Arquivos mensais: junho 2023
A ATUALIDADE DO GESTO ESTRUTURALISTA E O DECLÍNIO DO CAPITALISMO
“O desenvolvimento rápido da troca é a característica da época em que escreve Sismondi” Lenin
Às vezes, é salutar estabelecer um debate traçando um paralelo. O livro O estruturalismo e a miséria da razão de Carlos Nelson Coutinho padece de várias fraquezas teóricas. Subjaz ao livro a repetição acrítica de Lukács contra o então emergente estruturalismo. A ideia central é colocar a ontologia social de Lukacs contra a ênfase que, segundo o autor, o estruturalismo coloca nas questões epistemológicas, recaindo muitas vezes em um realismo ingênuo e metafísico. O autor refuta Saussure de forma hilária.
Para Saussure, a língua é forma e não substância. Para um olhar acurado, Saussure usa a palavra substância no sentido metafísico de um todo orgânico, unívoco. Nelson Coutinho, por sua vez, invoca alguns autores para defender que a língua é substância, conferindo ao termo um sentido diverso do enunciado por Saussure.
Ao autor brasileiro escapou o essencial: Saussure, ao enunciar corretamente que a língua é uma forma, adota o viês sincrônico, deixando de lado o diacrônico. É este o problema do estruturalismo que permaneceu incompleto: às interessantes e instigantes análises internas dos sistemas não se seguiram as análises históricas que pudessem explicar a transição das formas.
Na parte em que trata de Althusser a coisa piora. Os conceitos mais importantes de Althusser são deixados de lado talvez porque Nelson Coutinho não tinha muito conhecimento de psicanálise. A noção fecunda de causalidade metonímica e a reinvenção do conceito freudiano de sobredeterminação nem sequer são mencionados.
É um clichê dizer que Althusser tenha lido Marx desde o jargão estruturalista. Mas para além disso, pode-se verificar que entre Lukács e Louis Althusser existem mais pontos de encontros do que divergências. Na verdade, os conceitos de um se enriquece com o do outro sem incorrer em ecletismo, esta prótese retórica de quem se acostuma ao monolitismo.
Marx, sobretudo em O capital, trata as questões da forma de maneira muito similar ao estruturalismo. Não é novidade as aproximações entre as análises do signo em Saussure e a análise da forma-valor em Marx. Recentemente, Kojin Karatani confirmou a força desta analogia.
Enfim, não devemos subscrever acriticamente o que se produz em outras partes do mundo, mas também devemos encetar uma critica que, antes de tudo, possa compreender corretamente o que se critica.
Em 1953, uma cartilha polêmica já dizia da necessidade de superar a sociologia enlatada.
E o gesto genial de Karatani não tem sido a possibilidade de esboçar a grande lógica, mas, ao enunciar as inúmeras paralaxes do momento, entender a necessidade histórica do estruturalismo. Sentimo-nos familiares a este gesto.
São muitas confluências: a inserção do Estado e da Nação como elementos chaves da análise econômica, numa pequena discordância com Marx que se esclarece quando da análise diacrônica da questão; a compreensão das várias formas históricas do capitalismo ou a transição das formas dos modos de produção; um melhor ajustamento da questão do comunismo primitivo e do modo de produção asiático; a compreensão fundamental de que os modos de trocas e os modos de produção não são antíteses, mas desenham a necessidade de novos estudos e a própria releitura da obra de Marx para desvelar esse aspecto; a libertação da antropologia para compreensão das graves questões econômicas; a inserção, numa linha hegeliana mesmo inconsciente, do sistema ético junto aos sistemas de trocas; a compreensão das razões das crises cíclicas do capitalismo. O capitalismo reprime as contradições, mas hoje as contradições implodem o capitalismo. São pequenas observações sobre obra que me lembra Lenin falando sobre Engels: cada frase condensa uma tese. Em dois parágrafos, refuta Negri e Hardt para mostrar que, no núcleo do capitalismo, num lance teórico crucial para a adequada compreensão do presente, não é a multipolaridade que prevalece, mas a existência de várias formas de imperialismos que, num longo período de consenso, esbatem-se e debatem-se perdidos na contradições e implosões internas. A China esfacelada pelo chauvinismo incompetente e iletrado, a Rússia impotente e incapaz de retomar o legado da ciência operária que a tornou hegemônica em setores essenciais, os EUA em desintegração econômica e social interna e diante da implosão do sistema financeiro que encabeça e os emergentes em estado de crisálida.
