O FIM MELANCÓLICO DO REVISIONISMO TEORICISTA E A RESSUREIÇÃO DO MARXISMO ORTODOXO

A Louis Althusser, a Alain Badiou, a Jacques Rancière e a Jean Hyppolite

O que entender pelo revisionismo? Uma tentativa de adaptação do marxismo às novas condições de maneira a afirmar que os textos do marxismo autêntico estavam extemporâneos à realidade, exigindo atualização? Ou uma forma sutil de capitulação sob a forma teoricista?

É preciso entender o gesto de Louis Althusser, quando diante do desastre obscuro chamado Stalin, reivindicava a coerência interna do discurso marxista. É um gesto cujo significado só é suscetível de compreensão quando articulado às injunções históricas, gesto cuja profundidade apenas agora podemos entender em sua magnitude histórica. Em Ler o Capital afirma:

“Nós devemos, em todo rigor, ir mais longe e refutar a assimilação, mais ou menos indireta, da teoria marxista da história ao modelo empirista de uma hipótese aleatória que precisaria atender a verificação da prática política histórica para poder afirmar a verdade. Não é a prática histórica posterior que pode dar ao conhecimento produzido por Marx o título de conhecimento. É a prática teórica de Marx que fornece o valor demonstrativo, o título de cientificidade das formas que assegura a produção desses conhecimentos.”

Não se trata de aqui de proteger a teoria marxista das práticas políticas feitas em seu nome, mas de navegar contra corrente e, contra tudo e contra todos, afirmar a imanência da verdade do marxismo justamente para poder aferir a validade das práticas políticas históricas, sem qualquer submissão às ilusões linguísticas frágeis. Resulta fácil pelas categorias marxistas avaliar se uma prática, ainda que em nome do marxismo, adere ou não à verdade dos enunciados de Marx e Engels.
O revisionismo não tem sentido histórico, pois, não configura o que Hegel chama ordem na contingência. Dois exemplos desse revisionismo capitulador ultrapassado: Negri e Fredric Jameson.
A tese de Negri, apenas uma, em suas variações tediosas, é que a informatização do trabalho muda a própria natureza do trabalho e que a forma atual do trabalho é o intelecto geral. À sociedade-fábrica Negri opõe novas formas de organização que estariam fora do controle do capital e engendrariam novas subjetividades. A forma informatizada do trabalho, segundo as elucubrações do autor, tornaria o capital algo obsoleto, incapaz de organizar a produção e, por fim, inexistente.
Afirma Negri:

“Mas por que, hoje, a dialética do desenvolvimento capitalista historicamente reconhecida se rompeu? A resposta repousa sobre uma asserção fenomenologicamente fundada: no momento em que o capital cede o comando do trabalho produtivo cooperador ao operário social, ele não é mais capaz de planejar o desenvolvimento. A nova subjetividade não pode mais ser circunscrita nos termos do desenvolvimento capitalista, entendida como movimento dialeticamente realizado. A recusa das formas velhas e novas da exploração capitalista abre espaços nos quais a cooperação do trabalho vivo pode exprimir autonomamente as próprias capacidades produtivas. E, por mais que o comando possa renovar as suas formas , a auto-valorização separa-se ativamente dele. A função organizativa do comando capitalista torna-se, assim cada vez, mais parasitária. A reprodução da vida social não depende mais do capital.”

O que Marx entende por intelecto geral? O conceito de intelecto geral consta da parte de O Grundrisse sobre as máquinas. Intelecto geral nada mais é do que a subsunção do conhecimento científico, enquanto capaz de produzir tecnologia, às necessidades de autovalorização do capital. Não é libertação que se vê, mas a adaptação da técnica, enquanto única forma de saber legitimado, à lógica da produção de mais-valia. Nesse contexto, a tese de Negri, justamente por ser epistemologicamente errônea, é ontologicamente inadequada. O que se vislumbra, no atual estágio do capitalismo, é uma disjunção extrema entre o capitalismo financeiro e o capital industrial a gerar graves problemas sócio-econômicos: o capital abstrato do centro capitalista guarda a necessidade de subsunção de formas arcaicas de produção-trabalho escravo, trabalho infantil etc- em concomitância com formas fluidas de relação de trabalho, no plano interno e externo. A profecia de Negri é uma bolha teórica que flutua no vácuo. Enfim, é um problema de hermenêutica de Marx.
Quanto a Fredric Jameson, na linha da escola de Frankurt, segue a chamada virada cultural a ponto de defender que produção da cultura é fenômeno econômico central da globalização. Afirma:

