Arquivos diários: 10 de abril de 2019
Crônica de uma aberração
Passaram os primeiros cem dias do governo Jair Bolsonaro, e uma coisa está clara: o Brasil não virou uma ditadura, como alguns esquerdistas temiam. Essa é a boa notícia. A má notícia é: esse governo não teria condições para estabelecer uma ditadura nem que quisesse. Mas, de alguma forma, isso também é bom.
O governo age de maneira confusa, aparenta incompetência, lembra João e Maria perdidos na floresta. Muitos de seus planos parecem ter apenas uma motivação: o velho, o suposto “socialismo”, precisa ser demolido – não à toa Bolsonaro chama sua eleição de “revolução”. Mas não está claro o que se quer construir na realidade.
Esse governo não tem ideias. Não tem projetos. Não tem planos. Percorre em meandros a monotonia de seu radicalismo de direita. Quase que diariamente, ouve-se quaisquer anúncios semicozidos. Até mesmo a reforma do super-herói da Justiça, Sergio Moro, parece ter surgido num processo de copia-e-cola.
Sem falar nas púberes provocações do clã Bolsonaro pelas redes sociais. Em vez de governar, brinca-se com fogo. Mas o que há de esperar de um presidente cujo único projeto é acabar com um socialismo que não existe e não existia no Brasil? Bolsonaro parece cada vez mais um Dom Quixote. Luta contra moinhos de vento que, nos delírios dele, confunde com gigantes.
Os Bolsonaro percebem que o projeto deles é vazio (eles têm um instinto político brutal). Para desviar a atenção, criam conflitos nas redes sociais. Xingam, agridem e fazem barulho. Mas essa tática funciona só durante um tempo limitado, e “o deserto das ideias” desse governo já fica óbvio para quem entende que política é mais que gritaria e slogan de campanha.
Por isso, esse governo (que foi tão aplaudido pela direita moderada) agora não dá náuseas apenas à esquerda, mas também aos conservadores que percebem que o projeto bolsonarista é de destruição, e não de construção. Exemplos:
Escreve Merval Pereira: “O que não dá para minimizar é a bagunça em que o governo está metido. A cada vez que o presidente Bolsonaro abre a boca, uma crise se avizinha.”
Rachel Sheherazade tuita: “Bolsonaro viajou pra Israel. Mourão assume a Presidência. Como cidadã me sinto mais segura com o general Mourão no comando da lojinha!”
Ricardo Noblat chama o chanceler Araújo “com todo respeito” de “um idiota”.
E Reinaldo Azevedo constata: “Se continuar a fazer bobagem e se perder as condições políticas de governar, hoje precárias, cai, sim! Os crimes de responsabilidade já foram cometidos.”
Fazer baderna, todo mundo consegue. Mas governar, assumir responsabilidades, mediar, é algo para profissionais; é para adultos, pessoas equilibradas, com empatia e caráter. Nessa enumeração, não são exatamente os Bolsonaro que vêm à cabeça.
A sempre perspicaz Eliane Brum escreve: “Jair Bolsonaro mostrou que pretende governar não por planejamento nem por projetos, não por estudos e cálculos bem fundamentados nem por amplos debates com a sociedade, mas sim pelos urros de quem pode urrar nas redes sociais.”
Numa frase: Bolsonaro governa contra o Brasil. Por razões ideológicas, se distancia da China, o parceiro comercial mais importante do Brasil, e se joga nos braços do presidente americano Trump feito um amante. Ninguém sabe o que o Brasil vai lucrar indo para a cama com os EUA, um dos seus principais rivais econômicos (soja, milho, laranjas, etanol, etc.).
Mas o presidente simplesmente gosta de Donald Trump. Os americanos, que não são ingênuos, simplesmente passaram a perna em Bolsonaro. O brasileiro conseguiu ainda desmerecer seu ministro das Relações Exteriores por ter preferido levar seu filho, que não ocupa nenhum cargo no governo brasileiro, para a conversa com Trump na Casa Branca.
