E Apois: A Classe Operária vai ao paraíso?
Avante, avante Plebe Rude! Viventes dessa nau desgovernada, nação futurista, trazida pelas caravelas d’além-mar! Este que vos fala pede intendência pra vociferar um palavrório em revide ao grassamento das contingências morais nestas paragens tupiniquins.
No proselitismo iconoclasta de hoje, a nova Abolição da Escravatura, com o fim da perversa escala 6×1, na qual o trabalhador dedica uma ruma de dias da semana trabalhando e tem apenas o domingo pra beber sua pinga, fumar seu cigarro, almoçar com a família, visitar amigos e parentes, passear no parque, ir ao teatro, ao cinema, ao zoológico, à feira livre, namorar, assistir televisão, estudar, e no cume calmo do dia, “sentar no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a segunda chegar”. Enquanto que a súcia de sacripantas, encravada na pele apodrentada do poder, como chatos nas partes pudendas, segue se locupletando à custa do trabalho da gente pobre, pois, nasce e morre sem nunca pisar os pés no chão da fábrica.
E o que nos dão conta os noticiamentos hodiernos é que a luta do trabalhador pela redução da jornada data dos primórdios do surgimento do proletariado moderno no século XIX, e que somente depois de séculos trabalhando até a exaustão, finalmente conseguiram estabelecer em Lei “o dia normal de oito horas de trabalho”, permitindo que a burguesia patronal passasse férias prolongadas, custeadas pelo suor e o sangue do proletariado, já que sempre comandou a tuia de ratoneiro nos recônditos dos Palácios dos Marajás da Governança Global.
E, ainda, segundo os tabloides mais versados no entretimento e na venda de leituras de fácil degustação, há um ajuntamento de pessoas de diversos partidos e outros partidos diversos, dispostos a atravancar a campanha do Movimento Vida Além do Trabalho – VAT, porque a orgia dos ricos e poderosos só se sustenta se toda energia do trabalhador for gasta tão somente para satisfazer suas carências físicas.
Por isso, informam também os libelos mais benquistos pelos letrados, conforme os inteiramentos acusatórios da grande mídia falada e escrevinhada, que permitir que as pessoas vivam além do trabalho causaria mal a Economia e ao mercado de trabalho, pois, os patrões não querem pagar mais que um mísero salário de fome aos que produzem a riqueza em que eles se refestelam. Daí a oposição ferrenha ao Projeto de Emenda Constitucional –PEC que quer extirpar a famigerada escala de trabalho análogo à escravidão 6X1, dessa nossa Pindorama das organizações criminosas e dos partidos políticos de índole duvidosa.
Por fim, alardeiam os ditos pasquins, que o Brasil pra ficar rico, a ponto do jumento de Liodoro possui cascos de ouro, a gente paupérrima precisa trabalhar até a morte, sem descanso, a fim de acumular o patrão cada vez mais lucro, mais valia, ao invés de pretender despertar sua potencialidade humana com tempo livre pra beber sua pinga, fumar seu cigarro, almoçar com a família, visitar amigos e parentes, passear no parque, ir ao teatro, ao cinema, ao zoológico, à feira livre, namorar, assistir televisão, estudar, enquanto a tecnologia é usada a favor de todos.
Por ora é aguardar o engajamento das redes sociais para ver se a manifestação popular obriga o capitalista perverso a adotar uma conduta ilibada pública, capaz de motejar a sacanagem privada, grassante desde os tempos de Pedrálvares.
E atentai bem: Pelo fim do trabalho análogo à escravidão, senta o dedo na petição pública, cabroêra!
Saudações a quem tem coragem!
https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR135067
Por: Ponciano Ratel.
SOBRE PRESCRIÇÃO PENAL E PUNIBILIDADE
“O direito se define pelas regras da semiótica’’, Santiago Nino
Nas discussões dogmáticas sobre as categorias jurídicas centrais da teoria do delito, verifica-se que a discussão sobre a punibilidade foi olvidada e obumbrada por uma chusma de categorias que, envolta em mistérios feitos para diletantes de si mesmos, desarticulam o campo da dogmática penal para tornar confusa a interpretação e aplicação do direito penal.