“Assim, qualquer nova teoria abrangente do capitalismo financeiro precisará se estender para incluir o domínio expandido da produção cultural a fim de mapear seus efeitos: de fato, a produção e o consumo culturais de massa- a par com a globalização e com as novas tecnologias de informação- são tão profundamente econômicos e tão totalmente integrados em seu sistema generalizado de mercantilização quanto as outras áreas produtivas do capitalismo tardio’’


Nessa questão, devemos ser ortodoxo: a economia determina em última instância e a palavra globalização não substitui a tão atual palavra imperialismo. Gramsci sabia do papel que as metáforas cumprem na ciência. Logo percebeu o risco que a metáfora da infraestrutura e da superestrutura implicavam para a dialética e, num lance inusitado, removeu tudo quanto de mecanicismo imbuía aquelas metáforas. Devemos recusar a virada cultural. Chaplin é mais profundo: o libelo de Tempos Modernos não é a crítica à indústria, mas o fato de que, na divisão do trabalho em que cada trabalhador está vinculado a mesma operação parcial, o trabalho perde o caráter de arte.
Bem melhor a Fredric Jameson que o seu narcisismo fosse o do absoluto, o qual atribui injustamente a Hegel num livro menor contra Hegel. E talvez lendo as passagens de O Grundrisse- em que Marx fala da alienação do saber sob a tematização abstrata da linguagem- encontre um bom espelho.
Qualquer teoria abrangente do imperialismo não pode abdicar de Lenin. E, se o capitalismo atual busca camuflar-se sob a forma de políticas falsas de inclusão, devemos ter a coragem de bradar com Alain Badiou: é melhor ser desprezado do que ser reconhecido porque, nesse estado do capital autorreferente, ninguém é reconhecido se não for para ocultar e legitimar formas perversas de alienação ou destruição do outro.
Não renunciamos ao comunismo nem ao marxismo ortodoxo. E, se o marxismo está vivo, foi porque Althusser, na mais absoluta premência, souber preservar vivos os motivos que moveram Marx.


No original: “Nous devons em toute rigueur aller plus loin, et refuser d’assimiler plus ou moins indirectamente la théorie marxiste de l’histoire au modele empiriste d’une ‘hypothese’ aléatoire, dont il faudrait avoir atendu la verification par la pratique politique de l’histoire, pour pouvoir affirmer la ‘verité’. Ce n’est pas la pratique historique ulterieure qui peut donner á connaissance que Marx a produit, ses titres de connaissance. C’est la pratique théorique de Marx est fourni dans la pratique théorique elle-même, c’est-à-dire par la valeur demonstrative, par la titres de scientificité des formes qui ont assuré la production de ces connaissances.” Althusser, Louis. Lire Le Capital: Paris, Presses Universitaires de France, 1965, p. 66.


Por exemplo, na China e na Coreia do Norte temos a tétrica experiência do Partido-Estado que aniquila toda contradição por uma maquinaria polialesca e pelo panóptico em que cada cidadão se converte num algoritmo vigiado o tempo todo para valer a circularidade do dinheiro autorreferente. A reificação do Estado na figura do Partido é uma necessidade de proteção da bolha financeira em colapso. O Partido como mediação de si mesmo nada mais do é que o dinheiro a juros enquanto mediação de si mesmo. Despiciendo dizer que tais experiências de totalitarismo perverso nada tem que ver com marxismo. Para fazer valer o sentido comum da palavra comunismo é necessário corresponder ao povo.


NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. O Trabalho de Dionísio: Para a crítica ao Estado Moderno pós-moderno. Minas Gerais: Pazulin, 2004, p. 151. Para nós, marxistas ortodoxos, o nosso arquétipo é Prometeu que, ao tirar o fogo dos deuses, promoveu a liberdade dos seres humanos.


JAMESON, Fredric. A Cultura do dinheiro: Ensaios sobre a Globalização. Rio de Janeiro: Editora Vozes: 2001, p. 152, Não se nega que a cultura tenha uma função no todo complexo estruturado muito menos o trabalho dos que, mesmo sob uma aparência abstrata, tocam no núcleo dos mais gritantes problemas do nosso tempo.
Sobre a questão cultural, basta ver, por exemplo, o papel alienante e deletério que a mal chamada MPB, salvo exceções, cumpre no Brasil ao criar a farsa do país idílico, pacífico e integrado e, sobretudo, a tentativa, hoje malograda, de que o nacionalismo se identifica com provincialismo para atender as expectativas do centro capitalista. A MPB não cumpre mais nenhuma função no imaginário popular. José Ramos Tinhorão tinha, teve e sempre terá razão. É hora da boa literatura e da verdadeira música popular.


Sobre o pensamento ver o poema Hegel: https://www.eapois.com/hegel.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

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