Arquivos diários: 12 de abril de 2019
Conflitos no campo afetaram um milhão de brasileiros em 2018
Comissão Pastoral da Terra aponta aumento de disputas envolvendo questões como terra e água. Região Norte é a mais afetada. Mineradoras estão ligadas à metade dos conflitos relacionados a recursos hídricos.
Quase um milhão de pessoas estiveram envolvidas em conflitos no campo em 2018 no Brasil, aponta um estudo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgado nesta sexta-feira (12/04), em Brasília.
Os conflitos no campo – principalmente disputas por terra e água – aumentaram 4% em relação a 2017, passando de 1.431 para 1.489. No total, 960.342 pessoas estiveram envolvidas, 36% a mais do que em 2017 (708.520). Destas, 51,6% são da região Norte, área que também concentra a maior porcentagem de terras em conflito: 92%.
A extensão de terras em disputa vem aumentando nos últimos anos, passando de 8,1 milhões de hectares em 2014 para 39,4 milhões no ano passado, o equivalente a 4,6% do território nacional, aponta a pesquisa.
Para a CPT, conflitos são as ações de resistência e enfrentamento que acontecem no âmbito rural, envolvendo a luta pela terra, água, direitos e pelos meios de trabalho ou produção.
Quando os dados são analisados separadamente, destaca-se o grande crescimento dos conflitos por água, que passaram de 197, envolvendo 35,4 mil famílias (177.090 pessoas) em 2017, para 276, envolvendo 73,6 mil famílias (368.465 pessoas), em 2018 – um aumento de 40,1% no número de conflitos e de 108% no de famílias. O índice é o maior desde 2002, quando a CPT começou a registrar separadamente este tipo de conflito.
Ribeirinhos e pescadores são as principais vítimas dessas disputas: 80,5%. Outro dado destacado pela comissão é que metade desses conflitos foi causada por mineradoras, sendo 111 protagonizados por empresas internacionais e 28 por empresas nacionais. O Nordeste concentra 48,1% dos casos, o Sudeste, 30,8%, e o Norte, 18,8%. Bahia e Minas Gerais foram os estados com mais disputas por água, com 65 casos cada um. Para 2019, a comissão espera um cenário ainda pior, devido à tragédia de Brumadinho.
Quando considerados os conflitos especificamente por terra, foram 118.080 famílias (590.400 pessoas) envolvidas em 2018, contra 116.572 famílias (530.900 pessoas), em 2017, um aumento de 11%. Novamente a região Norte é a mais atingida, com um aumento no número de pessoas envolvidas de 119,7% em 2018 em relação ao ano anterior.
Os conflitos trabalhistas também aumentaram, sobretudo as ocorrências de trabalho escravo: de 66 casos, envolvendo 530 pessoas, em 2017, para 86, envolvendo 1.465 pessoas, em 2018. Se somadas às três ocorrências de superexploração em 2018, são 89 ocorrências de conflitos trabalhistas – 35% a mais do que em 2017.
Menos assassinatos
Em meio a tantos dados negativos, uma boa notícia é a diminuição do número de assassinatos em conflitos no campo: 28, bem abaixo dos 71 de 2017.
Segundo a CPT, é comum que em anos eleitorais haja menos assassinatos. No entanto, de acordo com o relatório, o perfil dos mortos chama a atenção e preocupa.
Em 2017, 36 dos 71 mortos foram em cinco massacres (mortos três ou mais nas mesmas circunstâncias), já em 2018, 57% dos assassinados eram lideranças (16 dos 28). Para a CPT, isso significa uma tentativa de “punição exemplar”, que visa remover o “entrave ao desenvolvimento”, eliminando líderes e tentando evitar que novos se formem. Dos 28 assassinatos, três (10%) ocorreram em Anapu, no Pará, onde em 2005 foi morta a missionária americana Dorothy Stang.
Dados preliminares de 2019 são alarmantes. Até agora, já foram registrados dez assassinatos em conflitos, número que pode ser ainda maior, já que três pessoas estão desaparecidas após um ataque em 30 de março, no Amazonas.
