela de que todos falavam. De concreto, o que se tinha era a notícia de que chegaria a pequena e pacata Rio dos Currais, um músico de nome Yamandu, para um concerto no teatro municipal, em comemoração ao centenário de emancipação da menor cidade do Vale do Salitre.

O prefeito mandou alardear a semana toda no jornal Gazzeta Popular que traria um grande violonista para debulhar o que de mais alvissareiro houvesse no cancioneiro pátrio, em “louvação ao primeiro século da cidade que era “cuspida e cagada” o próprio processo civilizatório da população ribeirinha do Velho Chico”, rio caudaloso que cortava o pais do sudeste até a região inóspita do Nordeste.
Passado de mão em mão o pasquim local, as pessoas, tomadas de surpreendente e impaciente curiosidade ante as credenciais do notório musicista anunciado pelo senhor prefeito, homem cuja honra e a educação familiar jamais permitiria que se desse ao desatino do exagero ou da mentira, começaram a indagar quem seria esse notável tocador, cuja patente o habilitava a abrilhantar a festança dos cem anos de Rio dos Currais.
Por conta disso, a rotina da cidade sofreu fortíssima alteração. Nas praças, nos bares, nas igrejas… Em toda parte, todos queriam saber quem era o grande músico. E se era de fato grande, como propagara Adalberto Coriolano, prefeito de primeiro mandato, que vencera o protegido de Antenor Calvacante, verdadeiro sucessor do saudoso Etevaldo Elesbão, por uma margem de voto tão pequena que dúvida nenhuma deixava que faltou boca de urna.
E no afã de obter qualquer informação sobre o tal músico Yamandu, a população de Rio dos Currais, antes alheia à pesquisa ou à investigação que demandasse esforço intelectual, de uma hora para outra povoaram as duas bibliotecas da cidade e as três Lan House que cobrava por hora de acesso aos modernos computadores, capazes de esmiuçarem os mais recônditos pormenores de fulano ou de sicrano se bem manejados pelo o usuário.
Passados alguns dias, história diversas começaram a circular na cidade sobre o músico Yamandu. Alguns davam conta de que era um artista internacional, profissional abastado nas notas musicais e nas notas de dinheiro, que viria prestigiar a cidade não pelo cachê, pois se cobrasse o que merecia, dificilmente o erário municipal poderia fazer frente sem que o chefe do executivo fosse deposto pelo processo de impeachment, num ritmo sumaríssimo, mas porque suas raízes apontavam para um certo parentesco com a família de Luncinda Elesbão, eterna primeira dama, alçada a locação de santa depois dos aperreios sofridos com a doença matadeira que quase dizimou a população de nossa cidade.
Entretanto, o que mais se discutia na pequena Rio dos Currais, não era exatamente quão habilidoso em seu instrumento pudesse ser o violonista Yamandu, mas porque não trazer um sanfoneiro local que tão bem saberia tocar a Ave Maria de Luiz Gonzaga, ao invés de um arranhador de violão do Rio Grande do Sul.
Na cerimônia de abertura dos festejos, cinco dias antes da apresentação do Grande violonista, como insistia o prefeito em se referir a Yamandu, houve interpelação popular querendo saber porque o prefeito convidara um forasteiro para animar a festa de aniversário da cidade. O prefeito, disposto a não descontentar ninguém, disse aos eleitores que consultaria os assessores que indicaram o músico e comunicaria, em breve, sua posição, pois poderia rescindir o contrato até três dias antes do show, pagando apenas quarentena por cento do valor acertado.
No dia seguinte, pela manhã, o prefeito correu ao quarto de seu filho intermediário, às dez horas e disse sem arrodeio:
— Por que você me convenceu a contratar esse tal de Yamandu para ser a apresentação principal do centenário da cidade?
O filho então convidou o pai a ouvir um vídeo qual o guitarrista da banda IRA!, Edgard Scandurra anunciava o violinista como o maior músico do mundo.
O pai ficou abismado como o talento de Scandurra. O filho disse afinal:
_ Se o Edgard Scandurra, que é um guitarrista excepcional, o chama de maior do mundo, então de que tamanho é o Yamandu?
Por: Ponciano Ratel.
Em resposta a Lira, Guedes diz que Congresso precisa aprovar ‘protocolo’ para garantir novo auxílio
BRASÍLIA – Cobrado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), a apresentar uma solução para uma nova rodada de auxílio emergencial, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o “protocolo” para dar segurança jurídica para a retomada do benefício está pronto, mas que é preciso o Congresso aprovar.
“[O presidente da Câmara dos Deputados] Arthur Lira fez hoje uma convocação por solução, posso entregar hoje se ele quiser. A solução para o auxílio é uma PEC de guerra embutida no pacto federativo”, afirmou durante evento da Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).
A “solução”, segundo o ministro, é votar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) “de guerra”, que permita ao governo ampliar os gastos sem as amarras de regras fiscais. Para facilitar a tramitação, essa “cláusula da calamidade” pode ser incluída em uma PEC que já está tramitando no Congresso, a do pacto federativo. “Se vier auxílio emergencial sem escudo fiscal, inflação e juros sobem”, disse Guedes. Segundo ele, a “PEC de guerra” é uma demonstração de “não somos uma geração de oportunistas e covardes”.
Mais cedo, na primeira cobrança pública à equipe econômica, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse que, com a indefinição sobre uma nova rodada do auxílio emergencial, a situação dos afetados com o agravamento da pandemia da covid-19 “está ficando crítica”. “Urge que o ministro Guedes nos dê com sensibilidade do governo uma alternativa viável, dentro dos parâmetros da economia como ele pensa e como a sociedade deseja, a situação está ficando crítica na população e precisamos encontrar uma alternativa”, disse Lira.
Ele reclamou que o Ministério da Economia até o momento não enviou nenhuma proposta para a retomada do auxílio ao Congresso. “Tudo dentro ainda de conversas que deveremos ter. Nada ainda foi encaminhado praticamente”, disse. “Temos urgente que tratar desses assuntos com a sensibilidade que o caso requer.”
Trata-se do primeiro embate entre Lira, recém empossado, e Guedes. O ministro da Economia torceu pela vitória de Lira como forma de melhorar sua relação com o Congresso, já que ele não tinha sintonia com o ex-presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ).
O auxílio emergencial foi pago a desempregados, beneficiários do Bolsa Família e trabalhadores informais em 2020. Foram cinco parcelas de R$ 600 e quatro de R$ 300. Com o agravamento da pandemia, aumentou a pressão para que o governo retome o benefício.
A equipe econômica quer atrelar uma nova rodada do auxílio a medidas de cortes de gastos, mesmo que sejam com efeitos no médio prazo. Além disso, Guedes vem repetindo que precisa de uma segurança jurídica para bancar a retomada do auxílio. Isso porque, em 2020, foi aprovado o orçamento de guerra, que, na prática, permitiu que houvesse uma ampliação dos gastos sem as “amarras” das regras fiscais. Neste ano, porém, não há calamidade pública e todas as normas estão em vigor. Descumpri-las pode fazer com o que o governo seja alvo de crime de responsabilidade.
“Tem que ser feito dentro de protocolos, ou corremos risco de descontrole completo. Se isso se estender no tempo sem contrapartidas, estamos incendiando finanças públicas”, disse Guedes.
O ministro quis demonstrar “sintonia” com o novo comando do Congresso. Segundo ele, há um acordo para que os trabalhos para garantir o respaldo à nova rodada ocorra nos próximos 15 dias, mesmo durante o Carnaval, e que o benefício saia em 20 dias. “Não podemos ter de novo ministro brigando com presidente da Câmara e governadores avançando sobre recursos da União”.
Um poema sobre mim e Deus.

Deus sabe que de mim nada pode esperar
Porque sabe exatamente quem eu sou
Porque conhece minha imperfeição
Pelo tamanho de minha finitude.
ELE sabe de antemão o resultado das provações
A que me submete agora e no futuro.
Deus sabe que eu sou só fragilidade e ignorância
Por isso não me fez a sua imagem e semelhança!
Talvez Deus me tenha feito para o pecado,
Porque esse é o máximo de livre arbítrio que nos une:
Eu como a limitação do corpo,
ELE como a infinitude do ser.
Numa combinação de tempo e angústia
Regida pelas leis do acaso e da ponderação.
Deus sabe que sendo o pecado,
Eu sou sua parte vencida
E, por isso, não podemos competir.
E que, embora eu não seja um deus,
Eu sou sua imagem e semelhança,
Não porque ELE me tenha feito assim,
Mas, porque, essa é a significância do tempo para nós:
O entrelaçamento de duas existências
Que nunca se fará carne,
Por conta da transitividade do verbo que é.
Ponciano Ratel
E APOIS!… A grande Literatura Brasileira.