E algo que podemos acrescentar é que, no capitalismo, os nacionalismos que prevalecem são identitários, isto é, de má-identidade. As hegemonias são identitárias. Hegel chama de má identidade aquela que não se abre às diferenças e estabelece o outro como inimigo. Sem esquecer que, na história, há o nacionalismo operário.
Trata-se do maior pensador da atualidade cuja obra abre caminhos novos, novos paradigmas, inclusive de leitura, e novos horizontes políticos e econômicos. É uma clivagem na filosofia para que o verdadeiro universal emerja na sua limpidez e força.
Enfim, podemos dizer, conforme disse a um jurista argentino em 2007, que o século XXI será o século do marxismo. O Capital, de Karl Marx, é o embrião indeclinável e ineliminável de várias ciências e, sobretudo, da economia política marxiana que ainda está por fazer. Marx elaborou as ferramentas conceituais essenciais, cabe-nos desenvolvê-las para que mais bem possa retinir o brilho inconteste da dialética.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
A DESINTEGRAÇÃO ECONÔMICA DOS ESTADOS UNIDOS E O FIM DE UM IMPÉRIO
Invoquemos dois enunciados complementares do gênio de Marx: a economia burguesa é o caos; o capital é o limite do capital. Limite, conforme já anunciamos em outros textos, no sentido matemático do termo.
Tais enunciados desvelam de forma cabal a crise norte-americana: o debate sobre a dívida se engaja num disjuntivo inapropriado: aumento do teto da dívida ou calote. Isso porque o jovem Marx, quando tinha 21 anos de idade, na leitura dos clássicos gregos, revela que, em Plotino, o disjuntivo não se articula à necessidade, mas à abertura para a emergência do novo.
Nesse sentido, o próprio horizonte do debate nos EUA revela a crise em que está enredado.
Lenin, em Os Cadernos Dialéticos, afirma que não se entende Marx sem o entendimento profundo de Hegel e arremata que, até então, poder-se-ia dizer que nenhum marxista entendeu Marx. E Lenin disse corretamente. Talvez dois, hoje atualmente podem dizer que entendem verdadeiramente de Marx. As categorias de Marx são muito mais complexas do que as que se usam, trivialmente.
Por que o capital é o limite do capital? Porque das contradições que marcam o capitalismo, há uma tendência à disseminação do capital, isto é, de figurar na forma abstrata desconectada do movimento da realidade. A matemática de Hegel, e aqui estamos debatendo entre matemáticos, lança mão do termo ”má-infinitude”.
A economia dos EUA desaba na má-infinitude. Em razão disso, pode-se antever a total desintegração sócio-econômica dos EUA: a pauperização geral da população, atingindo, em média, sem qualquer exagero, 90 por cento da população, e a implosão do sistema financeiro que agora flutua, sem raiz, combalido totalmente. Estamos diante da desintegração total dos EUA: o Estado implodirá numa deriva incontrolável de forma mais intensa do que a crise de 1929.
É o fim de um longo império. A Escola de Chicago compreenderá.
De roldão, à maneira da Inglaterra do século XIX, que, pelos truques do capital, levava à bancarrota os exportadores de trigo. No Brasil, dar-se-á mesmo, ainda que os personagens sejam outros.
No torvelinho da crise, a implosão do sistema financeiro brasileiro para que os criadores do plano real que, antes jactavam-se dessa péssima invenção, deparem com a própria incompreensão dos fatores reais da economia.
Que haja possibilidade, ao menos, frenar o infrene descalabro econômico em que mergulha o nosso querido Brasil.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.