Eros Grau afirma, erroneamente, que a intepretação e a aplicação do direito são a mesma coisa. Interpretar é retirar sentidos de um texto. Aplicar é interpretar diante de um conjunto fático que necessita ser formalizado e qualificado juridicamente. São momentos diferentes de uma mesma arte.
Afirma Kelsen:
“o direito a aplicar é uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível”[1]
Ocorre que a qualificação jurídica depende do esquema normativo necessário e elementar à construção da jurisprudência ou do precedente.
A dogmática penal costuma definir o crime como fato típico, antijurídico e culpável. Desde Kelsen, na medida em que o ilícito é criação jurídica, resulta absurdo chamar um fato- que contraria ao conjunto de normas- de antijurídico. Nesse contexto, há decretar o fim da expressão antijurídico no direito penal.
A invocação da expressão injusto penal mais confunde do que esclarece. Analisando o conjunto, parte da dogmática penal afirma que o crime é fato típico, ilícito e culpável.
Eugenio Raul Zaffaroni e Pierangeli defendem o conceito de tipicidade conglobante. Assertoam:
“Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa.” [2]
Norberto Bobbio, ao criticar a teoria inerente ao tema da completude do ordenamento referente à teoria do espaço vazio, afirma que: ” Parece que a teoria do espaço jurídico vazio nasce da falsa identificação do jurídico com o obrigatório’’[3]
Pensamos que a teoria conglobante fica prisioneira do modal proibido. O direito é um conjunto de proibições, obrigações, permissões e atribuições de competências.
O que se desvela essencial para o descortinar do horizonte necessário à visada adequada da questão é ver que a ordem jurídica, em seus mais variados níveis, não pode ser insulada na ideia de tipicidade conglobante. Primeiro: o direito se realiza de forma típica. Segundo, afirmar que uma forma de realização inerente a um fenômeno se expande a outros níveis é redundante; terceiro, aferir os níveis adjudicados pela dogmática penal ao fato criminoso como conglobante nada tem que ver com tipicidade; quarto, os níveis estabelecidos estão erroneamente estabelecidos; quinto: estando erroneamente estabelecidos, é preciso suprimir os errôneos e encartar o que podemos chamar, com base em Guerreiro Ramos, teoria protonormativa do delito.
Por enquanto, podemos ressaltar que é necessário incluir, na linha de Basileu Garcia, a punibilidade. O direito penal, ao final, é a supressão de uma faculdade natural, isto é, a liberdade de ir e vir, e deve ser cientificamente válido para coarctar o que, segundo a natureza das coisas, é atributo ineliminável do ser humano.
Incide sobre a questão examinada os institutos da prescrição e da decadência da pretensão punitiva, estatal ou não. O conceito de prescrição penal envolve a inércia do titular da pretensão punitiva e o transcurso do tempo, perecendo a pretensão.
Para Clóvis Bevilácqua a “prescrição é a perda da ação atribuída a um direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não-uso delas, durante um determinado espaço de tempo.”
A prescrição da pretensão punitiva está inserida no aspecto temporal que emoldura a norma jurídica penal. Na medida em que o aspecto temporal é quantitativo, há que verificar as homologias do domínio jurídico da punibilidade.
Sem adentrar nos méritos das peculiaridades da situação específica, realizando, de acordo com Lourival Vilanova, a formalização lógica, citemos excerto da sentença, que configura verdadeira jurisprudência, prolatada pela Ilustre magistrada Rafaele Curvelo Guedes dos Anjos, integrante dos quadros efetivos do Tribunal de Justiça da Bahia, a saber:
“Compulsando-se os autos, verifica-se que a pretensão punitiva do Estado está prescrita em relação aos delitos dos crimes contra a fauna (art. 29 da Lei 9.605/98), que tem pena abstrata de 06 meses a 01 ano, prescrevendo em 04 anos, e do crime de posse de droga para consumo (art. 28 da Lei 11.343/06), tendo em vista que a imposição e a execução das penas impostas aos usuários e dependentes de drogas, prescrevem em 02 (dois) anos, conforme art. 30 da Lei 11.343/06.