Aferro-me inescapavelmente à conjectura de que o patriotismo é de fato o último refúgio dos canalhas. Jamais me ative ao nacionalismo pueril ou extremado que demarca as relações atuais no Brasil. No entanto, é forçoso admitir a existência de uma particularidade que denota um cultivo demasiado a certo grau de brasilidade, traduzida num ufanismo desmedido a nossa literatura, pois a coloco lado a lado das grandes realizações literárias mundiais, desde França, Inglaterra, Rússia, Itália, Estados Unidos – só para citarmos os mais reverenciados, sem olvidar as obras-primas do mundo árabe – até a exuberância literária da América Latina.

Li recentemente que Machado de Assis finalmente caiu no gosto dos americanos, pois, no mês passado uma nova tradução do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, com o título em inglês de “The Posthumous Memoirs of Brás Cubas”, feita pela pesquisadora Flora Thomson-Deveaux, esgotou-se em apenas um dia na Amazon e na livraria Barnes & Noble.
Noticia ainda a revista Exame, que no site da Amazon, o livro é o mais vendido na categoria “Ficção Latino-americana e caribenha”, levando a tradutora a afirmar em seu perfil do Twitter: “Estou ciente de que não é o momento de celebrar o lançamento de um livro, mas eu não teria dedicado anos da minha vida para traduzir este aqui se eu não estivesse convencida de que é uma obra para todas as eras”.
Na esteira desses acontecimentos, aflorou em mim o nacionalismo literário sobre o qual divago agora. Então, motivado por esta velha percepção da grandeza da literatura brasileira, veio-me à memória as palavras do crítico literário Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), que num texto sobre a importância do romancista José Lins do Rego, assim escreveu sobre a presença da mulher em nossa literatura:
“(…) Seria um estudo curioso a fazer o da confrontação entre três galerias femininas em três dos nossos grandes romancistas – em Machado de Assis, José Lins do Rego e Érico Veríssimo. Em Machado de Assis, são as mulheres que manejam os homens, pela malícia, pela dissimulação, pela graça, pelo espírito, encabeçadas por essa figura típica de Capitu, que é como que o eterno feminino, em plagas brasileiras, na concepção de um romancista desenganado dos velhos privilégios do “sexo forte”. É a expressão do romance citadino, da vida moderna, da civilização praieira, dominada pelas mulheres.
Em Érico Veríssimo, e nos costumes do “pampa”, as mulheres representam a ausência do homem e a trágica espera. Nos lares e nas estâncias desertas de homens, empenhados em lutas militares e políticas, a mulher ouve o vento da campanha e cuida dos trabalhos domésticos e fica em silêncio bordando ou tratando dos filhos, nas longas vigílias das noites de solidão. Mas são figuras varonis, ou pelo menos Penélopes da ausência masculina.
Ao passo que na galeria feminina de José Lins do Rego, o que vemos é a presença e a não-ausência do homem, cuja lei é que impera. É a servidão feminina, é a “mulher submissa” de que falou Capistrano, são as filhas enlouquecidas pela solidão ou pela rudeza paterna. Os casamentos de conveniência, o sacrifício silencioso das mulheres à lei do homem. E no meio desse rebanho de sacrificadas, as histéricas ou satânicas, filhas ainda da condição marginal a que as condena esse “machismo” violento que o sertão secreta como fruto ácido da insegurança e do primitivismo das paixões. (…)”.
As passagens acima são referências para o propósito exposto nesse texto, que almeja expressar a opinião do autor acerca da grandeza da literatura brasileira frente às grandes escolas estrangeiras. Não tenho a pretensão de me ater ao mérito do que fora dito pelo crítico literário sobre as obras dos citados romancistas, até porque, creio eu, apreender o que quis dizer o escritor quando publica um livro, resume-se fatalmente à compreensão que o leitor tem do que leu. E assim são as críticas literárias, sem exceção.
Por fim, para corroborar com a tese trazida de que a literatura brasileira é uma das grandes no mundo, a análise de Alceu Amoroso Lima se presta para apontar que tal qual Anna Karenina de Tolstói, Madame Bovary de Flaubert, as grandes criações femininas povoam também nossa literatura, ostentando o mesmo patamar de importância das grandes obras estrangeiras. Para confirmar o que digo basta lê as obras de Clarice Lispector ou o livro As Velhas de Adonias Filho.
Por: Adão Lima de Souza.
SE BULA! – EM TEMPO DE “CORONAVÍRUS”: ALERTA AO USO DA MÁSCARA DURANTE A ATIVIDADE FÍSICA

Nas ultimas publicações sobre a atividade física e saúde feita aqui na pagina do SE BULA ficou evidenciada a importância da atividade física à saúde e que iniciar um programa ANTISEDENTARISMO seria uma forma saudável a qualquer individuo. Hoje a perspectiva é alertar para o uso de máscara durante as atividades e compreender possíveis riscos.
A atividade física é um fator muito importante nessa fase de isolamento social, e temos visto muitas pessoas tentando aderir a um programa de corridas ou caminhada, mas com comportamentos que podem ocasionar alguns acidentes de natureza fisiológica. Não estou falando de doença, mas de risco durante a prática do exercício físico.
É conhecido que em atividades aeróbicas a troca de oxigênio é o fator que permite a continuidade ou não daquela atividade, normalmente, sendo encerrada por falta de condicionamento físico- esse seria o ideal– porem o que estamos presenciando é a atividade física de caminha e corrida, até mesmo de ciclismo, as pessoas usando máscaras.
O critério aqui não é condenar por nenhum motivo não cientifico o uso da máscara, o intuito é de entender que, as atividades aeróbicas elevam nossos batimentos cardíaco a níveis que não chegamos em repouso, portanto, há sinais de falta de oxigênio naturalmente, usar a máscara irá antecipar essas sensações que não são boas.
A ausência de oxigênio pode ser caracterizada como “hipóxia” no corpo humano: “Pode levar a desmaios, desorientação, problemas de coordenação, alterar o ritmo cardíaco. Pode afetar severamente a fisiologia normal de um ser humano”. É preciso chamar atenção a esses sintomas durante a atividade física e parar IMEDIATAMENTE.
Como dito antes, o uso de máscara certamente atrapalha na respiração durante a pratica de atividade física, daí, então, é recomendável que se quer proteção integral a saúde, todos que forem iniciar ou continuar seu programa de atividade física deve seguir as recomendações de afastamento e não aglomeração, evitando ou tentando evitar o contagio pelo covid-19, mas o uso de MÁSCARA não é recomendável DURANTE A ATIVIDADE, justamente por potencializar o aparecimento dos sinais e sintomas comentados, típicos de “hipóxia”.
A atividade aeróbica é adotada pela maior parte das pessoas por diversos motivos, seja de estética, de saúde ou de treinamento esportivo. A intensidade moderada é a mais comum nessas praticas, usando índices moderados da nossa capacidade respiratória. Naturalmente, vemos pessoas destreinadas reclamarem de enjoo, tonturas, além das dores musculares próprias de alguém que inicia uma atividade física.
Disse própria, em momento algum podemos considerar que são sintomas NORMAIS DA ATIVIDADE. Sempre que qualquer um desses sintomas forem presentes durante sua atividade física deverá parar imediatamente e respirar até sentir controle total do corpo.
Em momento anterior visualizamos que o exercício de intensidade moderada, praticado regularmente, melhora a capacidade de resposta do sistema imunológico assim contribuindo com o objetivo de melhoria da qualidade de vida, portanto séries variadas desses exercícios supracitados.
ALERTANDO que, se estiver fazendo uso de máscara durante sua atividade física seus sintomas relativo a fadiga podem ser acelerados e o limiar da atividade ser reconhecido muito antes do que o normal, e não por beneficio, mas por excesso de esforço causado pela dificuldade na respiração, provocado pelo uso da máscara.
Deixe para usar a máscara no trabalho ou local que seja exigido em virtude de aglomerações e siga as determinações oficiais. Para a atividade física, o uso de máscara não é necessário, tampouco recomendável.
Assim, faça sua atividade física lembrando que seu organismo foi feito para se movimentar, ative-se, mova-se, mexa-se… SE BULA! AFINAL, TODO DIA É SEGUNDA FEIRA.
Por: Cícero Atila Martins Santos, Professor Especialista em Educação Física.
O Racismo à brasileira
Você já imaginou o que é ser negro? Qual a situação do negro aqui no Brasil? Porque a sociedade discrimina as pessoas de cor preta?

O racismo é um problema mundial, mas geralmente aqui em nosso País, é tratado como se não existisse. Esse faz de conta deixa-nos bastante cômodos, e camufla uma situação de fato no nosso dia a dia, em ocasiões corriqueiras e conversas informais, piadinhas que veiculam imagens estereotipadas que inferiorizam o negro. Bem, depois das piadas serem contadas e certamente provocarem risos, há que dê um aperto e mão ou um tapinhas nas costas de um colega de cor preta e diga: “é brincadeira, apesar de negro, você é nosso amigo”.
