OS DESAFIOS DO MARXISMO NA AMÉRICA
Marx, pela influência do legado do idealismo alemão, não sucumbiu ao positivismo que hipostasia os fatos na medida em que os capta de forma desajuntada e propôs uma nova ciência (realizando o sonho de Vico).
As mistificações que pairam sobre Marx não decorrem somente do fracasso da apreensão de uma obra monumental que deve ser estudada linha a linha com rigor e profundo amor, mas do medo de que haja uma compreensão no nível cotidiano das reais relações do modo de produção capitalista.
Lukacs, um grande continuador, em Histoire et Conscience de Classe, mostra que a ciência burguesa fixa em coisas sólidas os efeitos das relações humanas em movimento. Apreender o movimento, ou para usar Hegel, o fundamento implica em mostrar como as antinomias e as contradições só são apreendidas quando se solicita a totalidade aberta.
Todo discurso ideológico, ao contrário do que se diz, não opera por lacunas. Ao revés, o discurso ideológico, ao reificar a realidade, precisa ocultar as lacunas; precisar produzir a conta-por-um para rechaçar a aparição que desestabiliza toda a estrutura.
A ideologia da técnica faz do saber econômico um lugar ínvio à lógica democrática que rechaça o argumento da autoridade ou da especialização reservada. Destina-se a economia aos reprodutores do capital, passando a ser o lugar de uma mística cujo acesso é exclusivo dos iniciados na linguagem mística, inacessível, teoricamente inconsistente, mas cheia de efeitos retóricos, produzindo o efeito de verossimilhança de um saber coerente e verdadeiro, apenas no efeito retórico.
A renovação marxista da teoria da dependência ainda está por fazer em seus níveis mais profundos. A América Latina, mesmo inserindo-se no capitalismo mundial integrado, teve experiências históricas cuja leitura sintomal colabora decisivamente para consolidação de modelos econômicos salutares e igualitários. E aqui não foram criações cerebrinas, mas experiências históricas de formações sociais, a exemplo do que ocorreu no Brasil, do período Vargas de 30 até 45, e na Argentina, no período de Juan Peron, nas décadas de 40 e 50, do século passado.
São tentativas de uma formação social adquirir autonomia que merecem um balanço histórico na linha althusseriana da leitura sintomal.
Getúlio Vargas desenvolveu a linha da industrialização com substituição de importações e trouxe muitas questões em termos de problematização da dependência. Juan Peron, por sua vez, tangenciou outra dimensão da questão.
Vale dizer que só por comodismo colocamos épocas históricas sob o signo dos mandatários do poder. Naquele momento, de muitas contradições, inclusive repressão política, foram as formações sociais no seu todo, incluídos a classe operária e os intelectuais orgânicos, que, na luta, fizeram avançar num processo dialético profundo. Não é fácil ser marxista.
Em 1964, o Brasil vivia uma intensa criatividade e efervescência política: a teoria da dependência e o pujante movimento operário. O Brasil entrava em uma crescente consciência de si mesmo impulsionada contra os arranjos estruturais da propriedade e do racismo. Foi esse movimento pujante que o golpe interrompeu e cujas reverberações ainda povoam o imaginário, as institucionalidade e o cotidiano hoje. Foi essa vulcânica aparição do novo vivo que foi interrompida. Nesse sentido, como dizia Marx, as gerações passadas oprimem os cérebros dos vivos como um pesadelo. Pesadelo que tentou conjurar os signos do novo que nos cabe captar e levar à frente com a luta pela ressurreição das lutas fracassadas em cujas fulgurações as lágrimas dos torturados nos interpelam. O Brasil reprimido em 1964 precisa ser reativado na nossa práxis.
Marx afirma:
“Um trabalhador, na usina de algodão, produz somente algodão? Não. Produz capital”
Se, entre mercadorias heterogêneas, não há como recortar um elemento comum a não ser o trabalho e, vincando a distinção entre a determinação do valor pelo salário e a determinação do valor pelo trabalho objetivado, a criação de valor tem por fonte primacial o trabalho. Adam Smith já salientava o trabalho como fonte da riqueza.
Tal descoberta, para além de qualquer sentimentalismo, constitui um marco científico indeclinável. E, considerando a heterogeneidade estrutural da América Latina, a renovação da teria da dependência ainda está no início. Os problemas emergentes da dependência e da busca das formações sociais adquirirem personalidade histórica permite ver os problemas econômicos de uma maneira diversa da economia burguesa e realizar uma torsão teórica inovadora.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
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