Arquivos mensais: janeiro 2024

URNA ELETRÔNICA E VERIFICAÇÃO COMUNITÁRIA DA FORMAÇÃO DO PODER COMO DECORRÊNCIA DO DIREITO AO SUFRÁGIO

Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF se declinou a oposição do voto impresso com o sigilo do voto, expungindo-se do ordenamento a norma que consignava o voto impresso, invocando-se inúmeros princípios jurídicos. Sustentou-se a oposição entre o voto impresso e princípios jurídicos da economicidade e da eficiência.

Confirmo vimos salientado desde o livro As Antinomias do Direito na Modernidade Periférica, a interpretação do direito ocorre em três níveis complementares e articulados, a saber: o nível textual, intertextual e histórico.

Nesse contexto, em sendo o direito um fenômeno normativo, o texto é o parâmetro indeclinável para a interpretação. Por isso, temos, invocando a estética da recepção, salientado que a questão central do direito hoje é: como um texto estrutura a própria leitura?

Isso porque o intérprete, ainda que seja um momento necessário para o desvelamento dos sentidos, não pode desvirtuar os sentidos comunitários produzidos pela comunidade política.

Diante da recepção eufórica, na dogmática e na prática interpretativa, da teoria dos princípios, poucas foram as vozes que se abalançaram a questionar o óbvio: qual é a normatividade dos princípios? Que procedimentos metodológicos podem ser invocados para confirmar, cientificamente, a dedução normativa dos princípios?

Ricardo Guastini, jurista genial, em Lezioni sul linguaggio giuridico, em capítulo dedicado à obra de Dworkin, traz questões demolidoras da juridicidade dos princípios, revelando o caráter a-científico do uso dos princípios na interpretação do direito.

Ao articular que a teoria de Dworkin é a teoria da completude do ordenamento com a invocação dos princípios, registra que Dworkin deveria argumentar em duas frentes: 1) argumentar em favor de normas implícitas; 2) declinar qual o critério de validade de uma norma implícita.

As questões até, então, não foram respondidas, desvelando-se que a invocação de princípios na prática interpretativa resulta inadequada do ponto de vista metodológico.

Tendo em vista os níveis de interpretação, que desenvolvo no âmbito da Hermenêutica Jurídica Analógica, verifica-se que, no Brasil, os princípios tem sido inserido no âmbito do nível estrutural para produzir falsas antinomias e a revogação de normas hígidas constitucionalmente. Ou seja: os princípios são invocados para revogar normas.

Na medida em que não há dedução normativa dos princípios, invocá-los carece de metodologia e significa a corrosão da normatividade do direito.

No caso da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF, não houve a dedução dos princípios e, portanto, a decisão demonstra a ausência total de normatividade e é caso notório de apropriação privada da linguagem, que se verifica quando o intérprete atribui aos textos normativos significados que não guardam normatividade.

A ausência de normatividade da decisão tem efeitos políticos na medida em que, na ausência do voto impresso, fere-se cláusula pétrea- o voto direto e individual- e subtrai o processo eleitoral da verificação comunitária.

Se o cidadão não tem condições de aferir o voto, a comunidade política não detém as condições de verificar o resultado das eleições, o sufrágio perde a substância, a democracia bruxuleia.

Podemos afirmar que as eleições no Brasil não têm verificação comunitária de maneira que o sufrágio não é suscetível de aferição coletiva, e, portanto, a formação do poder é maculada no nascedouro.

Diretas já. Viva Sócrates Brasileiro.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

A NECESSIDADE EPSITEMOLÓGICO-POLÍTICA DE ENTENDER AS FORMAÇÕES SOCIAIS DA AMÉRICA LATINA

Nas formações sociais da América Latina, as sobrecodificações teóricas estrangeiras tem efeitos políticos imediatos, que merecem ser analisados. O descortinar de teorias dotadas de aparato categorial correto, no contexto da América Latina, tem efeitos tão profundos que tornam o próprio teórico um momento de contradição profunda da própria formação a que pertence. Nesse sentido, há uma censura implícita aos que se abalançam a buscar pensar as formações da América Latina de forma autônoma e livre das injunções de repetir o que é produzido alhures. As formações sociais da América Latina, por injunção da colonialidade do poder, para funcionar do modo totalitário com que funciona, precisa reprimir o pensamento autêntico.

Conforme salientado por Alberto Guerreiro Ramos e Aníbal Quijano, a heterogeneidade estrutural das formações da América Latina exige uma inflexão teórica dramática, interna e externamente. Internamente, por significar a compreensão do modo como a sociedade se forma, como ganha compleição e, externamente, pelo confronto necessário com a saber produzido em outros contextos.   E, na medida em que se forjam categorias e compreensões no contexto da América Latina, projeta-se  efeito explicativo sobre as demais formações sociais e se supera o pensamento que se dizia hegemônico. Se a América Latina tinha somente a sociologia consular, para citar Guerreiro Ramos, devotada à repetição acrítica e mal alinhada, hoje temos as primícias de novas epistemologias que se ombreiam e superam as epistemologias norte-americanas e europeias.

Vejamos o caso da ciência política. Hoje, é corrente que o Brasil é um país de matiz democrático. A palavra produz sortilégios retóricos e, ao criar solidariedades epidérmicas, produz a percepção da realidade. O trabalho inicial da crítica é não se deixar levar por sortilégios verbais e verificar o que é operante na realidade. Como se formou e se forma o Brasil? O Brasil, desde a origem, é uma sociedade fraturada em que, de um lado, as populações estão em busca de constituir uma forma autônoma de vida e, de outro, a construção de um Estado Colonial que, extrativista de tributos, procura reproduzir a si mesmo independente dos efeitos e dos custos sócio-econômicos que possa provocar. Nesse contexto, o Estado se torna absolutamente repressor e não cria as condições para produzir, inclusive capital. O Brasil não é uma formação democrática na medida em que necessita reprimir o potencial político das massas. Os partidos, sem exceção, cumprem a missão de reprimir a possibilidade política e estigmatizar pessoas probas. Os partidos, que se arrogam o título de esquerda, são peritos em estigmatizar e reproduzem as mazelas do Estado Colonial. Não obstante, a luta pela vida engendra formas de organizações políticas, ainda que não vinculadas a partidos, uma vez que a estrutura partidária se torna burlesca, parasitária e corrupta,  de maneira que o Estado Colonial existe para produzir a dispersão organizativa das massas.

Na minha terminologia, denomino essas formações como sociedades fraturadas com conurbações transcendentais, isto é, estruturas alçadas acima para reprimir as possibilidades de questionamento da distribuição colonial dos bens. Nesse contexto, categorias como hegemonia, legitimidade, arrefecem de sentido. É o caso do Brasil, dos EUA e da China. Os poderes agem arbitrariamente sem o uso público da razão. Não obstante, na medida em que se fundam a epistemologia nova e as novas formas de organização, os poderes coloniais entram em profunda crise e podem simplesmente perder a funcionalidade. Como só enxergam egoisticamente a si talvez não vejam as primícias do novo.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.