A outra forma é o subterfúgio, espécie de artimanha de isenção de responsabilidade social, no qual as pessoas atribui ao negro a culpa pela sua situação, pelo seu “destino”. Assim, ao invés de vítima, passa a ser o algoz de si mesmo, e de agredido ele passa a ser o agressor. Essa burla dos fatos pode ser exemplificada em frases como “É o negro que discrimina!”; “O negro é que é racista!”; “O negro é pobre porque quer!”.
O Mito da Democracia Racial
No que diz respeito somente aos negros, no Brasil há um mito que impede que muitos deles se identifiquem propriamente como pessoas negras e partam, juntamente com outras pessoas comprometidas com sua causa, para ação política. É o mito da democracia racial, eficaz por negar que exista conflito entre negros e brancos. No nosso entendimento, o conflito racial existe, sutil, velado, não declarado.
A sociedade resiste em livrar-se de seus mitos porque é difícil encarar a realidade. Quando se torna impossível sustentar a tensão entre o real e o imaginário, entre o objetivo e o subjetivo, são buscadas medidas paliativas que pouco resolve. No nosso caso, a realidade é a existência do racismo; o imaginário é a negativa de que este exista.
O fato de nesse pequeno ensaio estarmos discutindo essa questão interna, mas o racismo no mundo é endêmico. Vários estudos apontam a etnocentria como fator preponderante, entre outros. No caso dos movimentos e protestos atuais nos Estados Unidos, em que pese o assassinato do negro George Floyd, nos remete às correntes de pensamentos ou sentimentos que à medida que circulam socialmente fazem eclodir generalizados movimentos de protesto.
Claro que em momento de pandemia as emoções se exacerbam diante do imprevisto e das temeridades. A tendência é que os protestos atuais venham a ser substituídos por outros temas de protestos, conforme a pauta de cada época. Uma mudança substancial dos atuais protestos poderia surgir se provocasse uma nova legislação ou um novo pacto de lideranças comprometidas com mudanças estruturais no seio das sociedades. Tem sido muito difícil construir novos pactos em decorrência apenas de protestos. A esperança é que surja algum estadista que crie um fato novo para melhor entendimento de processos étnicos e culturais.
Bem! A pergunta que deixo aqui é: o que estamos deixando para as próximas gerações?
Por Celso Franca, Doutor em Educação pela Facultad Interamericana de Ciencias Sociales; Mestre em Sociologia (UFPE); Especialização em Gestão de Negócios Internacionais (FGV); Graduado em Ciências Sociais (UNIFACS); Prof. da FACAPE; Vice – Coordenador do Projeto Escola Verde – PEV.
Dias Tormentosos em Rio dos Currais

Por volta do fim de janeiro do ano seguinte, o estimado prefeito anunciou novas obras de embelezamento da cidade. Era preciso preparar Rio dos Currais para sua grande festa anual. A tradicional festa de São João, no mês de junho. Época em que a cidade se transformava em um grande ponto turístico, pois vinha gente de toda região acompanhar as famosas vaquejadas, pegas de boi, festejos juninos animadíssimos como não se via em parte alguma do Vale do Salitre. A cidade de Rio dos Currais, embora fosse o município com menor população do país e contasse em sua geografia, excetuando-se, é claro, a grande extensão rural, com nada mais que quatro ruas dispostas no entorno da imponente igreja de São João, ao norte; da construção barroca que abrigava a prefeitura e a câmara municipal ao sul; e do hospital a leste; e da escola infantil onde estudavam os filhos dos quinhentos e oitenta e cinco habitantes, a oeste; costumava receber centenas de visitantes durante as famosas festas de junho. Gente de toda parte aportava nas franjas de Rio dos Currais no mês de junho para participar de competições como pegas de boi, corrida de morão, festas de apartação, farra do boi. Durante quinze dias, a cidade era o destino de muitos que queriam diversão, paqueras, gastar dinheiro, dançar forró, comer milho assado, cozido, pamonha, espeto de gato, mungunzá doce, salgado, carne de bode, carneiro, queijo de cabra, rapadura, caldo de cana, farinha seca com carne salgada, enfim, todo tipo de iguaria e bebidas que fariam inveja aos deuses do olimpos, com suas ambrosias. Era um tempo de bonança para Rio dos Currais. O faturamento das lojas de acessórios crescia vertiginosamente. Os pequenos comércios de comida, de objetos artesanais de barro, de couro; os hotéis improvisados, as pequenas glebas de terras transformadas em chácaras para turistas; os currais alugados, as casas de campo, tudo era negociado a preço alto, aquecendo a economia local e aborrotando os bolsos insaciáveis dos cidadãos de bens da pequena cidade, aqueles mesmos que se encarregavam da administração municipal ou da feitura das leis.
Logo, era imperioso, dizia o prefeito, vangloriando-se da grande ideia, “embrenhar esforços desmedidos para tornar Rio dos Currais a mais linda cidade de todo vale, para quando os visitantes que aqui chegam, sejam tomados de assalto pela admiração irresistível ante a beleza incomparável de nossa cidade”. Então, que começassem as obras de embelezamento ainda no mês de janeiro, pois, já havia apontado no horizonte o ano vindouro. Assim aconteceu. Desta vez era hora de reformar todas as fachadas de lojas, residências, câmara de vereadores, prefeitura, hospital, escola. Era também necessário reformar a praça central, substituindo bancos, trocando pisos, mudando a tonalidade da pintura. O secretário de obras veio a público, explicou os projetos arquitetônicos à população, especificou os quantitativos orçamentários, discorreu sobre normas de construção, segurança do trabalho, equipamentos de proteção individual e coletivos, da importância de se evitar acidentes de trabalho, da resistência dos materiais, da mecânica dos fluídos, da textura das tintas, para ao final informar aos moradores que todos os custos da empreitada seriam repassados para a conta de IPTU de cada unidade residencial, através de moderníssima modalidade de tributação denominada de Contribuição de Melhorias, imposto exacerbadamente utilizado nos países civilizados. Sobre o qual, dissera sem disfarçar a empolgação, durante o descerramento da placa de inauguração do início das obras, estava agora bastante informado por meio de Domingo Elesbão, presidente da casa legislativa, que acabara de chefiar uma missão de suma importância para o desenvolvimento de Rio dos Currais, em viagem oficial pelos estados Unidos, Europa e China.
Em meio aos aplausos entusiasmados de alguns presentes e do corpo de funcionários da prefeitura e da câmara de vereadores, ouviu-se ao fundo o primeiro reclamo de Joelson da Farmácia:
_ Esse “fiu do cabrunco” vai botar mais conta nas nossas costas, desgraçado, fio de uma ronca e fuça “miserávi”, pai d’égua.
_ Pois num é, cumpadre! – apoiou o barbeiro Alonso. – já não basta viajar o mundo todo por nossa conta, ainda vai fazer reforma da cidade para a gente pagar.
Outros esboçaram, a seus modos, tímidos protestos que foram ofuscados pela habilidade retórica de Etevaldo Elesbão, excelentíssimo senhor prefeito do munícipio de Rio dos Currais, cidade próspera à margem do Rio que nasce na Serra da Saudade. Depois disso, ninguém mais se manifestou e as obras tiveram começo, porém, não puderam ser concluídas, em virtude das contingências da vida, que a todos faz sucumbir e mudar os planos.
A cidade tinha esse nome em homenagem à imensa extensão de pasto verde que se alastrava por todo território. Por ali, ano após ano, alguns milhares de cabeça de gado vinham tangidas por aboios entoados por vaqueiros pobres, a atravessar os campos de Rio dos Currais em direção aos portos que ficavam nas cercanias do litoral. Enquanto despachantes cuidavam da burocracia para embarcar a carne para o estrangeiro, tarefa que costumava durar até dois meses para seu desembaraço, rebanhos inteiros permaneciam em currais à beira do rio que banhava o Vale do Salitre, pastando, ruminando e adubando a terra. Nesse ínterim, acontecia a grande festa de São João de Rio dos Currais, com suas exuberantes vaquejadas, barracas de comida e bebida e bandas de forró que se estendiam noite a fora, animando os casais que se arriscavam a rodopiar nos salões de dança improvisados sobre o chão batido, num arrasta-pé que enfeitiçou os americanos servindo em bases militares durante a segunda guerra mundial. Durante as festividades, a cidade era toda enfeitada com bandeirolas, palhas de coco trançadas, pessoas vestidas de roupas de cangaceiros, jaquetas, sandálias e chapéus de couro cru, celas ornamentadas para cavalos, escoras, facões e bainhas, peixeira e bicho morto crepitando nas churrasqueiras feitas com tijolos enfileirados sobre o chão poeirento da temporada seca que é o outono no Vale do Salitre.
_ Eita que a cidade “tá ficano é bunita”, cumadre.
_ “Né mermo” dona Leninha. O prefeito “butou foi pegado”, agora. A testada da frente da casa tá mais enfeitada que cruz de beira de estrada.