Bolsonaro consegue a façanha de comprar briga com todo mundo ao mesmo tempo. A determinação de comemorar o golpe militar de 1964 não irritou apenas esquerdistas e conservadores moderados, mas também os militares que obviamente não sabiam dos planos. Nos Estados Unidos, ele acusou imigrantes brasileiros de “não ter boas intenções”. Em Israel, ofendeu palestinos e causou meneios de cabeça entre os israelenses. Também irritou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de quem ele precisa, na verdade, para realizar seus projetos. Por causa de todo esse jardim de infância, seu “superministro” Paulo Guedes já falou em renunciar.
Ou seja, não é à toa que o guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho, aconselhe Bolsonaro a só governar com seu clã a partir de agora. Todos os outros, segundo Olavo de Carvalho, são traidores e deveriam “tomar no c*” (seu xingamento preferido). Dá para notar que o vice-presidente Hamilton Mourão também estaria entre os traidores.
É absurdo e triste constatar: mas esse governo, que se acha na missão quase-religiosa de “salvar a pátria”, é tão violento, infantil, estúpido e desorganizado que os militares até estão parecendo uma opção melhor.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, ele colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para os jornais Tagesspiegel (Berlim), Wochenzeitung (Zurique) e Wiener Zeitung. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
Mirian Leitão: Como perder os cem primeiros dias
Miriam Leitão, do O Globo, fez o melhor texto sobre os primeiros 100 dias do Governo Bolsonaro:
Nestes 100 dias, o pior inimigo do governo Bolsonaro foi o governo Bolsonaro. O melhor da lua de mel de qualquer administração foi queimado num processo que deixou como saldo queda de popularidade e um grande estoque de brigas inúteis e energia desperdiçada. Na área econômica, trabalha-se com foco em objetivos concretos, que vão além da reforma da Previdência. Mesmo assim, perdeu-se tempo. De todos os erros, o pior foi na Educação que, não por acaso, no 99º dia teve troca de comando. Infelizmente não houve mudança de ideias.
Desde os primeiros dias ficou claro que o ministro Vélez Rodriguez era a escolha errada. O presidente deixou o ministério sangrando por um trimestre, com paralisia e brigas de facções entre os assessores de Vélez. O novo ministro Abraham Weintraub tem, como os que chegam, o benefício da dúvida. Se comandar o MEC com as ideias que defendeu em palestras e vídeos nas redes sociais, é certo que o diversionismo continuará na área mais importante do país. Se ele continuar a cruzada ideológica, perderemos o ano letivo.
Os erros na educação foram tão ruidosos que outros pontos de desacertos tiveram menos atenção que o necessário. No Itamaraty, o ministro Ernesto Araújo tem os sintomas do mesmo tipo de delírio que o ex-ministro Vélez Rodriguez. Enquanto nos expõe ao ridículo diante do mundo, vai desmontando a Casa de Rio Branco.
No Ministério do Meio Ambiente, o ministro Ricardo Salles fez pouco e causou muito dano. Logo no começo da gestão falou que criaria um sistema de monitoramento de desmatamento. O Brasil já tem. É feito pelo Inpe, instituição de excelência científica, do Estado brasileiro, que faz o monitoramento desde 1988. O ministro teve atuação pífia diante do desastre de Brumadinho e antes que se termine a avaliação das perdas humanas e ambientais ele já propõe que a Vale faça uma conversão das multas. Ele demitiu os 27 superintendentes do Ibama. O órgão desconsiderou o parecer dos técnicos e autorizou o licenciamento para exploração de petróleo em áreas de alto risco. Salles não está dando nova orientação à pasta. Está destruindo o arcabouço institucional de proteção da biodiversidade. É o ministro do desmonte ambiental.
O governo Bolsonaro se desgastou porque quis. Atacou os partidos como se eles fossem sinônimos de corrupção, ignorando que com 52 deputados não se consegue maioria num colégio de 512. E sem maioria não se aprovam projetos, nem se governa. E mesmo esses 52 do partido do presidente já se dividiram e tiveram até brigas públicas.
Uma pesquisa com parlamentares, divulgada ontem pela XP, mostra que subiu de 12% para 55% os deputados que consideram ruim ou péssima a relação da Câmara com o Planalto. No começo do ano legislativo, 57% achavam que o relacionamento era bom ou ótimo. Agora, apenas 16% fazem avaliação favorável. O presidente espalhou a impressão, por suas declarações, de que desta forma está evitando a corrupção. Confunde o ato político de dialogar com as práticas ilegais. Melhor faria se explicasse o que aconteceu com o laranjal do ministro do Turismo ou com os depósitos estranhos dos funcionários do gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro.
