José Guimarães: Nova lei trabalhista afronta aos trabalhadores e à Constituição
Aprovada a toque de caixa com o único objetivo de demolir as garantias e direitos dos trabalhadores, entra em vigor neste sábado (11) a “reforma trabalhista” do governo Temer (Lei 13.467/13), sob protestos dos sindicatos e organizações sociais.
Na verdade, essa nova lei que representa o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), nasce fadada ao fracasso. Juízes, procuradores e fiscais do trabalho já denunciaram que a nova legislação é inconstitucional e contraria acordos internacionais ratificados pelo Brasil, além de artigos da própria CLT que permanecem em vigor.
Essa é uma norma tão absurda que afronta um dos pilares do Estado Democrático de Direito – a separação e independência dos poderes. Isso porque tem a pretensão de querer retirar dos juízes a autonomia para interpretar as regras legais, ao determinar que nos processos trabalhistas deverão unicamente “aplicar” a letra da lei. Em uma democracia, o Legislativo cria leis, o Executivo as aplica e o Judiciário interpreta.
A nova lei do trabalho (ou dos patrões) ainda estabelece que danos morais e físicos decorrentes de relações de trabalho têm pesos e medidas diferentes para diferentes extratos sociais. Isso porque as indenizações, nesses casos, ficam vinculadas ao valor do salário (no máximo 50 vezes o último valor recebido).
Assim, a lesão a um trabalhador que ganha salário mínimo poderá atingir hoje, no máximo, R$ 46.850. Mas, no caso de quem ganhe R$ 20 mil, por exemplo, pode chegar à cifra de R$ 1 milhão. Parece deboche, mas, infelizmente, é a moral de desse governo. O corpo rico tem valor diferente do corpo pobre.
Essas arbitrariedades, aliás, estão totalmente de acordo com os objetivos dessa “reforma”. Além de retirar praticamente todos os direitos dos trabalhadores, ela visa enfraquecer a Justiça do Trabalho e os sindicatos, além dificultar o acesso à Justiça. Com isso, fragiliza ainda mais os empregados frente aos patrões, numa subversão completa da função legal de proteger o elo mais fraco nas relações entre capital e trabalho.
Basta lembrar que, pela nova lei, o acordado prevalece sobre o legislado em praticamente todos os aspectos dos contratos de emprego – jornada de trabalho, negociação de férias, intervalo para almoço e mesmo o direito ao Fundo de Garantia integral e aos 40% de multa em caso de demissão por justa causa.
Com sindicatos fragilizados e juízes do trabalho amordaçados, fica ainda mais fácil saber quem terá voz ativa nas negociações – o patrão. Principalmente em um momento como esse que o país atravessa, de crise severa e desemprego alarmante.
A definição de jornada por acordo individual, entre empregados e patrões, aliás, é um dos pontos inconstitucionais da lei. A Constituição traz de maneira expressa que a jornada será de oito horas diárias. Alterações de horário somente são permitidas se resultantes de acordo ou convenção coletiva.
A própria prevalência do acordado sobre a lei contraria a Constituição, segundo os operadores da Justiça do Trabalho. Isso porque, pela Carta constitucional, não pode haver redução de direitos e garantias já conquistados pelos trabalhadores.
Outro ponto que fere a Lei maior de 1988, segundo juízes e procuradores, diz respeito ao acesso à Justiça. Vários pontos da Lei 13.467 dificultam, ou mesmo inviabilizam, esse acesso por parte dos trabalhadores.
O texto chega ao ponto de estabelecer que perícias, quando necessárias, serão realizadas às custas do empregado, ainda que ele faça uso da justiça gratuita. Hoje, quem recebe até dois salários mínimos tem direito à gratuidade nas causas trabalhistas. Limite, aliás, reduzido pela reforma de Temer. Passa a ser de 30% do teto de pensões do INSS.
Em outro ataque frontal aos trabalhadores, o texto determina que, caso perca, ainda que parcialmente, uma ação, o trabalhador tem de arcar com todos os custos do processo, inclusive pagar o advogado da empresa. O valor das custas processuais é estipulado entre 5% e 15% do total em disputa. Haverá casos em que, mesmo que ganhe a maior parte da ação, o proponente sairá devendo.
Na frente de combate aos sindicatos, não basta acabar com o imposto sindical, sem transição nem alternativas. A “reforma” também cria a figura do representante dos trabalhadores do local de trabalho, mas com poderes mínimos, basicamente participar das negociações salariais, em conflito com as atribuições de sindicatos, que saem mais fracos.
Organizações sindicais também são alijadas do processo de rescisão contratual, mesmo nos casos de demissão em massa, com dispensa de mais de 200 funcionários de uma vez.
Diante de tudo isso, certamente a lei irá aumentar a insegurança jurídica nas relações de trabalho e sobrecarregar ainda os tribunais. Exatamente na contramão do que apregoam os defensores das mudanças. Juízes do Trabalho já advertiram que não podem aplicar os pontos inconstitucionais ou ilegais da nova norma, sob pena de incorrer em prevaricação.
Seguramente, os processos irão se arrastar por anos no Judiciário, até que se estabeleça nova jurisprudência ou a lei seja aprimorada.
Ao contrário do que afirma o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins, não é retirando direitos dos trabalhadores que se criam empregos. A experiência da Espanha é exemplo claro disso.
Novas vagas são criadas apenas quando há crescimento econômico. Essa reforma, que irá reduzir o poder de compra dos brasileiros, vai fazer exatamente o contrário, atrasar ainda mais a recuperação da economia.
São tantas arbitrariedades e ilegalidades que não é sequer possível mencionar a maior parte delas. São mais de 200 alterações na CLT. O único caminho é resistir. Acionar a Justiça, protestar nas ruas, como fazem hoje os trabalhadores. Somente com muita mobilização será possível reverter tanto retrocesso.
José Guimarães é advogado, deputado federal do PT-CE e líder da minoria na Câmara dos Deputado
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