_ Então não é, dona das Dores. Dá é gosto votar em Etevaldo. “Ô prefeito pra gostar de tudo arrumadinho”. “É um peste mesmo, hein?”
_ E num é? Se num fosse a roubalheira da família, nossa cidade era um brinco.
_ Ah isso é verdade, viu cumadre. O tal do Domingo Elesbão, vixe maria! – exclamou dona Leninha, fazendo o sinal da cruz enquanto desaparecia casa adentro. Dona das Dores continuou a varrer o terreiro, enquanto admirava a beleza das primeiras fachadas pintadas para a festa junina.
Os meses foram se sucedendo. A data da festa se aproximava, quando por volta de fim de abril, o vereador Claudionor Matos, líder da oposição, caiu enfermo de doença rara. O quadro clínico se agravou rapidamente e o edil veio a óbito, deixando a todos perplexos. “Como pode alguém saudável morrer de uma hora para outra”, todos se perguntavam na cidade. Os familiares diziam que certa noite o camarada acordou meio febril, com forte cansaço e tosse seca. Nos dias seguintes teve fortes dores, congestão nasal, corrimento nasal, dor de garganta e diarreia, vindo a morrer no décimo sexto dia após desembarque da viagem pelo mundo em companhia dos outros vereadores. O povo, então, passou a especular que Claudionor Matos havia trazido alguma coisa ruim do estrangeiro, pois nada mais poderia explicar a morte repentina de um sujeito de compleição física de fazer inveja a qualquer atleta profissional. A desconfiança não tardou a aumentar, já que dois dias depois, chegou ao conhecimento da comunidade que Agnaldo Elesbão, assessor de comunicação da Câmara Municipal e irmão do presidente Domingo, também havia sido infectado por alguma praga trazida de fora, pois se encontrava a beira da morte no hospital da cidade. Daí a três dias morreu, levando Rio dos Currais ao pânico generalizado. As pessoas começaram a lotar a igreja de São João, pedido a Deus que perdoasse seus pecados, já que o fim do mundo se aproximava e não se podia morrer sem uma confissão. “Deus não deixe que a doença matadeira me leve agora”, diziam intimamente em suas preces e orações. O doutor Cícero Crispim, médico diretor do hospital do município concedeu longa entrevista, conclamando o povo da cidade a permanecer em suas casas até que tivesse notícias confiáveis sobre o que havia acontecido com seus pacientes. Ele alertava que, pela gravidade da enfermidade, a terapia reclamava internamento em Unidade de Tratamento Intensivo, com uso de respiradores mecânicos. E que os pacientes apresentavam forte resistência aos procedimentos médicos tradicionais. Já Etevaldo Elesbão, irmão do morto e prefeito da cidade, tinha outra maneira de ver as coisas ao insistir que as palavras do médico foram mal escolhidas, já que causavam certa histeria, atribuindo excessiva gravidade a casos comuns de gripe. E que, é claramente perceptível que a doença infecciosa agrava apenas a situação de pacientes cujo sistema imunológico já esteja debilitado como do irmão dele, cardíaco e diabético.
E para demonstrar que sua tese era embasada pela ciência médica, o prefeito havia chamado um especialista do litoral que lhe assegurava se tratar tão somente de conhecida virose gripal, sem maiores consequências que alguns dias de febre e leve dor de cabeça, acompanhados de corrimento nasal. Diante disso, convidava toda cidade para o sepultamento de estimado familiar no cemitério local. No dia seguinte, toda Rio dos Currais estava presente na despedida de Agnaldo Elesbão. Domingo e Etevaldo fizeram longos discursos. Outros vereadores ou correligionários dos chefes de poderes presentes também se aventuraram em palavrórios alongados para agradar seus aliados políticos. O doutor Cícero Crispim, tudo condenava. Recomendava apenas aos seus concidadãos parcimônia e distanciamento social voluntário, pois estava lendo em seus compêndios sobre moléstias raras que a mais sensata e eficiente atitude a ser tomada agora era ficar em casa, a fim de evitar aglomerações como aconteceu no sepultamento do familiar do chefe do executivo, pois só assim se poderia impedir a curva exponencial de contágio. O prefeito discordava do veterano médico de Rio dos Currais. Mas, como não podia demitir um velho amigo, desengavetou um pedido de aposentadoria feito em dezembro do ano passado e dispensou, assim, os serviços do experiente cientista daquela cidade esquecida por deus e pelos homens. O doutor Cícero Crispim sumiu da cidade na mesma semana, foi direto para capital do país, em busca de informações acerca da enfermidade que desafiava seus conhecimentos médicos. Retornou alguns meses depois, sendo aclamado como herói.
Durante a ausência do doutor Crispim a infecção se alastrou pela cidade de Rio dos Currais, matando quase cem dos seus pouco mais de quinhentos e oitenta cidadãos. Aguardava-se com esperança a chegada de turistas para a festa de junho que se avizinhava, acreditando-se que alguém pudesse trazer esclarecimento sobre a maldita doença que queria exterminar o povo honesto e cristão de Rio dos Currais. Entretanto, ninguém aparecia. Apavoradas, as pessoas se trancaram em casa depois da morte de setenta e cinco pessoas em três semanas. A cidade virou um deserto. Ninguém circulava pelas ruas. O mato começou a romper o asfalto, fazendo brotar erva daninha por toda parte. Apagando quaisquer sinais da beleza prometida pelo prefeito para as fachadas das casas em volta da praça central. Às nove e quinze da noite de um dia de domingo, a polícia foi chamada pelos vizinhos e encontrou os corpos de toda família do ceboleiro Adroaldo. O local era uma casa grande da cidade, propriedade de uma das famílias mais abastadas de Rio dos Currais. Eram ao todo seis pessoas mortas. O pânico tomou de conta da cidade de uma vez por todas. Pessoas morriam, o prefeito procurava outras explicações, relutando em reconhecer a gravidade da situação, alegando que as pessoas não deveriam ficar em casa, pois morreriam de fome, causa mais provável e mais certa do que aquela “gripezinha”. Algumas pessoas deram ouvidos ao prefeito e retomaram a vida normalmente. Muitas morreram. O prefeito mantinha-se firme nas suas convicções pueris, sem embasamento científico nenhum. As pessoas que argumentavam em favor do isolamento total das famílias eram ridicularizadas pelos prepostos do chefe maior do município, tinham seus nomes expostos ao ridículo, eram achincalhadas, menosprezadas, vilipendiadas pelos asseclas de Etevaldo Elesbão. Os partidários do prefeito organizaram passeatas, carretas pela cidade. Pessoas passavam de porta em porta xingando, ordenando que as pessoas a viessem para a rua, saíssem imediatamente de casa, a esquecessem a ideia estúpida de quarentena e retomasse a normalidade da vida. Portas eram chutadas com força, janelas esmurradas com fúria. A turba enlouquecida vociferava insultos contra os confinados, chamando-os de covardes, cretinos, filhos da puta. Ouviam-se gritos de horror de crianças assustadas dentro das casas. As pessoas permaneciam trancafiadas em suas residências, tomadas pelo medo da doença viral mortífera, aterrorizadas pelas atitudes truculentas do prefeito e seus aliados, ameaçadas pela fome estacionada no batente, uma vez que o prefeito impedia que se ajudassem os confinados, confiscando mercadorias, gêneros de primeira necessidade, cortando o fornecimento de água, ameaçado interromper o serviço e iluminação pública e doméstica. O prefeito não cedia, queria a “volta da normalidade a qualquer custo”, dizia aos berros do púlpito da praça central. “Etevaldo está louco, pensavam as pessoas confinadas em suas casas paupérrimas, passando fome e doentes”. Ele foi infectado pela “Doença Matadeira”. “Ou então, está possuído pelo tinhoso, só pode ser isso”.