Em relação ao delito de posse de arma de fogo (art. 12 da Lei 10.826/03), a pretensão punitiva do Estado está antecipadamente prescrita, vez que esse crime tem pena abstrata de 01 a 03 anos, prescrevendo em 08 anos. Todavia, dada às circunstâncias do caso e a primariedade técnica das partes rés, em caso de aplicação de pena, esta não seria superior a 02 (dois) anos. Para essa pena in concreto, a prescrição ocorreria em 04 (quatro) anos, na forma do art. 109, do CP.
Logo, considerando que entre a data do recebimento da denúncia e hoje passaram-se quase 06 anos e não houve outra causa interruptiva, verifica-se lamentavelmente a ocorrência da prescrição antecipada.
Não obstante à ausência de previsão legal e existência de argumentos contrários à aplicação do instituto, vê-se que a aplicabilidade da prescrição em perspectiva apoia-se no princípio da economia processual, da instrumentalidade das formas e da celeridade da justiça.”
A intepretação que se apresenta, ao romper os lugares comuns, revela que o tema da prescrição é intrínseco ao atributo da punibilidade, e, na lógica formal que transcorre a decisão, na medida em que diferencia corretamente os institutos incidentes, tem efeitos políticos libertários e mostra que a linguagem, ao transformar o real, pode transformar os espaços e ampliar a ampliar a liberdade[4]. Enfim, é uma jurisprudência que, na exegese adequada, na articulação correta da ponderação no sentido de Recaséns Siches, revela que o tempo da prescrição está encartado no predicado punibilidade enquanto característica central da conduta ilícita, e a liberdade de muitos já tarda.
Hoje, é uma questão de uso público da razão e, lembrando Pontes de Miranda, o homem é o que, porque sabe mais do que os outros animais, corrigir-se.[5]
[1] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. São Paulo: Martins Fontes. 2000.
[2] ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 9. ed. rev. e atual. São Paulo (SP): Revista dos Tribunais, 2011.
[3] BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Delito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, página 272.
[4] Sobre a importância da interpretação nas lutas pelos sentidos e pela liberdade., ver a obra: NASCIMENTO, Luis Eduardo Gomes do. Do discurso retórico da legalidade à construção societária da legalidade. Curitiba: CRV Editora, 2024, Ebook.
[5] MIRANDA, Pontes de. Tratado da Ação Rescisória: das sentenças e de outras decisões. Campinas: 1998.
O filósofo nas solidões da colônia (sublimes sublimações)
“É necessário pensar em termos de resistência, na pedra em que se arrojam todos os que reivindicam a livre criação e perguntar de quem é essa pedra tal qual a pedra de Sísifo levando montanha acima o que simbolizaria o trabalho inútil e sem esperança, mas, no furor e no silêncio de tantos anos, a pedra simboliza a antítese entre a criação e o poder; a pedra é a do poder na medida em que o corpo envelhece, o rosto em estertor, as barbas alevantando-se do húmus silente das coisas, os dente armados combalidos e em convalescência, os instantes envenenados pelo ressentimento, pela inveja, pela poder sem dique, mas a pedra é de quem? De quem é essa pedra que mostrou o fim de geração profunda e que pensava universalmente o Brasil? De quem é essa pedra que revelou a tirania instituída? De quem é esta pedra em que algo de futuro relampeja e reluz? Segundo Hegel, é nas pedras que o espírito se suprassume. A pedra do espírito em combustão onde o sonho possa tornar-se o mar caudaloso onde os peixes migram, onde se aplaca a sede, onde renasça a humanidade em potência, criação e infinito. A pedra dos que resistem, dos que não desertaram, dos que são e permanecem.”
O filósofo nas solidões da colônia (sublimes sublimações)
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.
“Democracia está ameaçada em todo o mundo”, diz João Cezar de Castro Rocha.
BR 247 – “Se não reagirmos, em 15 anos não haverá mais democracia no mundo”, alertou o historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), João Cezar de Castro Rocha, durante uma entrevista para o podcast De Fato, do Brasil de Fato RS. Rocha discutiu os perigos da ascensão da extrema direita e sua influência crescente na política global.
