UMA NOITE RUMO AOS PEIXES
Uma noite rumo aos peixes,
mas ainda o registro do encardido das coisas perdidas
Mas ainda o encardido das coisas
A lentidão da tarde infinitude inútil
O que fazer numa vastidão
O álcool que chega e arrasta o chão para outros terrenos baldios
Ainda é possível cantar o enorme dia do nascimento
Crescem minhas retinas nelas nasce tua beleza que faz chorar
Um tio ressuscita na lã do carneiro, transformado em sertão
Canícula, alforje, cheiro de esterco
Em que música encontro meu corpo?
Em que copo abandono a mulher que trouxe o gosto de sexo?
Não sei as savanas minadas de risco e possível?
Pulsar o teu hálito forte bafejo marinho
Trazes teu sexo e um venturoso ventre onde eu possa armar meu dia e minha tenda
Onde eu experimente claves e cores e ainda mais brasis
rangem no meu nome as combinações da vida
Chorando em acordes menores talvez venham as chuvas sonhadas
tubérculos e bulbos engolfando-se na terra e cipós farejando os sóis em si transmutam
Somos tudo glória e infortúnio
Augusto queria te dizer: só se sublima pela carne.
Os sólidos fervem seu pouso terrestre nos silêncios nascidos no clamor da vida
inteireza do que resiste….um rio encontra-se com teu ventre …. Frida e a fecundação… como se o que registra a tinta não fosse a vida querendo-se mais….era…
Desenho com meus dedos teu escuro no teu rosto…. às escuras posso te fazer tão bonita quanto és … criar: sopro sobre o abismo…. um desejo de encontrar o que: pedra e casa e cidade onde povoar os dias… Granulações do invisível
As ramagens escrevem à sutil maneira …. nos interstícios algo ocorre e é grande….os homens não sabem da beleza do pássaro que nada sabe apenas vôo e passagem nas rotas nunca redundantes…. não se registra nada…. tudo se apresenta velho preste a morrer de tão forte que a vida chega…
A futilidade chega como um soco…. esperma sobre o monturo sobre o corpo da prostituta…. dispêndio profuso de vinhos, álcool, aos borbotões, derramado sobre o chão ….sobre os corpos empalhados dos bêbados…. os banquetes dos cínicos que não podemos vingar….. Calígula instaura a morte… não será condenado? É possível redimir o tropel dos crucificados? Quem pagará as mortes dos que ousaram vindicar a vinha….
Um místico fervilhando os corações sabe a brincadeira da felicidade em estar sob o sol partilhando do calor do mar e das pedras e do descanso entre árvores…. por que a morte triunfa …. por que Antígona morre….Guevara sucumbe na altitude….Reich definha…
O beijo e a agressão se equivalem Camus? Matar trucidar é romper o equilíbrio do dia me respondes em algum lugar…..não te vi….mas te encontrei ….o escrito há tempo elaborado ninguém sabe sob que condições em que escrivaninha sob que temperatura….lançaste-o sobre as velas…trilhos ….estradas sem saber a que e a quem se destinava….e olha que numa tarde em que o absurdo se colava à minha veste desleixada …. a procura por um livro teu me fez pensar no absurdo e o que tua vida era naquele instante…um livro sobrevivendo ao autor agora poeira estelar cósmica renascendo em Tipasa nas madeiras velhas da casa onde nasceu na Lapa em salvador nas mãos ávidas pelo teu socorro…. volvia-me à praia emitindo o mesmo grito…a mesma ciência de que é preciso esgotar o possível….articular a minha respiração ao ofego selvagem do mar e da vida….saber que os corpos tostados ao sol passariam ….mas o milagre renascerá sempre nos sargaços e no olhar vago da senhora sobre a pedra num descampado que comoveu o amigo
o Grito: Terra, eu nós gritamos: a Terra, a Terra e evoca-se tanta coisa
Meus cabelos querem o mês em que os cipós nos obrigam à rendição….exigem a grande queda gloriosa de nada pretender e simplesmente estar….o querido exílio…..que as barbas cresçam como os cabelos das árvores o musgo sobre a parede…. os dentes da criança e a prudência nas cãs augustas de um velho que sabe o frio e o vinagre sem ressentimento…. Krischnamurti sabe que a morte é uma invenção horrível….. o que se chama morte é o maior abraço possível… a morte está quando se grita com ódio se estanca o fluxo se aniquila o devir o porvir que desestabiliza os amantes da ordem…..eu quero cantar, eu agora canto apenas peixe onda nuvem rio amazônia caatinga instante fulguração frágil….
Concomitante, aborta-se , crispam-se corpos miúdos ante a fatalidade, abrem-se girassóis….alfomadas florais….
ao longo do mar viril a sirene anuncia morte
a agonia de um vivente confronta a baba violenta do mar contra as pedras tudo estrugindo em minha consciência
ingênuo uma tarde qualquer me colocou na loucura a sirene e as ondas eu entre tudo que oscila os coqueiros arfantes a maresias
o sal ferindo o corpo e os edifícios
os transeuntes ignorantes do lodaçal que atravessa a cidade de ventre corroído pelas baratas ratos e as trapaças humanas….o fausto dos edifícios em cotejo com a pele pútrida de mendigos amantes dos monturos em colóquio com os limites do corpo e com o coração manchado de berros as vítimas que não podem ascender ao milagroso sol ….ficaram aos rés do mísero pão e das migalhas que lhes foram entregues por um desapiedado…. de vez em quando os ratos precisam se alimentar- pensa um rato triunfante, talvez não
Suas pulsações decaíram? O bêbado com pele amarelada e com barriga d’agua será que sabe da possibilidade do beijo? Encolhido contra as paredes espaventando o frio se concentrava nele da forma mais dorida
Eu posso esquecer tudo isso? Posso ainda jogar-me sobre o mundo com a venturosa inocência de meus filhos… Ó…. que o motor imóvel do cosmo não tenha consciência….senão ele é um eterno sofredor se não é ele é um eterno sonhador
Mas eu grito: a Terra e tudo se move, se emaranha, se distancia e renasce nasce e renasce e nasce sem que saibamos e sabemos que tudo poderia explodir mas tudo é prosódia e comunhão tudo é comunhão eu vi nós vimos tudo será e tudo foi ontem quando amanhecia atravessei o véu de maia e nada temo e nada desgosto e gosto de tudo e gosto de tudo de ti, de você e de mim e que ninguém mais perturbe a paz das horas.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.
Deixe um comentário