A cidade já contava mais de uma centena de mortos, mas Etevaldo Elesbão não arredava pé de suas ideias malucas, nem mesmo quando Domingo Elesbão tombou enfermo na cama à beira da morte. A essa altura, de todas as pessoas que haviam estado na missão internacional pela Europa, China e Estados Unidos, apenas o presidente da casa legislativa ainda estava vivo. Onze tinham morrido um após o outro, com os mesmos sintomas de Claudionor Matos: febre, forte cansaço, tosse seca, fortes dores, congestão nasal, corrimento nasal, dor de garganta e diarreia. O especialista trazido de outra cidade pelo prefeito de Rio dos Currais assumiu o tratamento de Domingo Elesbão, iria experimentar uma droga nova chamada Hidroxidina, cuja posologia, afirmava com convicção de pesquisador incontestável, estava sendo amplamente utilizada para curar a infecção viral que havia tomado o país de assalto. Utilizou-se da dosagem que quis para arrefecer o mal de Domingo Elesbão, porém, sem sucesso, pois o quadro clínico do paciente só piorava. Acabou por reconhecer que não dispunha de maiores informações acerca da substância medicamentosa que havia prescrito para o chefe do legislativo e, por isso, não sabia, no momento, explicar a deterioração do quadro clínico do paciente. Todavia, manteria o interno à custa de respiradores mecânicos, pois ouvira de amigos médicos que era a única possibilidade de prolongar a vida do enfermo. Etevaldo Elesbão ouvia tudo com tamanha impaciência. Para quem não conhecia o ímpeto desvairado dele, poderia até crer que sua teimosia começava a ruir, mas não, não ruía, tornava-o mais empedernido. Nada do que havia presenciado, seja com Agnaldo, seja com Domingo, irmãos que a morte levara ou ameaçava levar, era capaz de demovê-lo da loucura que havia se apossado dele. Nem parecia aquele prefeito amado pelo povo que havia lhe concedido quatro mandados na provincial, mas próspera cidade de Rio dos Currais, conhecida por tantos nas redondezas pela grandeza da festa junina, das vaquejadas, das comidas típicas que atraiam tantos turistas. No auge do que se assemelhava a insanidade, Etevaldo Elesbão não conseguia atentar para a gravidade do que se passava em sua cidade. Ele nutria a falsa esperança de que a prosperidade econômica trazida pelos turistas durante os festejos era, no momento, atravancada pela covardia de seu povo, escondido como cães assustados por conta de um “resfriadinho” incapaz de acometer de morte pessoas fortes e atléticas como ele. E que apenas os velhos e fracos deveria permanecer em quarentena, pois somente esses morreriam. Era preciso abrir as portas da cidade, chamar de volta à normalidade os cidadãos, os visitantes, terminar a pintura das fachadas das casas, organizar as vaquejadas, as festas juninas, montar as barracas, vender, vender, ganhar dinheiro, movimentar a economia, lotar os bares, os salões de festas, porque Rio dos Currais não pode parar nunca, nunca, nunca. A Economia não pode parar!
Não durou nem uma semana pra Domingo Elesbão vir a óbito. Etevaldo convidou toda a cidade para o enterro, que seria com todas as pompas possíveis. O especialista trazido de outras bandas desaconselhou a medida, recomendando que o prefeito mudasse de ideia e aconselhasse os concidadãos a ficar em casa, em isolamento por pelo menos doze semanas. O prefeito não deu ouvido. Insistiu no convite ao povo para as honras fúnebres ao inestimável Domingo Elesbão, o mais longevo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Rio dos Currais. O povo não atendeu ao chamado. No enterro, apenas Etevaldo e sua família se fizeram presente na despedida do grande legislador de nossa cidadela. Etevaldo Elesbão se enfureceu mais ainda, mas a essa altura já estava só e doente. A enfermidade o havia alcançado, como se quisesse quebrar sua espinha dorsal, fazendo-o dobrar-se aos imperativos da vida: o tempo, a doença, a morte. O especialista de outra cidade não suportou os arroubos do prefeito e foi embora para nunca mais voltar. Dizem as más línguas que ele morrera vítima da doença que pretendia erradicar, uma vez que até hoje a Hidroxidina por ele receitada não demonstrou nenhuma viabilidade no tratamento do mal que o doutor Cícero Crispim nos informou chamar COVID-19, doença infecciosa causada pelo tal Coronavírus, descoberto recentemente no mundo, que já tinha matado meio mundo nos quatros cantos da terra. Após a partida do especialista trazido por Etevaldo Elesbão para convencer as pessoas que a doença mortal que plainava no ar de Rio dos Currais não era tão grave quanto afirmava o renomado médico da cidade, a equipe médica que reassumiu o hospital encontrou sobre a mesa do forasteiro, numa bíblia por ele usada, passagens destacadas do capítulo do Apocalipse.
Na terceira semana de junho, o doutor Cícero Crispim retornou a Rio dos Currais com uma carga grandiosa de remédios e equipamentos médicos, destinados ao tratamento da infecção causada pelo COVID – 19. Chegando ao hospital foi informado sobre o quadro clínico gravíssimo do prefeito Etevaldo Elesbão. Não mediu esforços para salvá-lo. Fez tudo que estava ao seu alcance, e recomendava a Ciência. Não obteve sucesso. “Etevaldo Elesbão, prefeito de Rio dos Currais, faleceu hoje às nove horas da manhã, vítima de complicações infecciosas causadas pela patologia denominada de COVID-19. Em virtude de quarentena decretada pelo novo prefeito, o enterro do excelentíssimo senhor prefeito será reservado apenas aos familiares. Agradecemos a compreensão de todo”. Assim, foi a nota de falecimento, objetiva e rápida. O doutor Cícero Crispim foi reconduzido ao seu antigo posto de diretor do hospital do município, acumulando as funções de secretário de saúde, já que o titular da pasta tinha morrido também. O novo prefeito era pessoa de mais sensatez que Etevaldo. Não estava na linha sucessória até a morte de Domingo Elesbão. Como era seu vice, assumiu primeiramente a presidência da Câmara de Vereadores até ser convocado para enfrentar a gestão municipal, depois da morte do prefeito. O vice foi um dos doze mortos que estavam na grande missão estrangeira. Antenor Medeiros era um vereador inexpressivo que virou vice-presidente da câmara legislativa porque era considerado um sujeito ponderado. Estava no segundo mandato. Não era doutor como Cícero Crispim, pelo menos não da medicina, mas o era do Direito, um doutor das leis, como se diz por aí. Entretanto, a sua maior qualidade era mesmo a ponderação. Não discutiu quando o doutor Crispim o aconselhou a ir a público interceder pela necessidade de isolamento, baixando de imediato um decreto instituindo a quarentena total em Rio dos Currais.
_ Se o senhor, que é médico, diz que essa é a melhor medida que temos agora para frear o contágio desta epidemia, não serei eu que vou me opor.
_ Ainda bem que podemos contar com a compreensão do senhor, prefeito. Muito obrigado, disse o médico.
E embora não tivesse essa intenção, o decreto do doutor Crispim recrudesceu o pânico na pequena Rio dos Currais. As pessoas mantiveram sua determinação de não sair de casa. Corriam notícias de mortes o tempo todo. E o mau cheiro denunciava que no interior de muitas residências corpos de famílias inteiras apodreciam sem sepultamento cristão. O médico Cícero Crispim tomara a dianteira da questão epidêmica e, com o total apoio de Antenor Medeiros, montou um gabinete de crise, destinado a criar um plano de contingência para salvar as pessoas e a cidade daquela horrível praga que assolava a esperança de uma gente festiva, alegre e solidária. Na primeira semana de trabalho conjunto da prefeitura, com a equipe de doutor Crispim e a meia dúzia de soldados que restaram para proteger a cidade, foram logo reorganizadas as unidades intensivas do hospital municipal para atendimento de quantos precisassem dos respiradores mecânicos, trazidos das cidades litorâneas, onde bem sucedidas campanhas de combate ao COVID – 19 tinham sido levadas a cabo por renomados especialistas de diversas áreas: infectologia, epidemiologia, virologia, macumbaria, pajelança, cirurgia espiritual, quiromancia, feitiçaria e etc, etc, etc. Foram chamados a participar outros dois médicos da cidade, o farmacêutico, o curandeiro, a rezadeira, padres, pastores, adivinhos, enfim, todos aqueles que de algum modo lidavam com a arte de curar enfermos do corpo ou da alma.
Doutor Crispim, embora fosse extremamente devotado à Ciência, chegando até mesmo a ser reconhecido como ateu pelos moradores de Rio dos Currais, não se opôs à ação daqueles que antes alcunharia de semeadores de crendices estapafúrdias, extravagantes. Naquela luta, disse a amigos próximos, quem travará a batalha contra o cavaleiro da morte que campeia o imaginário daquela gente simplória de intelecto e autoestima, senão os que trabalham para confortar as almas atribuladas com devoção e misticismo? Nisto parecia está com a razão. Nas residências da cidade eras comuns imagens de santos, orixás, Deus, Jesus, Maria, ornamentando as paredes, denunciando a força da fé que movia aquela gente espezinhada pela labuta diária dura com a terra, pelo sofrimento dos anos que escavam sucos de dor e decepção em suas faces. O médico Crispim não se mostrou insensível a tudo isso. Pelo contrário, achou por bem estimular a solidariedade entre sua gente. Exortando-a para que se apegasse a fé, às orações, às rezas, às simpatias, ou seja, a tudo quanto pudesse trazer ao indivíduo um pouco de paz espiritual nessa hora de angústia e pesar, de horror e morte em Rio dos Currais. E assim, foi reconquistando a confiança do povo em sua autoridade de médico, de homem público, de pai, de avô, de mortal. Em pouco mais de três semanas, era uma liderança benquista pelo novo prefeito e toda vereança. Pelo povo, era louvado como uma espécie de anjo. Toda cidade enxergava na ação destemida e cirúrgica de Cícero Crispim a instrumentalização da vontade de Deus, que, embora fustigasse com força aquela gente pecadora, ainda não tinha condenado a iniquidade desse povo a ponto de destruir Rio dos Currais como fizera com Sodoma e Gomorra.