Em sua análise, Rocha destacou a disseminação da teologia do domínio, uma ideologia que interpreta literalmente passagens bíblicas para justificar um projeto político de expansão e controle. Ele explicou: “Na teologia do domínio, [o versículo] ‘crescei e multiplicai-vos’ é ampliado para significar a expansão da base neopentecostal na sociedade, visando, eventualmente, o domínio político.”
Além disso, Rocha apontou a manipulação da informação pela midiosfera extremista como uma estratégia preocupante. Ele observou que essa manipulação, baseada em uma mistura de erro, ilusão e apropriação seletiva do método científico, tem sido eficaz na disseminação de ilusões coletivas e na distorção da realidade política.
Com base em sua extensa pesquisa sobre o bolsonarismo e movimentos similares, Rocha ressaltou a urgência de uma reação. Ele baseia suas preocupações em seu livro “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico – Retórica do ódio e dissonância cognitiva coletiva”, publicado em 2023.
“Não verás país nenhum”, disse Rocha, citando Loyola Brandão, enquanto acrescentava: “Se não reagirmos em 10, 15 anos não veremos democracia nenhuma no mundo.”
URNA ELETRÔNICA E VERIFICAÇÃO COMUNITÁRIA DA FORMAÇÃO DO PODER COMO DECORRÊNCIA DO DIREITO AO SUFRÁGIO
Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF se declinou a oposição do voto impresso com o sigilo do voto, expungindo-se do ordenamento a norma que consignava o voto impresso, invocando-se inúmeros princípios jurídicos. Sustentou-se a oposição entre o voto impresso e princípios jurídicos da economicidade e da eficiência.
Confirmo vimos salientado desde o livro As Antinomias do Direito na Modernidade Periférica, a interpretação do direito ocorre em três níveis complementares e articulados, a saber: o nível textual, intertextual e histórico.
Nesse contexto, em sendo o direito um fenômeno normativo, o texto é o parâmetro indeclinável para a interpretação. Por isso, temos, invocando a estética da recepção, salientado que a questão central do direito hoje é: como um texto estrutura a própria leitura?
Isso porque o intérprete, ainda que seja um momento necessário para o desvelamento dos sentidos, não pode desvirtuar os sentidos comunitários produzidos pela comunidade política.
Diante da recepção eufórica, na dogmática e na prática interpretativa, da teoria dos princípios, poucas foram as vozes que se abalançaram a questionar o óbvio: qual é a normatividade dos princípios? Que procedimentos metodológicos podem ser invocados para confirmar, cientificamente, a dedução normativa dos princípios?
Ricardo Guastini, jurista genial, em Lezioni sul linguaggio giuridico, em capítulo dedicado à obra de Dworkin, traz questões demolidoras da juridicidade dos princípios, revelando o caráter a-científico do uso dos princípios na interpretação do direito.
Ao articular que a teoria de Dworkin é a teoria da completude do ordenamento com a invocação dos princípios, registra que Dworkin deveria argumentar em duas frentes: 1) argumentar em favor de normas implícitas; 2) declinar qual o critério de validade de uma norma implícita.
As questões até, então, não foram respondidas, desvelando-se que a invocação de princípios na prática interpretativa resulta inadequada do ponto de vista metodológico.
Tendo em vista os níveis de interpretação, que desenvolvo no âmbito da Hermenêutica Jurídica Analógica, verifica-se que, no Brasil, os princípios tem sido inserido no âmbito do nível estrutural para produzir falsas antinomias e a revogação de normas hígidas constitucionalmente. Ou seja: os princípios são invocados para revogar normas.
Na medida em que não há dedução normativa dos princípios, invocá-los carece de metodologia e significa a corrosão da normatividade do direito.
No caso da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF, não houve a dedução dos princípios e, portanto, a decisão demonstra a ausência total de normatividade e é caso notório de apropriação privada da linguagem, que se verifica quando o intérprete atribui aos textos normativos significados que não guardam normatividade.
A ausência de normatividade da decisão tem efeitos políticos na medida em que, na ausência do voto impresso, fere-se cláusula pétrea- o voto direto e individual- e subtrai o processo eleitoral da verificação comunitária.
Se o cidadão não tem condições de aferir o voto, a comunidade política não detém as condições de verificar o resultado das eleições, o sufrágio perde a substância, a democracia bruxuleia.