Mulheres e agrotóxicos
O levantamento da CPT também demonstra que 486 mulheres sofreram algum tipo de violência (tortura, agressão, tentativa de assassinato, aborto, intimidação etc.) em conflitos no campo em 2018, o maior índice desde 2008. Desse total, duas mulheres sem-terra morreram em decorrência da situação de conflito nos acampamentos em que moravam, seis sofreram tentativas de assassinato e 37 sofreram ameaças de morte.
O relatório da CPT alerta, ainda, para o uso excessivo de agrotóxicos. De 2000 a 2018, foram 363 vítimas em conflitos envolvendo pesticidas, que morreram ou tiveram a vida ameaçada devido ao contato com esses produtos químicos. Esse número inclui, por exemplo, casos de intoxicação de trabalhadores e moradores do campo, assim como lideranças rurais perseguidas por denunciar o problema.
Do total de vítimas, 91 eram crianças. Escolas rurais servem de cenário para um terço das vítimas de conflitos por terra relacionados a agrotóxicos. É o caso de uma escola do Paraná.
Em novembro do ano passado, um trator de uma fazenda de soja vizinha violou as regras para distância mínima e aplicou Paraquate, agrotóxico proibido na União Europeia, a poucos metros do colégio. Os alunos, que brincavam na quadra, foram atingidos, e mais de 50 crianças e adolescentes, intoxicados.
A CPT acredita, no entanto, que o número de vítimas dos agrotóxicos possa ser muito maior, já que muitos trabalhadores não denunciam o uso inadequado dos agrotóxicos por medo de represálias.
Do total de conflitos, o estado do Pará é o que apresenta o maior número de pessoas envolvidas: 311.377, em 177 casos. Já o Maranhão é o estado com o maior número de disputas: 201, envolvendo 80.803 pessoas.
A Comissão Pastoral da Terra foi fundada em 1975, em plena ditadura militar. Em 1991, a entidade ganhou o Prêmio Right Livelihood, por sua campanha dedicada à justiça social e à observância dos direitos humanos para pequenos agricultores e sem-terra no Brasil. Para ilustrar esta 33ª edição do relatório anual, a entidade optou por um olhar feminino: todas as fotos foram feitas por mulheres.
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Nelson Barbosa: É melhor retirar a proposta de capitalização da Previdência
A reforma da Previdência começou a andar no Congresso, e hoje volto à questão da capitalização, pois a posição do governo ficou mais clara nessa área.
Já apontei em colunas anteriores que a proposta do governo cria um regime de capitalização para substituir o regime de repartição, sem contribuição obrigatória de empresas, de caráter opcional aos trabalhadores. O sistema atual valeria somente até um salário mínimo.
Alguns ingênuos acharam que o governo não iria tão longe, mas na semana passada o ministro da Economia confirmou meu diagnóstico. Segundo reportagem do jornal Valor Econômico, Paulo Guedes quer desonerar as empresas de todas as contribuições previdenciárias para trabalhadores nascidos a partir de uma determinada data.
O ministro sabe que esse tipo de medida deu problema no Chile, e hoje o governo de lá quer retomar um mínimo de contribuição patronal.
Ainda assim, Guedes deseja seguir o erro chileno, mesmo que isso crie grande déficit fiscal no curto prazo e aumente a pobreza de idosos no longo prazo.
Na visão do ministro, esse risco seria aceitável para empregar os “mais jovens”, sem afetar os “mais velhos”. Será?
Imagine que o Congresso aprove a capitalização somente para quem nasceu a partir de uma determinada data. Em um futuro bem próximo, teremos a seguinte situação: duas trabalhadoras, uma “jovem” de 18 anos e outra “velha” de 19 anos, disputando o mesmo emprego.
A “jovem” de 18 anos pode optar por ser contratada pelo regime de capitalização, no qual a empresa não tem nenhum custo previdenciário. Já a “velha” de 19 anos só pode ser contratada pelo regime antigo, em que a empresa contribui para o INSS (no valor de 20% do salário do empregado).