O segundo decreto que o doutor Crispim induziu o novo prefeito a editar foi para banir do anais médicos de Rio dos Currais a droga Hidroxidina, que mais matava que curava. O remédio teve proibida a produção, a comercialização, a prescrição. “Nunca mais nos aproveitaremos da condição vulnerável das pessoas que padecem da mais cruel enfermidade que se espalhou pela terra para fazer lobby de porcarias medicamentosas que mais matam que salvam”, disse o doutor Cícero Crispim na sua coletiva diária para explicar ao povo os avanços no combate à enfermidade que combalia a cidade. O novo prefeito obedeceu. O terceiro decretou editado era uma convocação ao voluntariado. A nota conclamava as pessoas a se apresentarem para ajudar aqueles que mais necessitavam. Havia muita gente padecendo de fome e outras doenças, além da infecção do COVID – 19. Era preciso levar alimento, remédio, conforto para quem estava sofrendo. E, por isso, o novo prefeito vinha chamar quem se dispusesse a colaborar com a Força Tarefa que seria montada para vasculhar casas há muito tempo fechadas, para resgatar pessoas enfermas que foram abandonadas, para sepultar os corpos de pessoas que apodreciam no interior de suas casas, para apresentar as pessoas doentes as curas disponíveis que o doutor Cícero Crispim havia trazido de longe. Terapias excelentes desenvolvidas por europeus, norte- americanos e chineses, por cientistas dos lugares onde tinha origem a praga assassina. A nota fora afixada nas portas das casas, nas paredes, passadas por debaixo das frestas de portas e janelas para o interior das residências, coladas na entrada da igreja de São João, do cemitério, do hospital, nos bancos da praça central, nos murais da prefeitura e da Câmara Legislativa, enfim, em toda parte onde pudesse ser vista pelas pessoas que bisbilhotavam as ruas através das frestas das janelas cerradas de suas moradias. Durante dois dias nenhuma resposta. Não se via uma pessoa sequer na rua. Nenhuma porta ou janela se abrira. A podridão que exalava dos cadáveres aumentava, era insuportável. O novo prefeito e doutor Crispim já discutiam o uso da força policial, se necessário fosse, quando adveio o primeiro sinal positivo.
A primeira pessoa a atender o chamado de doutor Crispim foi dona Lucinda Elesbão, viúva de Etevaldo. Debandou de sua chácara, a oito quilômetros do centro da cidade com dois caminhãozinhos atulhados de mantimentos, remédios, cobertores, álcool em gel. Apresentou-se ao gabinete de crise acompanhada de quatro de seus empregados que, segundo deixaram claro, estavam ali por vontade própria, e não por ordem de dona Lucinda. O novo prefeito não conseguiu disfarçar a alegria, pois, sabia o tamanho enorme daquela adesão. Dona Lucinda Elesbão disse tão somente que para salvar a cidade era imprescindível salvar primeiro as pessoas, e para isso estava ali: ajudar a salvar as pessoas. A casa grande do falecido ceboleiro Adroaldo foi escolhida para ser o quartel do voluntariado. Lá dona Lucinda reuniu a pequena equipe de voluntários, cujo número aumentara após as mulheres do novo prefeito e dos cinco vereadores sobreviventes se somarem aos esforços de guerra liderados pela ex-primeira-dama, que depois de chorar as mortes dos cunhados e do marido, ex-prefeito de Rio dos Currais tomou a firme decisão de que era preciso salvar as pessoas para salvar a cidade de seus ancestrais, de seus filhos que ficaram sob os cuidados de sua irmã mais velha na chácara, em confinamento total. No dia seguinte, começou sua missão indo de porta em porta, anunciando-se paras pessoas e comunicando que deixava encostado à porta da casa uma cesta básica com remédios, comida e cobertores. Pedia também que, caso houvesse pessoas doentes no interior da residência, permitisse que as equipes do doutor Crispim pudessem entrar para retirá-las, a fim de que fossem tratadas no hospital municipal, hoje bem instrumentalizado para cuidar dos enfermos. E que, no caso de haver também mortos, pudessem ter um sepultamento cristão, como mandava a bíblia deixada por Deus, nosso senhor, através de seu filho Jesus, nosso salvador.
Nos primeiros dois dias, as cestas permaneceram intocadas. As pessoas, aterrorizadas pela infecção que matara mais de duzentas pessoas na cidade, não se atrevia a abrir sequer uma janela, imagine a porta, que certamente permitiria que a doença invadisse sua casa. No terceiro e quarto dias, também nada acontecera. Nos subsequentes foi obrigado substituir as cestas por novas, já que alguns produtos começavam a perder sua validade, tornando-se imprestável para o consumo. Porém, no sétimo dia, percebeu-se que todas as cestas haviam sido recolhidas pelos moradores enclausurados. O plano começava a dar certo. Entretanto, o cheiro fétido, insuportável de gente morta conclamava uma medida profilática urgente. Era forçoso arrombar portas e retirar os cadáveres para o devido sepultamento. A equipe sugeriu a medida coercitiva, dura, penosa, porém inevitável. Doutor Crispim e o novo prefeito não puderam oferecer resistência. O plano de invasão foi esboçado. Todavia, antes de posto em prática, dona Lucinda apresentou às autoridades sanitárias o plano pensado por Juliano Vaqueiro, capataz antigo e homem de confiança do finado Etevaldo Elesbão, que consistia em deixar às portas das casas, assim como se fazia com as cestas de mantimentos e remédios, redes destinadas aos moradores para que enrolassem seus doentes e mortos e os deixassem na calçada para serem resgatados pelas equipes de voluntariados. O intento teve aprovação unânime e foi logo posto em prática. No dia posterior, haviam sido deixados do lado de fora cinco mortos e mais de sete adoentados. A equipe de doutor Crispim recolhera os doentes ao hospital municipal, enquanto os mortos foram levados ao cemitério para registro e sepultamento. Os corpos eram embalados nas redes e colocados cuidadosamente pelos familiares nas calcadas frias. As equipes de socorro os resgatavam e os levavam para o hospital ou para o necrotério para notificação e sepultamento. Duas semanas mais tarde, todos os cadáveres tinham sido entregues às equipes médicas, registrados e devidamente sepultados no cemitério da cidade. Os doentes, internados no hospital do município, seguiam em lenta, porém, esperada recuperação.
As mortes cessaram. Os casos novos de infecção já não eram mais tão graves. Aos poucos, pessoas eram vista com janelas abertas, seguindo a recomendação de doutor Crispim sobre a importância de fazer circular novos ares pelo interior das moradias. Certa manha, dona Lucinda, quando entregava de porta em porta a cesta de comida, teve a grata surpresa de ser recebida em uma das casas por um senhor de setenta e seis anos, que se desfez em agradecimentos por ela lhe ter salvado a vida, uma vez que só não morreu de fome graças à comida deixada em sua porta. Ele tinha sido o primeiro a se aventurar abrindo a porta, enfrentando o medo da infecção para recolher o alimento de que precisava. O senhor disse, por fim, que rezaria pela felicidade da primeira-dama enquanto tivesse vida. Dona Lucinda Elesbão, quatro vezes primeira-dama de Rio dos Currais, promotoras das mais badaladas festas da cidade, proprietária e rainha eterna do maior parque de vaquejada da região do Vale do Salitre, chorou copiosamente quando recebeu daquele simplório senhor o gesto de gratidão que suplantou toda frivolidade que tinha sido sua vida até então. Só não se desfez em abraços e outros gestos de carinho ante a atitude daquele sincero vovô porque o contato humano ainda não era recomendado pelo doutor Cícero Crispim, a imprescindível autoridade sanitária da menor cidade do país. A partir daquele fatídico dia, dona Lucinda Elesbão devotaria toda a sua vida a ajudar o próximo, aos necessitados, aos enfermos, vindo anos depois a ser a mais elogiada e solidária prefeita de Rio dos Currais. A Associação de Caridade criada por dona Lucinda despertou uma legião de voluntários na região do Vale do salitre. Houve quem dissesse após seu segundo mandato de prefeita devotada à luta contra a erradicação da pobreza, que dona Lucinda Elesbão só não ganhou o Prêmio Nobel da Paz porque depois de Rio dos Currais ter sido massacrada com a infecção vinda do estrangeiro, ninguém ficou sabendo que existiu na menor cidade do país a corporificação da generosidade, da caridade, da voluntariedade a ajudar o próximo que sofre, enfim, a verdadeira emancipação dos sentimentos que fazem despertar no indivíduo seu melhor humanismo: a solidariedade.