Podemos afirmar que as eleições no Brasil não têm verificação comunitária de maneira que o sufrágio não é suscetível de aferição coletiva, e, portanto, a formação do poder é maculada no nascedouro.
Diretas já. Viva Sócrates Brasileiro.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
A NECESSIDADE EPSITEMOLÓGICO-POLÍTICA DE ENTENDER AS FORMAÇÕES SOCIAIS DA AMÉRICA LATINA
Nas formações sociais da América Latina, as sobrecodificações teóricas estrangeiras tem efeitos políticos imediatos, que merecem ser analisados. O descortinar de teorias dotadas de aparato categorial correto, no contexto da América Latina, tem efeitos tão profundos que tornam o próprio teórico um momento de contradição profunda da própria formação a que pertence. Nesse sentido, há uma censura implícita aos que se abalançam a buscar pensar as formações da América Latina de forma autônoma e livre das injunções de repetir o que é produzido alhures. As formações sociais da América Latina, por injunção da colonialidade do poder, para funcionar do modo totalitário com que funciona, precisa reprimir o pensamento autêntico.
Conforme salientado por Alberto Guerreiro Ramos e Aníbal Quijano, a heterogeneidade estrutural das formações da América Latina exige uma inflexão teórica dramática, interna e externamente. Internamente, por significar a compreensão do modo como a sociedade se forma, como ganha compleição e, externamente, pelo confronto necessário com a saber produzido em outros contextos. E, na medida em que se forjam categorias e compreensões no contexto da América Latina, projeta-se efeito explicativo sobre as demais formações sociais e se supera o pensamento que se dizia hegemônico. Se a América Latina tinha somente a sociologia consular, para citar Guerreiro Ramos, devotada à repetição acrítica e mal alinhada, hoje temos as primícias de novas epistemologias que se ombreiam e superam as epistemologias norte-americanas e europeias.
Vejamos o caso da ciência política. Hoje, é corrente que o Brasil é um país de matiz democrático. A palavra produz sortilégios retóricos e, ao criar solidariedades epidérmicas, produz a percepção da realidade. O trabalho inicial da crítica é não se deixar levar por sortilégios verbais e verificar o que é operante na realidade. Como se formou e se forma o Brasil? O Brasil, desde a origem, é uma sociedade fraturada em que, de um lado, as populações estão em busca de constituir uma forma autônoma de vida e, de outro, a construção de um Estado Colonial que, extrativista de tributos, procura reproduzir a si mesmo independente dos efeitos e dos custos sócio-econômicos que possa provocar. Nesse contexto, o Estado se torna absolutamente repressor e não cria as condições para produzir, inclusive capital. O Brasil não é uma formação democrática na medida em que necessita reprimir o potencial político das massas. Os partidos, sem exceção, cumprem a missão de reprimir a possibilidade política e estigmatizar pessoas probas. Os partidos, que se arrogam o título de esquerda, são peritos em estigmatizar e reproduzem as mazelas do Estado Colonial. Não obstante, a luta pela vida engendra formas de organizações políticas, ainda que não vinculadas a partidos, uma vez que a estrutura partidária se torna burlesca, parasitária e corrupta, de maneira que o Estado Colonial existe para produzir a dispersão organizativa das massas.
Na minha terminologia, denomino essas formações como sociedades fraturadas com conurbações transcendentais, isto é, estruturas alçadas acima para reprimir as possibilidades de questionamento da distribuição colonial dos bens. Nesse contexto, categorias como hegemonia, legitimidade, arrefecem de sentido. É o caso do Brasil, dos EUA e da China. Os poderes agem arbitrariamente sem o uso público da razão. Não obstante, na medida em que se fundam a epistemologia nova e as novas formas de organização, os poderes coloniais entram em profunda crise e podem simplesmente perder a funcionalidade. Como só enxergam egoisticamente a si talvez não vejam as primícias do novo.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
A CRISE DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA E A QUESTÃO FULCRAL DAS FONTES CRIADORAS DE VALOR
Ao Camarada Stálin
Marx enuncia que uma formação social entra em crise quando o modo de produção não corresponde mais ao desenvolvimento das forças produtivas. No caso do modo de produção capitalista, o enunciado de Marx entra numa espécie de conurbação, pois, ainda que na sua gênese o capitalismo tenha desenvolvimento de forma inaugural e exponencial as forças produtivas, vemos, a olhos vistos, uma crise geral do conhecimento que se manifesta de forma plena no plano da crise da produção.