Assumindo que as duas trabalhadoras têm qualificação similar, quem você acha que a empresa vai contratar? Agentes respondem a incentivos. A empresa contratará a trabalhadora mais jovem, desde que ela “opte” pelo regime de capitalização.
Essa situação levará todas as pessoas de 19 anos a reivindicar que elas também possam escolher a capitalização, pois do contrário dificilmente serão contratadas.
Suponha que diante disso o governo amplie a opção para quem tem 19 anos. O mesmo conflito persistirá, só que agora entre pessoas de 19 e 20 anos, e assim em diante.
O ministro deixou de explicar que sua proposta rapidamente generalizará o sistema de capitalização sem contribuição patronal para todos os trabalhadores.
Trata-se, portanto, de uma desoneração total da folha de pagamento, com efeitos negativos para as finanças públicas no curto prazo e para o bem-estar da população no longo prazo.
A capitalização não precisa ser assim. Já conhecemos o que funciona: a capitalização complementar, na qual a trabalhadora opta por fazer contribuição acima do teto do INSS e a empresa a acompanha até um percentual máximo do salário.
É assim em várias estatais e grandes empresas. É assim, também, para servidores federais contratados a partir de 2013.
Se há espaço fiscal para adotar capitalização, deveríamos ampliar o modelo dos servidores para todos no setor privado. Com isso, as empresas seriam desoneradas, mas não em 100%, e todos os trabalhadores ganhariam contribuição patronal acima do teto do INSS.
A perda de curto prazo seria do governo, que deixaria de arrecadar 20% sobre a parcela do salário que exceder o teto do INSS.
Nossa direção deveria ser essa, não a do Chile, mas não há espaço fiscal nem para implementar a capitalização que funciona no Brasil de hoje. Sendo assim, é melhor retirar o tema da proposta do governo.
Nelson Barbosa é professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.
Museu de História Natural de NY avalia cancelar evento em homenagem a Bolsonaro
O Museu Americano de História Natural em Nova York, no qual seria realizada a premiação de “Pessoa do Ano” para o presidente Jair Bolsonaro, afirmou nesta sexta-feira (12) que aceitou a reserva antes de saber quem era o homenageado e está “avaliando as opções”.
“A reserva do museu para a realização do evento externo, privado, em homenagem ao atual presidente do Brasil foi feita antes que se soubesse quem seria o homenageado. Estamos profundamente preocupados, e estamos avaliando nossas opções”, publicou o museu em sua conta oficial em uma rede social.
A cerimônia de premiação de Bolsonaro como “Pessoa do Ano”, organizada pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos, está marcada para 14 de maio. O local do evento, até o momento, é o Museu Americano de História Natural.
A Folha questionou o museu sobre quais seriam as preocupações em relação a Bolsonaro e que opções estão sendo avaliadas.
Em nota, a assessoria afirmou que o evento em homenagem ao presidente brasileiro não reflete “de nenhuma maneira” as posições do museu em relação à proteção da Floresta Amazônica.
“Estamos profundamente preocupados, e o evento não reflete de nenhuma maneira a posição do museu de que há uma necessidade urgente de conservar a Floresta Amazônica, que tem profundas implicações para a diversidade biológica, comunidades indígenas, mudanças climáticas, e o futuro saudável do nosso planeta.”
Bolsonaro e seus principais auxiliares têm um discurso considerado controverso sobre aquecimento global e a necessidade de preservação do meio ambiente.
O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), por exemplo, disse que a discussão sobre aquecimento global é inócua e secundária, enquanto Ernesto Araújo (Relações Exteriores) já classificou o debate como “trama marxista”.
No Twitter, muitos usuários comentaram a publicação do museu pedindo que a instituição “cancele” a realização da cerimônia no local.
“Como pesquisador brasileiro, é revoltante que um indivíduo que despreza a ciência como ele seja homenageado por uma instituição científica. Vocês precisam cancelar pelo bem dos pesquisadores brasileiros, ele está literalmente nos fazendo deixar o país”, comentou o usuário identificado como Alexandre Palaoro.1