No final de julho, a crise de saúde tinha sido debelada graças à comunhão de esforços da gente simples de Rio dos Currais. As pessoas não tinham mais medo de sair à rua. Crianças brincavam nos quintais como faziam antes da doença maldita que matou quase trezentas pessoas da cidade: primos, avós, avôs, tios, irmãos, sobrinhos, todo munda havia perdido um ente querido. Os mortos ficariam para sempre na memória dos seus parentes e amigos. Mas sol persistia a iluminar aquela cidadezinha que aprendeu lições importantíssimas sobre esperança, morte, loucura e solidariedade durante os dias de sua terrível provação. Personagens distintos seriam lembrados anos a fio. Alguns, como dona Lucinda, o novo prefeito e o doutor Cícero Crispim reclamariam para si sempre uma carga grandiosa de gestos de gratidão associados às lembranças que despertavam. As velhas ruas, antes denominadas pelos pontos cardeais, agora ostentavam os nomes desses inesquecíveis filhos ilustres de Rio dos Currais. A quarta rua da cidade, não porque não existissem nomes dignos de serem homenageados, mas por uma questão de preservar a memória daqueles dias de luta, foi rebatizada de Rua da Aurora, para simbolizar o renascimento da fé, da irmandade, da solidariedade no seio daquele povo temente a Deus. Essa era também a rua onde se situava o hospital municipal, onde muitos foram salvos da “doença matadeira”.
Os próximos meses foram de reconstrução da cidade e das vidas. Aos poucos tudo foi sendo reconduzido à rotina de trabalho para fazer de Rio dos Currais a cidade adorada pelos turistas que retornariam nas próximas festas de junho. No janeiro seguinte, os habitantes da pequena cidade foram unânimes em concordar com o novo prefeito de que era necessário iniciar os preparativos para a grande festa que pretendiam realizar naquele ano. Entretanto, havia um problema que se mostrava incontornável naquele momento. A epidemia devastara as finanças do município, do comércio, das pessoas, o que limitava a ambição de festejos que devolvessem a boa reputação de que gozava Rio dos Currais antes do vírus da morte. Foi quando o senhor de nome Emerenciano pediu a palavra. Ele tinha setenta e seis anos de idade e era aquele tempo a pessoa mais velha da cidade. Emerenciano Feitosa era seu nome completo. O senhor que se apresentava para assumir a ordem do discurso, com sua voz frágil, pausada, porém, firme ao propor a melhor saída para o povo de sua sofrida cidade, era o mesmo que manifestou sua gratidão à dona Lucinda, quando a recebeu em sua casa, durante a ação solidária que esta liderou para salvar o povo de Rio dos Currais da exterminação. No conselho, que ora emprestava as autoridades ali presentes, dizia:
_ Senhores e senhoras! – começou encadeando as palavras de forma pausada e com muita objetividade – sei que não detenho autoridade para impor nada a esta cidade, e nem desejo fazer qualquer imposição. Sei também o que passamos recentemente. Carrego, como todos vocês, a dor da perda, a angústia da impotência diante dos imperativos da vida. Neste momento, no auge da idade que ostento, pergunto-me por que fui poupado quando jovens e crianças sucumbiram. Mas isso não é o que importa agora. A resposta a essa minha indagação, apenas Deus me poderá dar. E creio que isso não tardará acontecer, se merecedor eu for dessa dádiva. No entanto, o objetivo de minha fala é sugerir aos senhores que este ano façamos uma festa para nós, diferente do que tem sido até aqui. Ano após ano, Rio dos Currais prepara festejos para pessoas de outros lugares. Peço que entendam que eu não estou condenando esta atitude, já que os turistas contribuem fortemente para o desenvolvimento econômico deste pequeno município, além do mais, é salutar a interação entre os povos. Não condeno o modo como tem sido organizada a festa de nosso santo padroeiro. Apenas ressalto que haverá novas oportunidades para essas grandes festas, dignas da reputação de Rio dos Currais no Vale do Salitre. E conclamo que neste ano – apenas nesse ano, se for o entendimento geral – façamos a festa aos moldes antigos. Resgatando esquecidas tradições que ajudaram a nos tornar o que somos. Façamos a festa de São João para nós mesmos, como um ato de confraternização, com fogueiras acessas na frente das casas, com vizinhos interagindo, enfim, com nosso povo festejando esse desejado renascimento, após sobreviver o mal que se lançou sobre nós. Uma festa para nós sobreviventes homenagearem aqueles que não puderam estar conosco agora. Era o que tinha a dizer.
Um momento de silêncio sucedeu às palavras de Emerenciano Feitosa. Houve uma moção silenciosa de adesão à proposta. Ninguém se opusera a que a festa naquele ano retomasse o aspecto antigo de festejos familiares, onde fogueiras eram acessas em frente às casas, vizinhos se confraternizavam, havia danças de quadrilhas, milho assado diretamente na fogueira, cozido em panelas de barro, pamonha, broa, bolo, polenta, angu, mungunzá doce, mungunzá de sal, carne assada, pessoas vestidas de cangaceiro, camisas quadriculadas, jaquetas de couro cru, chapéus, damas e cavaleiros rodopiando ao som de sanfona, triângulo, zabumba, tiro de bacamarte, rojões, jogos de azar, de caipira, tudo que faz dos festejos juninos nas mais remotas cidadezinhas desse país imenso se transformar num momento de fraternidade, de alegria, de esperança, de interação, de solidariedade entre pessoas simples, cuja marcha diária não se resume a comércio, à Economia, a Mercado, a contar moedas e cadáveres que se avolumam pela opressão do vil metal, pela decisão de líderes insanos como Etevaldo Elesbão, que conduzia seu povo a morte, à destruição. Não. Essa era a festa de um povo que dança e canta para a vida, que na desgraça acolhe seus semelhantes, que se ajudam mutuamente, ainda que seja preciso dividir o pouco que tenha, que na alegria compartilha com seus iguais, que sonha com dias melhores, apesar da frieza e perversidade de seus representantes nas assembleias dos nobres. Enfim, aquela foi uma festa para comemorar a aurora de Rio dos Currais. Para celebrar o heroísmo de pessoas como o novo prefeito, Antenor Medeiros, dona Lucinda, os Voluntários do Casarão, como ficou conhecida a equipe de bravos cidadãos liderada por dona Lucinda, a magnitude e honradez do doutor Cícero Crispim, que desafiou os limites de sua sabedoria e saúde para conduzir a luta contra a morte que pairava sobre Rio dos Currais. A festa não durou quinze dias como antes da “doença matadeira”, mas os dois dias pelos quais se estendeu foram dias de reencontro daquela gente simples, crente, trabalhadora, orgulhosa da bravura com que suportou os dias difíceis de doença e morte.
Passados dois anos da grande campanha contra a morte trazida pela doença mortífera que a Ciência alcunhou de COVID – 19, a gente simples de Rio dos Currais, a menor cidade do país, com pouco mais de duzentos e trinta habitantes, retomou sua rotina de trabalho, devoção, solidariedade; e de festejos juninos de fazer inveja aos maiores carnavais do planeta. Antenor Medeiros foi reeleito prefeito. Dona Lucinda entrou para apolítica e agora cuida da feitura das leis na Câmara Municipal. O inexcedível doutor Cícero Crispim, agora aposentado de verdade, emprega seu tempo a estudar e escrever livros sobre os procedimentos utilizados no tratamento de doenças respiratórias graves e a ministrar palestras em faculdades de medicina no litoral. A “Doença Matadeira”, como ficou conhecido, em Rio dos Currais, o vírus mortal COVID – 19, que infectou mais de um milhão de pessoas no mundo, levando a morte de centenas de milhares de seres humanos, em mais de duzentos países, finalmente foi controlada após a comissão de estudiosos de todas as nações, reunida pela Organização Mundial de Saúde, desenvolver eficiente vacina, hoje recomendada para todos os indivíduos da terra. “O mal finalmente foi vencido e o tinhoso aprisionado novamente”, disse o novo padre na primeira missa que celebrou na igreja de São João, na pequena cidade de Rio dos Currais. “Deus seja louvado”, continuou. “Para sempre seja louvado”, responderam todos, em uníssono, a ecoar por todo Vale do Salitre.
Escrito por Ponciano Ratel
Trump também tem seu Mandetta
Principal epidemiologista dos EUA, Anthony Fauci frequentemente diverge do presidente, corrigindo-o publicamente sobre as diretrizes da pandemia do coronavírus, e e ganha apoios dos americanos.

Invariavelmente as entrevistas diárias da Força-Tarefa do Coronavírus acabam em embate entre o presidente Donald Trump e Anthony Fauci — o respeitado diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas e principal especialista do assunto na Casa Branca. Ambos divergem publicamente sobre o modus operandi de enfrentar a pandemia, o pior pesadelo do presidente americano em ano eleitoral.
Aos 79 anos, com credenciais asseguradas pelo trabalho com seis presidentes americanos, Fauci sempre leva a melhor. Nos últimos dias, a hidroxicloroquina, se colocou entre os dois. O presidente insiste em introduzir o medicamento contra a malária no tratamento da Covid-19, apesar de não ter eficácia comprovada. Como médico, Fauci resiste e não esconde o desagrado. Está criado mais um impasse público.