Fizemos a distinção, ainda em crisálida na teoria de Marx, entre valor e fontes criadoras de valor. Na medida em que a circulação de mercadorias não explica o surgimento do valor, Marx verbaliza que são duas as forças criadoras de valor: natureza e trabalho vivo. Em sendo Aristóteles uma das fontes axiais do pensamento dialético, podemos averbar que são seis as fontes criadoras de valor: natureza, trabalho vivo, ciência, tecnologia, técnica e arte.
Hoje, a crise se entronca na crise do pensamento científico e da ausência de tecnologias voltadas não só ao incremento da produção, mas à produção da produção. De forma clara: a repressão do pensamento engendrou uma crise da tecnologia e, por corolário, da produção. O que pesa sobre o modo de produção capitalista é que não produz mais.
Gramsci enuncia, de forma genial, que a tecnologia, mesmo que oriundas das injunções militares, acabavam por se destacar, expandindo-se para outras áreas, sobremodo, à produção. Por isso, em razão do descompasso preludiado, as grandes potências possuem o monopólio de tecnologias de espionagem e não as voltadas à produção. Digamos de forma clara: a crise do capitalismo é a crise da produção. E por qual razão? O baixo desenvolvimento científico, o qual se revela claramente na ênfase da lógica do prestígio. Em épocas de desenvolvimento científico, o conhecimento é operante e pragmático, isto é, voltado à resolução dos problemas que emergem da vida em coletividade e não show business.
Nesse sentido questão central foi esboçada por Alberto Guerreiro Ramos ao enunciar que todas as questões passam pela teoria das organizações e pela redução tecnológica.
A irracionalidade do capitalismo contemporâneo não resolve a questão. O fato de o capitalismo financeiro tentar se autonomizar em face da produção leva, claramente, à implosão do próprio sistema financeiro e demonstra mais claramente que a atual crise do capitalismo. Como reprimiu as forças produtivas não produz mais.
O problema do modo de produção capitalista é um problema de produção. Um modo de produção quando não mais produz não pode ser chamado de modo de produção. Por isso, sem ironia, podemos dizer que o capitalismo não é mais um modo de produção e coloca em risco a humanidade.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
HEGEL MATERIALISTA, MARX IDEALISTA: RUMO À RAZÃO DIALÉTICA
Há que analisar melhor a relação entre o idealismo de Hegel e o materialismo de Marx. Em Hegel não há dedução transcendental das ideias, mas um sistema teórico complexo que articula, em todos os desdobramentos, a relação entre categoria e experiência. A crítica de Marx, nesse contexto, não se destina a revelar o misticismo da ideia enquanto demiurgo da realidade. A coisa, para citar Rimbaud, passa por outro lugar.
A crítica de Marx, na verdade, engaja-se em outro entroncamento. Ainda que, em certas passagens acerbas, tenha criticado a ideia de que não basta a alteração da consciência ou a entronização de uma nova interpretação do mundo, não se pode negar que toda transformação real passa, inexoravelmente, pela constituição de uma interpretação nova da realidade. Por isso, a inserção do idealismo em Marx, idealismo hegeliano, que nunca ignora a efetividade, é salutar para o desenvolvimento mais cabal do marxista. Numa carta a Schelling, em que expressa de forma profunda o sentido kantiano do dever ser, revela que, na medida em que os intelectuais indiquem como as coisas devem ser, as massas, ao serem mobilizadas pela força das ideias, podem sair da letargia e assumir formas organizativas transformadoras. Não seria tal idealismo essencial para nos libertar de certo fatalismo teoricista que, ignorando as complexidades reais, propõem, no vazio, que a realidade, forçosamente, espelhe o programa prévio? Nesse sentido, a continuação do marxismo autêntico deve ter por missão conferir mais determinações concretas ao pensamento de Hegel e atribuir mais idealismo ao materialismo dialético de Marx, especialmente, para que o dever ser seja não uma ideia reguladora no sentido kantiano, mas, no sentido de Nietzsche, uma experiência pragmática e extremamente aberta. Walt Whitman: canção da estrada aberta. Pragmatismo e movimento. Parafraseando o velho Mao Tsé-Tung: não seria o erro, na medida em que for assimilado, uma condição para a produção da verdade?
