A DOGMÁTICA DO SERVILISMO E A REPÚBLICA DO SUB-REPTÍCIO (Houaiss): A FARSA E A MORALIDADE ADMINISTRATIVA.
Os princípios dotados de força primária no ordenamento jurídico, com força cogente máxima (Alexandre Mazza – Manual de Direito Administrativo) são uma realidade jurídica. Sempre o foram, em verdade, contudo, disso não nos tínhamos conscientizado, como uma miríade de povos tribais que não é nação, vez que não se sabem tantos (Darcy Ribeiro. O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil). É que sua gênese sempre esteve na possibilidade da abstração indutiva, da captação do particular ao geral visando a axiologia fluida, construindo o alicerce de um ordenamento jurídico com sede de liberdade e à espera de nossa melhor consciência, dinamizadas em figuras como Alexy, Dworkin, Esser, Larenz e Canaris, por exemplo.
O princípio da moralidade administrativa na perspectiva principiológica e contemporânea, tem na dogmática construções pautadas pela sua aplicação, como, por exemplo, o referente à vedação ao nepotismo.
É a vedação de nomeação de parentes até 3º grau para cargos em comissão. Veda-se quer o nepotismo direto quer o nepotismo cruzado (troca de favores). Nepotismo direto é a nomeação sem concurso público dentro da mesma pessoa jurídica. Se fora da pessoa jurídica é nepotismo cruzado.
Ocorre que a dogmática tratou de excepcionar, de um lado, com motivação constitucional – na reflexão do art. 236 da CF – os serviços de notários e registradores, vez que de regime privado e, portanto, alheios às restrições da Súmula Vinculante N. 13 do STF (veda o nepotismo). De outro lado, na violação à ideia central do combate à prática nepotista, excluem-se os agentes políticos do Poder Executivo, podendo ser nomeados.
O Supremo Tribunal Federal deu interpretação autêntica à Súmula do nepotismo, entendendo que agente político não é comissionado e, portanto, livre da vedação. Assim, ou estamos diante de um dogmatismo a serviço do Executivo ou de um estado cognoscente comprometido ou ainda – o mais provável – do anaçar desses dois baixos estados de existência.
O saldo dessa dissimulação da Alta Corte é a possibilidade, por exemplo, de filho de Presidente da República poder ser Ministro da Justiça, mas não chefe do gabinete do Ministério da Justiça. É solução que nos lembra a análise de Sartre ao desvelar a cólera: “não podendo encontrar a solução adequada e precisa para um problema, agimos sobre nós mesmos, nos rebaixamos e nos transformamos num ser para quem soluções grosseiras e menos adaptadas são suficientes (por exemplo, rasgar a folha que traz o enunciado do problema).”
A vedação à nomeação para ocupação de cargos comissionados é apenas uma fatia albergada pelo princípio da moralidade, cujos valores dele decorrentes são a probidade e a lealdade. De outro lado, parece supor a Corte Excelsa, não haver entre nós (os de fora) qualquer coisa de consciência, talvez em razão de “toda consciência existir na medida exata em que é consciência de existir” (Sartre – Esboço para uma teoria das emoções. p.22).
É como a consciência de que o proibitivo de medida provisória para tratar de confisco é zona de possibilidade à medida arbitrária, uma vez que a vedação deve ser em relação ao próprio confisco e não à espécie normativa que o instituirá (André Fígaro). Do mesmo modo, a vedação ao nepotismo deveria exortar o modal deôntico de que a nomeação deve ser erigida em critério de mérito e não de uso do poder político para violação da moralidade administrativa e da impessoalidade.
O problema a ser enfrentado não é a nomeação aos cargos comissionados, tão-somente, mas o mau vezo monárquico e corruptor de preencher cargos e funções com pessoas das entranhas do governo. Eis os agentes políticos!
Por essas razões é que no Brasil houve Governador com mãe e avó nos Tribunais de Contas promovendo fiscalização em família das Contas Públicas. Ao lado da análise das dogmáticas de Tércio Sampaio Ferraz Jr., quais sejam: a dogmática analítica, a dogmática hermenêutica e a dogmática das decisões, sugerimos atenção à dogmática do servilismo, como mais um ponto de partida para o entendimento das incertezas da ciência dogmática do Direito! É mais uma opção ao desdobramento do princípio da inegabilidade dos pontos de partida da ciência jurídica (Celso Lafer – prefaciando Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação).
Para desvelarmos este desfaçado [e disfarçado] inteiramente mecânico que é o amontoado de decisões monárquicas nas cúpulas do jurídico de uma República de circunstâncias e contingências é preciso a compreensão de que “para penetrar nos segredos mais profundos da natureza, é preciso não se cansar de pesquisar os extremos opostos e conflitantes das coisas; encontrar o ponto de unificação não é o mais grandioso, mas desenvolver a partir dele também seu oposto, este é propriamente o segredo, e o segredo mais profundo da arte.” (Schelling: Bruno ou Do princípio divino e natural das coisas).
Por: SMAILLY SILVA PEREIRA LIMA, Bacharel em Direito pela FACAPE.
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