Arquivos diários: 18 de setembro de 2021
IMPERIALISMO, DEPENDÊNCIA POLÍTICA E ECONÔMICA E AS LUTAS DOS POVOS PELOS BENS COMUNS
“Se eu sou, tu és”( São Paulo)
Karl Marx, quando analisa as formações sociais capitalistas, mesmo partindo da análise da mercadoria enquanto aparência da riqueza, já registra a tendência do dinheiro em se distanciar do processo de produção de mercadoria e em assumir uma autonomia excessiva. Em O Capital afirma:
“O dinheiro afasta as mercadorias constantemente da esfera da circulação, ao colocar-se continuamente em seus lugares na circulação e, com isso, distanciando-se de seu próprio ponto de partida’’ [1]
O capitalismo, no estágio atual, se caracteriza pela autonomização completa da forma-dinheiro de tal forma que os bancos, abandonando a condição de meros intermediários nos pagamentos, passam ao monopólio de praticamente todo o capital-dinheiro. Consoante afirma Lenin:
“À medida que os bancos se desenvolvem e se concentram num número reduzido de estabelecimentos, eles convertem-se de modestos intermediários que eram, em monopolistas onipotentes que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e de pequeno patrões, bem como da maior parte de meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou muitos de países” [2]
A primazia da forma-dinheiro -enquanto circulação autorreferente sem mediação produtiva- derruba inúmeros mitos liberais como a livre concorrência e a austeridade fiscal. Com a concentração de capital-dinheiro, a tendência é as grandes empresas,
com apoio dos bancos e dos governos liberais, absorverem as pequenas, criando-se monopólios em áreas centrais da economia, encarecendo os preços, determinando-se quem terá acesso a certos bens e serviços. A exportação de capitais para os países de modernidade periférica converte a dívida pública em garantia dos credores internacionais e nacionais, transformando-se os Estados, submetidos à subjugação colonial, não em garantes universais dos direitos, mas em fundos de reserva do capital financeiro internacional e nacional.
Já a propalada austeridade serve, também, apenas para produzir reservas e recursos para garantir o pagamento de dívida pública inauditada pela compressão dos orçamentos públicos mediante a redução drástica dos gastos necessários à efetivação dos direitos econômicos e sociais. Na verdade, o discurso de austeridade revela-se falacioso, pois, mediante corte nos setores essenciais como educação, saúde, seguridade social etc, fomenta-se, ao mesmo tempo, a dívida externa inauditada e a dependência econômica[3]. Enfim, a ‘austeridade’, nesse caso, serve para a perpetuação do endividamento dos Estados.
Não há que cair na mistificação dos aparelhos ideológicos das classes dominantes: estamos em plena vigência de agressivo e encarniçado imperialismo, o qual, conforme lição imperecível de Lenin, se caracteriza não pelo primado do capital-industrial, ligado à produção de mercadorias, mas do capital financeiro.
Então, verifica-se, especialmente pela reificação da política, convertida em mediação básica das condições de perpetuação do domínio do capital financeiro, uma partilha territorial do mundo, consistente na usurpação das riquezas minerais, fontes de água, terras agricultáveis, fontes de energia e etc, presentes em territórios de nações periféricas, suprimindo os povos das condições básicas de vida.[4] É o direito à vida dos povos que está ameaçado. Mas, como as questões centrais das formações sociais são submetidas à deliberação coletiva, a luta política, por isso, coloca-se como central. Não é por acaso que o capital-financeiro busca de todas as formas reificar a política, seja mediante o silenciamento dos intelectuais e líderes populares orgânicos, seja mediante o financiamento a partidos, inclusive os de ‘esquerda’, retirando, para citar Mao Tsé-Tung, o caráter antagônico da contradição política, permitindo o surgimento apenas de ‘políticos’ comprometidos com a reprodução dos meios e condições necessárias à perpetuação da lógica rentista. O capital financeiro, por intermédio da
reificação política, tem suprimido a autodeterminação de inúmeros Estados na modernidade periférica para levar a cabo a empresa nefanda de pilhagem de riquezas naturais. Nessa conjuntura, a América Latina cumpre um papel geopolítico inestimável e a luta por autodeterminação, por isso mesmo, se confunde com a luta pelo direito à vida.
Se o capital financeiro busca reificar a política, cabe aos povos radicalizar as lutas políticas e assumir a vanguarda da luta pelos bens comuns, salvaguardando o futuro da humanidade. Já Hegel, ao defender um direito natural dialético, afirmava que os bens comuns como a água, ar e etc não podem ser submetidos à irracionalidade do domínio privado, mas à racionalidade publico-comunitária.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.
[1] MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Vol 1. São Paulo: Nova Cultura, 1988, p. 100. A fórmula do capital não é mais M-D-M (mercadoria-dinheiro-mercadoria), mas D-D (dinheiro-dinheiro). A leitura dos 5 volumes dessa obra-prima do pensamento humano é crucial para entender todos os artifícios do capital. Marx já previra a conversão dos Estados em fundo de reserva de capital mediante a confusão entre dívida pública e bolsa de valores.
[2] LENIN, V.I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2012, p. 55.
[3] No caso do Brasil, tivemos partidos pretensamente de esquerdas, consolidando, mediante financiamento de bancos públicos, monopólios no setor de alimentação. O cinismo chega ao ponto máximo de se proclamarem, mediante discurso piedoso típico dos hipócritas, pioneiros da luta pela segurança alimentar. Resta salientar a importância da obra de Josué de Castro, intelectual perseguido pela ditadura explícita (1964-1985), que lutou, de forma pioneira, pela ideia de segurança alimentar.
[4] Sobre a centralidade político-econômica da noção de território, ver: NASCIMENTO, Luis Eduardo Gomes. Os quilombos como novos nomos da Terra: da forma-valor à forma-comunidade. Minas Gerais: Dialética, 2020.