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
A ATUALIDADE DO GESTO ESTRUTURALISTA E O DECLÍNIO DO CAPITALISMO
“O desenvolvimento rápido da troca é a característica da época em que escreve Sismondi” Lenin
Às vezes, é salutar estabelecer um debate traçando um paralelo. O livro O estruturalismo e a miséria da razão de Carlos Nelson Coutinho padece de várias fraquezas teóricas. Subjaz ao livro a repetição acrítica de Lukács contra o então emergente estruturalismo. A ideia central é colocar a ontologia social de Lukacs contra a ênfase que, segundo o autor, o estruturalismo coloca nas questões epistemológicas, recaindo muitas vezes em um realismo ingênuo e metafísico. O autor refuta Saussure de forma hilária.
Para Saussure, a língua é forma e não substância. Para um olhar acurado, Saussure usa a palavra substância no sentido metafísico de um todo orgânico, unívoco. Nelson Coutinho, por sua vez, invoca alguns autores para defender que a língua é substância, conferindo ao termo um sentido diverso do enunciado por Saussure.
Ao autor brasileiro escapou o essencial: Saussure, ao enunciar corretamente que a língua é uma forma, adota o viês sincrônico, deixando de lado o diacrônico. É este o problema do estruturalismo que permaneceu incompleto: às interessantes e instigantes análises internas dos sistemas não se seguiram as análises históricas que pudessem explicar a transição das formas.
Na parte em que trata de Althusser a coisa piora. Os conceitos mais importantes de Althusser são deixados de lado talvez porque Nelson Coutinho não tinha muito conhecimento de psicanálise. A noção fecunda de causalidade metonímica e a reinvenção do conceito freudiano de sobredeterminação nem sequer são mencionados.
É um clichê dizer que Althusser tenha lido Marx desde o jargão estruturalista. Mas para além disso, pode-se verificar que entre Lukács e Louis Althusser existem mais pontos de encontros do que divergências. Na verdade, os conceitos de um se enriquece com o do outro sem incorrer em ecletismo, esta prótese retórica de quem se acostuma ao monolitismo.
Marx, sobretudo em O capital, trata as questões da forma de maneira muito similar ao estruturalismo. Não é novidade as aproximações entre as análises do signo em Saussure e a análise da forma-valor em Marx. Recentemente, Kojin Karatani confirmou a força desta analogia.
Enfim, não devemos subscrever acriticamente o que se produz em outras partes do mundo, mas também devemos encetar uma critica que, antes de tudo, possa compreender corretamente o que se critica.
Em 1953, uma cartilha polêmica já dizia da necessidade de superar a sociologia enlatada.
E o gesto genial de Karatani não tem sido a possibilidade de esboçar a grande lógica, mas, ao enunciar as inúmeras paralaxes do momento, entender a necessidade histórica do estruturalismo. Sentimo-nos familiares a este gesto.
São muitas confluências: a inserção do Estado e da Nação como elementos chaves da análise econômica, numa pequena discordância com Marx que se esclarece quando da análise diacrônica da questão; a compreensão das várias formas históricas do capitalismo ou a transição das formas dos modos de produção; um melhor ajustamento da questão do comunismo primitivo e do modo de produção asiático; a compreensão fundamental de que os modos de trocas e os modos de produção não são antíteses, mas desenham a necessidade de novos estudos e a própria releitura da obra de Marx para desvelar esse aspecto; a libertação da antropologia para compreensão das graves questões econômicas; a inserção, numa linha hegeliana mesmo inconsciente, do sistema ético junto aos sistemas de trocas; a compreensão das razões das crises cíclicas do capitalismo. O capitalismo reprime as contradições, mas hoje as contradições implodem o capitalismo. São pequenas observações sobre obra que me lembra Lenin falando sobre Engels: cada frase condensa uma tese. Em dois parágrafos, refuta Negri e Hardt para mostrar que, no núcleo do capitalismo, num lance teórico crucial para a adequada compreensão do presente, não é a multipolaridade que prevalece, mas a existência de várias formas de imperialismos que, num longo período de consenso, esbatem-se e debatem-se perdidos na contradições e implosões internas. A China esfacelada pelo chauvinismo incompetente e iletrado, a Rússia impotente e incapaz de retomar o legado da ciência operária que a tornou hegemônica em setores essenciais, os EUA em desintegração econômica e social interna e diante da implosão do sistema financeiro que encabeça e os emergentes em estado de crisálida.