Com paciência equivalente à de um monge budista, Fauci frequentemente entra em ação para desmentir o presidente. A cada divergência, especula-se que ele será demitido.
Mas quem ousa? Há 36 anos na Casa Branca, o epidemiologista foi consultor de Ronald Reagan, George Bush (pai), Bill Clinton, George W. Bush e Barack Obama. Tem prática com pandemias e surtos, enfrentou Sars, Mers e Ebola.
O novo coronavírus, que vitimou 10 mil americanos e confinou 97% do país em casa, tornou-se seu maior desafio e, ao mesmo tempo, alçou-o ao posto de celebridade. Não é à toa que recebeu do jornal “The New York Times” o apelido de “explicador em chefe” dos EUA. Dele, espera-se a lucidez e a coragem para enfrentar o impaciente presidente. A vacina, por exemplo, não chegará no tempo desejado por Trump.
Trump quis reabrir a economia e chegou a anunciar a retomada das atividades na Páscoa. Fauci discordou e persistiu no mantra fique-em-casa-e-pratique-o-distanciamento-social para mitigar os efeitos da Covid-19. O presidente capitulou e a contragosto estendeu a quarentena até dia 30.
Entre um cientista preso aos fatos e um presidente apegado à intuição, os americanos preferem obedecer às diretrizes do primeiro: a única forma de abreviar o trágico pesadelo que enreda todo o planeta é permanecer em casa, a despeito da paralisação da economia. Qualquer paralelo entre a tensão instalada entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro Luiz Henrique Mandetta não é mera coincidência.
Fonte: Portal G1
Português “bem dizido”: emprego de algumas palavras e expressões semelhantes.
1. Que ou Quê

- Que é pronome, conjunção, advérbio ou partícula expletiva.
- Quê é um substantivo (com o sentido de “alguma coisa”), interjeição (indicando surpresa, espanto) ou pronome em final de frase (imediatamente antes de ponto final, de interrogação ou de exclamação)
Exemplos:
Que você pretende, tratando-me dessa maneira? Você pretende o quê?
Quê!? Quase me esqueço do nosso encontro.
2. Mas ou Mais
- Mas é uma conjunção adversativa, de mesmo valor que “porém, contudo, todavia, no entanto, entretanto”.
- Mais é um advérbio de intensidade, mas também pode dar ideia de adição, acréscimo; tem sentido oposto a menos.
Exemplos:
Eu iria ao cinema, mas(porém) não tenho dinheiro.
Ela é a mais (menos) bonita da escola.
3. Onde, Aonde ou Donde
- Onde significa “em que lugar”.
- Aonde significa “a que lugar”.
- Donde significa “de que lugar”.
Exemplos:
Onde (em que lugar) você colocou minha carteira?
Aonde (a que lugar) você vai, menina?
Donde (de que lugar) tu vieste?
4. Mal ou Mau
- Mal é advérbio, antônimo de “bem”.
- Mau é adjetivo, antônimo de “bom”.
Exemplo: Ele é um homem mau (não é bom); só pratica o mal (e não o bem).
- Mal também é substantivo, podendo significar “doença, moléstia, aquilo que é prejudicial ou nocivo”
Exemplo: O mal da sociedade moderna é a violência urbana.
5. A par ou Ao par
- A par é usado, no sentido de “estar bem informado”, ter conhecimento”.
- Ao par só é usado para indicar equivalência entre valores cambiais.
Exemplos:
Estou a par de todos os acontecimentos.
O real está ao par do dólar.
6. Ao encontro de ou De encontro a
- Ao encontro de indica “ser favorável a”, “ter posição convergente” ou “aproximar-se de”.
- De encontro a indica oposição, choque, colisão.
Exemplo: Suas ideias vêm ao encontro das minhas, mas suas ações vão de encontro ao nosso acordo. (Suas ideias são tais quais as minhas, mas suas ações são contrárias ao nosso acordo)
7. Há ou A na expressão de tempo
- Há é usado para indicar tempo decorrido.
- A é usado para indicar tempo futuro.
Exemplos:
Ele partiu há duas semanas.
Estamos a dois dias das eleições.
8. Acerca de, A cerca de ou Há cerca de
- Acerca de é locução prepositiva equivalente a “sobre, a respeito de”.
- A cerca de indica aproximação.
- Há cerca de indica tempo decorrido.
Exemplos:
Estávamos falando acerca de política.
Moro a cerca de 2 Km daqui.
Estamos rompidos há cerca de dois meses.
9. Afim ou A fim de
- Afim é adjetivo equivalente a “igual, semelhante”.
- A fim de é locução prepositiva que indica finalidade.
Exemplos:
Nós temos vontades afins.
Ela veio a fim de estudar seriamente.
10. Senão ou Se não
- Senão significa “caso contrário, a não ser”.
- Se não ocorre em orações subordinadas adverbiais condicionais; equivale a “caso não”.
Exemplos:
Nada fazia senão reclamar.
Estude bastante, senão não sairá sábado à noite.
Se não estudar, não sairá sábado à noite.
11. Nós viemos ou Nós vimos
- Nós viemos é o verbo vir no pretérito perfeito do indicativo, ou seja, no passado.
- Nós vimos é o verbo vir no presente do indicativo.
Exemplos:
Ontem, nós viemos procurá-lo, mas você não estava.
Nós vimos aqui, agora, para conversar sobre nossos problemas.
12. Torcer por ou Torcer para
- Torcer por, pois o verbo torcer exige esta preposição.
- Torcer para é usado, quando houver indicação de finalidade, equivalente a “para que”, “a fim de que”.
Exemplos:
Torço pelo Santos.
Torço para que o Santos seja o campeão.
13. Desencargo ou Descargo
- Desencargo significa “desobrigação de um encargo, de um trabalho, de uma responsabilidade”.
- Descargo significa “alívio”.
Exemplos:
Filho que se forma é mais um desencargo de família para o pai.
Devolvi o dinheiro por descargo de consciência.
14. Sentar-se na mesa ou Sentar-se à mesa
- Sentar-se na mesa significa sentar-se sobre a mesa.
- Sentar-se à mesa significa sentar-se defronte à mesa. O mesmo ocorre com “estar ao computador, ao telefone, ao portão, à janela …
Exemplos:
Sentei-me ao computador para trabalhar.
Sentei-me na mesa, pois não encontrei cadeira alguma.
15. Tilintar ou tiritar
- Tilintar significa “soar”.
- Tiritar significa “tremer de frio ou de medo”.
Exemplos:
A campainha tilintava sem parar.
O rapaz tiritava de frio.
16. Ao invés de ou Em vez de
- Ao invés de indica “oposição, situação contrária”.
- Em vez de indica “substituição, simples troca”.
Exemplos:
Em vez de ir ao cinema, fui ao teatro.
Descemos, ao invés de subir.
17. Estadia ou Estada
- Estadia é usado para veículos em geral.
- Estada é usado para pessoas.
Exemplos:
Foi curta minha estada na cidade.
Paguei a estadia de meu automóvel.
18. A domicílio ou Em domicílio
- A domicílio só se usa quando dá ideia de movimento.
- Em domicílio se usa sem ideia de movimento.
Exemplos:
Enviarei a domicílio seus documentos.
Fazemos entregas em domicílio
Levaram a domicílio as compras.
Damos aulas particulares em domicílio.
19. Estágio ou Estádio
- Estágio é preparação (profissional, escolar ..).
- Estádio significa “época, fase, período”.
Exemplos:
Estou no primeiro ano de estágio na empresa.
Naquela época o país passava por um estádio de euforia.
20. Perca ou Perda
- Perca é verbo.
- Perda é substantivo.
Exemplo: Não perca a paciência, pois essa perda de gols não se repetirá, disse o jogador ao técnico.
21. Despercebido ou Desapercebido
- Despercebido significa “sem atenção”.
- Desapercebido significa “desprovido, desprevenido”.
Exemplos:
O fato passou-me totalmente despercebido.
Ele estava desapercebido de dinheiro.
22. Escutar ou Ouvir
- Escutar significa “estar atento para ouvir”.
- Ouvir significa “perceber pelo sentido da audição”.
Exemplos:
Escutou, a tarde toda, as reclamações da esposa.
Ao ouvir aquele som estranho, saiu em disparada.
23. Olhar ou Ver
- Olhar significa “estar atento para ver”.
- Ver significa “perceber pela visão”.
Exemplo: Quando olhou para o lado, nada viu, pois ele saíra de lá.
24. Haja vista ou Hajam vista
- Haja vista pode-se usar, havendo ou não a preposição a à frente, estando o substantivo posterior no singular ou no plural.
- Hajam vista pode-se usar, quando não houver a preposição a à frente e quando o substantivo posterior estiver no plural.
Exemplos:
Haja vista aos problemas.
Haja vista os problemas.
Hajam vista os problemas.