A área econômica, uma das poucas que se salva, errou quando aceitou fazer um projeto de Previdência novo. Poderia ter aproveitado a emenda do governo anterior que já estava tramitando. Com uma emenda aglutinativa poderia melhorar o projeto. Até no governo admite-se que isso foi um erro. Com os canais de diálogo com o Congresso entupidos, o governo tem que cumprir passos que já haviam sido dados na reforma da Previdência. Ontem o projeto ainda batia a cabeça na CCJ. E há outras reformas que precisarão de boa negociação com o Congresso.
O presidente e seus filhos continuaram a artilharia nas redes sociais mirando os adversários ou supostos oponentes. Estão atingindo o próprio governo. Perderam tempo e energia que deveriam dedicar à busca de solução para os problemas do país. Em alguns casos cometeram crime de divulgar notícias falsas. O que de fato o governo ganhou com isso foi a confirmação da crítica de que o presidente Jair Bolsonaro não estava preparado para governar. Ganhou um mandato, já pensa no próximo e ainda não sabe o que fazer para administrar o país.
Fonte: Catraca Livre
Por unanimidade, TRE cassa mandato de senadora do PSL conhecida como ‘Moro de saias’
O Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso cassou, por unanimidade, o mandato da senadora Selma Arruda (PSL-MT), nesta quarta-feira (10). A alegação é a de que ela incorreu em crime de abuso de poder econômico e caixa dois. Cabe recurso.
Segundo advogados que acompanham o caso, o voto do relator foi pesadíssimo e seguido pelos demais juízes. O suplente da senadora teria pagado com cheques uma série de despesas na campanha que não foram declaradas à Justiça Eleitoral, o que foi visto como forte indício de crime de caixa dois.
Pouco antes de receber o veredito da Justiça Eleitoral, a senadora votou na Comissão de Constituição e Justiça pela instalação da chamada CPI da Lava Toga. Selma Arruda é juíza aposentada e ficou conhecida em seu estado como “Moro de saias” pela atuação mão pesada na penalização de autoridades e servidores públicos acusados de crimes.
Além da cassação do mandato, o TRE condenou Selma e seu suplente a oito anos de inelegibilidade.
Em nota, a senadora disse que vai recorrer. “A tranquilidade que tenho é com a consciência dos meus atos, a retidão que tive em toda a minha vida e que não seria diferente na minha campanha e trajetória política. Respeito a Justiça e, exatamente por esse motivo, vou recorrer às instâncias superiores.”
Weintraub escolhe gestores não ligados à educação para secretarias do MEC
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, definiu o primeiro escalão da pasta dando preferência a profissionais da área de gestão. Nenhum dos novos secretários tem ligação com o debate educacional.
A Folha revelou que o novo ministro iria trocar todas as secretarias do MEC, com exceção do titular da Alfabetização, Carlos Nadalim, ex-aluno do escritor Olavo de Carvalho. Weintraub também é admirador de Olavo.
Para a Secretaria Executiva, o nome escolhido foi Antonio Paulo Vogel de Medeiros, como adiantou o Painel. Vogel vem da Casa Civil.
A secretaria de Educação Básica será ocupada por Janio Carlos Endo Macedo. Advogado, atuou por 35 anos no Banco do Brasil. Era secretário-adjunto da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal, ligada à Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
O novo titular da Secretaria de Educação Superior será o economista Arnaldo Barbosa de Lima Junior. Era diretor de Seguridade na Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp-Exe) e membro do Conselho Nacional de Previdência Complementar.
A Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica será comandada por Ariosto Antunes Culau. Economista de formação, é servidor público federal do quadro do Ministério da Economia.
Para a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior, foi escolhido Silvio José Cecchi, como revelou a Folha. Cecchi é ligado ao MDB e ocupou o mesmo cargo na gestão Michel Temer.
O ministro também anunciou o secretário-executivo adjunto. Rodrigo Cota era analista de Comércio Exterior do Ministério da Economia.