E algo que podemos acrescentar é que, no capitalismo, os nacionalismos que prevalecem são identitários, isto é, de má-identidade. As hegemonias são identitárias. Hegel chama de má identidade aquela que não se abre às diferenças e estabelece o outro como inimigo. Sem esquecer que, na história, há o nacionalismo operário.
Trata-se do maior pensador da atualidade cuja obra abre caminhos novos, novos paradigmas, inclusive de leitura, e novos horizontes políticos e econômicos. É uma clivagem na filosofia para que o verdadeiro universal emerja na sua limpidez e força.
Enfim, podemos dizer, conforme disse a um jurista argentino em 2007, que o século XXI será o século do marxismo. O Capital, de Karl Marx, é o embrião indeclinável e ineliminável de várias ciências e, sobretudo, da economia política marxiana que ainda está por fazer. Marx elaborou as ferramentas conceituais essenciais, cabe-nos desenvolvê-las para que mais bem possa retinir o brilho inconteste da dialética.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.
A DESINTEGRAÇÃO ECONÔMICA DOS ESTADOS UNIDOS E O FIM DE UM IMPÉRIO
Invoquemos dois enunciados complementares do gênio de Marx: a economia burguesa é o caos; o capital é o limite do capital. Limite, conforme já anunciamos em outros textos, no sentido matemático do termo.
Tais enunciados desvelam de forma cabal a crise norte-americana: o debate sobre a dívida se engaja num disjuntivo inapropriado: aumento do teto da dívida ou calote. Isso porque o jovem Marx, quando tinha 21 anos de idade, na leitura dos clássicos gregos, revela que, em Plotino, o disjuntivo não se articula à necessidade, mas à abertura para a emergência do novo.
Nesse sentido, o próprio horizonte do debate nos EUA revela a crise em que está enredado.
Lenin, em Os Cadernos Dialéticos, afirma que não se entende Marx sem o entendimento profundo de Hegel e arremata que, até então, poder-se-ia dizer que nenhum marxista entendeu Marx. E Lenin disse corretamente. Talvez dois, hoje atualmente podem dizer que entendem verdadeiramente de Marx. As categorias de Marx são muito mais complexas do que as que se usam, trivialmente.
Por que o capital é o limite do capital? Porque das contradições que marcam o capitalismo, há uma tendência à disseminação do capital, isto é, de figurar na forma abstrata desconectada do movimento da realidade. A matemática de Hegel, e aqui estamos debatendo entre matemáticos, lança mão do termo ”má-infinitude”.
A economia dos EUA desaba na má-infinitude. Em razão disso, pode-se antever a total desintegração sócio-econômica dos EUA: a pauperização geral da população, atingindo, em média, sem qualquer exagero, 90 por cento da população, e a implosão do sistema financeiro que agora flutua, sem raiz, combalido totalmente. Estamos diante da desintegração total dos EUA: o Estado implodirá numa deriva incontrolável de forma mais intensa do que a crise de 1929.
É o fim de um longo império. A Escola de Chicago compreenderá.
De roldão, à maneira da Inglaterra do século XIX, que, pelos truques do capital, levava à bancarrota os exportadores de trigo. No Brasil, dar-se-á mesmo, ainda que os personagens sejam outros.
No torvelinho da crise, a implosão do sistema financeiro brasileiro para que os criadores do plano real que, antes jactavam-se dessa péssima invenção, deparem com a própria incompreensão dos fatores reais da economia.
Que haja possibilidade, ao menos, frenar o infrene descalabro econômico em que mergulha o nosso querido Brasil.
Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.